A Sexualidade do jovem Tiquinho (Kauan Alvarenga) é um desafio para sua mãe, Suellen (Maeve Jinkings) -  (crédito: Paris Filmes/divulgação)

A Sexualidade do jovem Tiquinho (Kauan Alvarenga) é um desafio para sua mãe, Suellen (Maeve Jinkings)

crédito: Paris Filmes/divulgação


Há algo de muito errado com Tiquinho, só pode. Por que o garoto não é como os outros? E por que insiste em gravar vídeos com aquelas músicas tristes todo maquiado? O pior é que todo o mundo do trabalho já viu. Suellen realmente está num beco sem saída com o único filho. “Pedágio”, segundo longa de Carolina Markowicz, estreia nesta quinta-feira (1/12) depois da bem-sucedida trajetória em festivais, tanto daqui quanto de fora.

 

Recebeu quatro prêmios no Festival do Rio, foi destaque na Mostra de São Paulo e passou nos festivais San Sebastián, Vancouver, Bordeaux, Roma (onde foi eleito o melhor filme) e Toronto. Esse último, dos mais prestigiosos da atualidade, fez com que a diretora se tornasse a primeira realizadora latino-americana a receber o Tribute Award, na categoria emerging talent.

 

Tiquinho (Kauan Alvarenga) é o filho único da mãe solteira Suellen (Maeve Jinkings), atendente de pedágio em Cubatão (SP), que o mundo conheceu nos anos 1980 como a “cidade mais poluída do mundo”. Os dois se dão bem, apesar da folga do novo namorado dela, Arauto (Thomás Aquino), que parece ter tomado posse da casa humilde onde moram.

 


Pastor estrangeiro

 

O grande problema são os vídeos que Tiquinho insiste em fazer, a maquiagem, as roupas. Aquilo não é normal, acredita a mãe. Aconselhada por Telma (Aline Marta Maia), crente e temente a Deus (até que a tentação fala mais alto, mas isso ela resolve com o pastor), Suellen matricula Tiquinho em um curso.

 

Ali está um pastor estrangeiro, que já “resolveu” vários casos de meninos e meninas “desencaminhados”. Só que a tal “cura gay” custa caro – e para conseguir o dinheiro, Suellen se enrola da pior maneira possível.

 

“Não queria retratar esses eventos bizarros de maneira realista que mostrasse a violência tanto física quanto emocional sobre pessoas da comunidade (LGBTQIA+). Minha ideia era voltar os holofotes para o ridículo que é as pessoas que ministram isso, que se dizem detentoras do poder de mudar algo, de curar algo que não é doença. Queria fazer uma sátira ridicularizando o que de fato é ridículo, não dando palco para a violência sobre pessoas que já sofrem violência”, afirma Carolina.

 

Maeve Jinkings

Maeve Jinkings buscou informações em ONG ligada à causa LGBTQIA para construir sua personagem, Suellen

Paris Filmes/divulgação
 

 

A ideia de rodar em Cubatão e arredores veio depois do roteiro mais estabelecido. “Como pessoa que nasceu em São Paulo e eventualmente ia para o litoral, sempre passei por Cubatão à noite. É aquela coisa meio distópica, meio apocalíptica. Quando criei a história com uma cobradora de pedágio, isso começou a fazer sentido, me voltou a ideia de Cubatão”, acrescenta a diretora.

 

Carolina lança “Pedágio” um ano depois de “Carvão”, seu primeiro longa, também como Maeve Jinkings como protagonista. A diretora comenta que não queria ter a mesma atriz nos dois filmes.

 

“Comecei ‘Carvão’ antes do ‘Pedágio’, mas eles saíram próximos. Quando você está escrevendo, eu, pelo menos, fico imaginando o que é a pessoa que estou criando. De fato, ela vinha na minha cabeça nos dois filmes. Tanto que a convidei para ‘Pedágio’ antes de rodar ‘Carvão’. Falei exatamente assim: ‘Olha, eu não queria ter a mesma atriz nos dois filmes, mas não consigo te tirar da minha cabeça’”, conta Carolina.


Voto de confiança

 

Para Maeve, o convite para Suellen e Irene (de “Carvão”) “foi uma prancha gigante que a Carolina me deu e resolvi surfar.” Desde o início, a grande preocupação era não vilanizar a personagem. “A Carolina tem um modo muito particular de dirigir crianças. Ela prefere não deixar o roteiro com eles. Então, há outro modo de levantar as cenas. Por fora dos ensaios, construí uma relação de confiança e intimidade com o Kauan.”

 

Além de observar a relação do ator com sua própria mãe, Maeve ainda foi atrás daquelas que encontrou “por meio de uma ONG que dá suporte não só para pessoas da comunidade LGBTQIA+, como a seus familiares”. A atriz conversou com mães que viviam o conflito da não aceitação. “A gente, quando começa a estudar um personagem, acaba se dando conta do que não sabe sobre a vida”, diz.

 

Para a diretora, chegar ao circuito comercial depois do reconhecimento em festivais é um grande desafio. “Estamos em um momento muito complexo, pois as pessoas já viam pouco cinema brasileiro e agora, com o streaming, ainda menos. É um pouco romântico pensar que (o cinema nacional) vai voltar a ser como na época áurea. Mas as pessoas precisam voltar (ao cinema). Elas voltaram para o teatro, né?”, finaliza.

 

O ator Kauan Alvarenga

O ator Kauan Alvarenga filmou pela segunda vez com a diretora Carolina Markowicz

Paris Filmes/divulgação

 

Melhor ator

 

Hoje com 19 anos, Kauan Alvarenga, que ganhou o prêmio de melhor ator no Festival do Rio, é, de certa forma, cria de Carolina Markowicz. Seu primeiro papel de destaque foi no curta “O órfão” (2018), que deu à diretora reconhecimento internacional.

 

A história de Jonathas, menino adotado por uma família que é devolvido ao orfanato por causa de seu jeito feminino, venceu a Queer Palm, prêmio atribuído ao melhor filme LGBTQIA+ no Festival de Cannes.

 

“PEDÁGIO”


(Brasil, 2023, 102min., de Carolina Markowicz, com Maeve Jinkings, Kauan Alvarenga, Thomás Aquino e Aline Marta Maia) – Estreia nesta quinta (30/11), às 18h10, no Centro Cultural Unimed-BH Minas; às 14h e às 20h45, no Del Rey 5.