Ansa (Alma Pöysti) e Holappa (Jussi Vatanen) têm seu primeiro encontro romântico  na sessão do filme

Ansa (Alma Pöysti) e Holappa (Jussi Vatanen) têm seu primeiro encontro romântico na sessão do filme "Os mortos não morrem"

crédito: Mubi/divulgação

Em 2023, pelo sexto ano consecutivo, a Finlândia foi eleita o país mais feliz do mundo. Definitivamente não é o lugar apresentado em “Folhas de outono”, novo filme de Aki Kaurismäki, que chega aos cinemas nesta quinta-feira (1/12). Vencedor do Prêmio do Júri no Festival de Cannes deste ano, é um pequeno conto de amor recheado de ironias e referências cinematográficas, bem ao gosto do diretor finlandês.

 

“Caras durões não cantam” é uma das falas iniciais de Holappa (Jussi Vatanen), o protagonista masculino da história. Trabalhador que mora no container da empresa, sua única companhia é a vodca. Numa noite de sexta-feira, é convocado pelo colega Huotari (Janne Hyytiäinen) para uma rodada no karaokê.

 

Ele pode não cantar, mas naquele lugar conhece Ansa (Alma Pöysti). Conhecer não é bem o termo, pois os dois trocam olhares em meio à paquera desajeitada de Huotari com Liisa (Nuppu Koivi). As duas mulheres trabalham em um supermercado.

 


Trilogia do Proletariado

 

“Folhas de outono” é a quarta incursão de Kaurismäki junto à classe trabalhadora (entre 1986 e 1990, o cineasta apresentou a chamada Trilogia do Proletariado, com os filmes “Sombras no paraíso”, “Ariel” e “A garota da fábrica da caixa de fósforos”). Em contraponto com as produções anteriores, tem uma história menos complexa, mais agridoce, mas a crítica ao sistema permanece.

 

Mal remunerada, Ansa deve separar alimentos vencidos e jogá-los no lixo. É demitida quando o segurança dedo-duro avisa ao supervisor que ela levava produtos para casa. Logo consegue novo emprego, tão ruim quanto o anterior: trabalha no California Pub – o nome é pura ironia, pois o bar de meia-luz serve bebuns e nada mais. O único elemento que pode remeter à enrolada Califórnia é a antiga jukebox, que toca invariavelmente o cover em finlandês de “Mambo italiano”.

 

Ansa e Holappa irão se encontrar uma segunda vez, quando ela o vê, apagado pelo álcool, sendo surrupiado por jovens em um ponto de ônibus. O excesso de bebida é realmente um problema, pois logo Holappa perderá o emprego. “Estou deprimido porque bebo e bebo porque estou deprimido”, ele trata de “explicar” o vício ao amigo Huotari.

 

O primeiro encontro de Ansa e Holappa finalmente acontece em um cinema. A sequência em si é cheia de referências – o filme em questão é “Os mortos não morrem” (2019), narrativa de zumbis de Jim Jarmusch, influência direta de Kaurismäki. Os comentários sobre o filme são de rir para dentro, pois há citações a Robert Bresson e Jean-Luc Godard.

 

Até este momento, os dois protagonistas não sabem sequer o nome um do outro. E demorarão a saber, pois uma série de imprevistos vai atrapalhar o encontro amoroso entre duas almas solitárias – Ansa é tão sozinha que tem que comprar prato e talheres para receber Holappa na própria casa. Quando estão juntos, os dois falam pouco – há economia de palavras, bem como de cenários, roupas.


Guerra da Ucrânia

 

Enxuto até na duração (81 minutos), “Flores de outono” parece um filme perdido na névoa do tempo. Só sabemos que o tempo é o atual por causa do rádio (mas não há televisões enormes, smartphones ou qualquer referência ao universo digital). As notícias não param de dar conta do avanço da Rússia sobre a Ucrânia. Isso é também uma forma de lembrar que a Finlândia é vizinha do território russo, e a guerra, que acontece não longe dali, só fortalece a sensação de mal-estar geral.

Apesar disso e das dificuldades do casal em realmente se afinar, “Flores de outono”, em sua melancolia, consegue nos fazer rir dos absurdos da situação. E também torcer para que os dois personagens, com suas vidas absolutamente duras, encontrem um final feliz.

 

“FOLHAS DE OUTONO”


(Finlândia/Alemanha, 2023, 81min., de Aki Kaurismäki, com Alma Pöysti e Jussi Vatanen) Estreia nesta quinta (30/11), às 14h, 16h e 20h, no UNA Cine Belas Artes; e às 18h30, no Centro Cultural Unimed-BH Minas (não haverá sessão na sexta, 1/12).