Juraciara Vieira Cardoso
Juraciara Vieira Cardoso
Professora da UFMG, graduada em Direito, mestre em Direito Constitucional e doutora em Filosofia do Direito
Vitalidade

A falta que a palavra faz ao amor

O amor só é possível para quem se arrisca a dizer sobre ele

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O amor não é algo que vem pronto e acabado, ao contrário, ele é uma construção que tem nas palavras o seu elemento mais essencial. O filósofo brasileiro Christian Dunker chega a afirmar que, até certo limite, essas palavras podem caber em uma carta ou uma mensagem de WhatsApp, contudo, a partir de um certo ponto, o amor exige uma habilidade que, segundo ele, estamos perdendo, que é a capacidade de falar de modo autêntico.

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Roland Barthes vai no mesmo sentido e diz que essa autenticidade não é simples de ser alcançada, pois o discurso amoroso é permeado por riscos. O amante se expõe ao falar, e o dizer amoroso é repleto de percalços, pois tenta dizer o indizível. Barthes afirma que o amor não é um sentimento estável, para ele, amar é ocupar um lugar de linguagem no qual a fala não tem como apoio qualquer garantia. Nesse sentido, amar é oscilar entre o desejo de dizer algo e o temor de que esse algo não seja compreendido.


Talvez pelo temor de dizer algo que desagrade o parceiro, muitas vezes a fala amorosa é repetitiva, não por falta de imaginação dos amantes, mas por sua natureza e pelos riscos que estão envolvidos nela. O amante é falante, mas não sobre o essencial, seu dizer, muitas vezes, é pura tagarelagem. É como se o amante estivesse à mercê das palavras e tivesse que fazer uso operativo delas, mas não conseguisse o fazer de modo autêntico, pelo medo de que o outro perceba aquilo que há de verdadeiramente humano em nós.


A autenticidade do discurso amoroso é construída, não acontece espontaneamente. Pelos riscos que envolve, as falas amorosas exigem trabalho de escuta e compreensão profunda e, talvez, por essas razões, haja tanta complexidade no discurso amoroso. Barthes nos lembra que o amante vive entre dois abismos, o de dizer demais e o de não dizer de modo suficiente, por isso o discurso amoroso está sempre atravessado por muito medo e hesitação. Os amantes temem falar, não sabem muito bem quando falar e se questionam se o silêncio não seria o modo que melhor protege o vínculo que se estabeleceu.


São exatamente os temores que nos levam a adotar estratégias de contenção, pois acreditamos, muitas vezes, que o silêncio tem mais capacidade de proteger a relação do que uma fala autêntica. Segundo Barthes, o amante se protege de modos muito diversos da autenticidade, tais como a repetição, o adiar e o minimizar. Acreditamos que esses são modos de proteger nosso próprio coração do risco de dizer algo que, talvez, possa desagradar o parceiro. E, assim, o discurso amoroso, quando se aproxima de sua verdade essencial, no entendimento dos amantes, se torna um risco, pois expõe uma vulnerabilidade que não estamos, muitas vezes, dispostos a assumir.


As falas, assim, se tornam atalhos de linguagem e não uma fala autêntica, que revela ao outro quem somos por inteiro. Quando isso acontece o amor se esvazia, pois a palavra contida não desaparece. Ela provavelmente nos atormentará todos os dias, até se tornar ressentimento ou fantasia na cabeça daquele que se calou. Nesse cenário, o não dito toma forma e constrói a distância, pois quando um não fala, o outro passa a interpretar ou imaginar sentidos que, muitas vezes, lhe perturba a paz. E o amor, que desde os primórdios é pensado como sendo uma construção conjunta, se torna um espaço repleto de suposições solitárias.


É por falta de palavras que muitas vezes o amor morre sem qualquer ruptura explícita, ele simplesmente desaparece no silêncio e, consequentemente, na falta de entendimento. Por mais arriscada que seja, é apenas na da fala autêntica que podemos construir e afirmar o amor, e nada pode substitui-la. São por meio das palavras que criamos o vínculo e impedimos que o outro seja apenas uma projeção dos nossos próprios desejos. Assim, se queremos proteger nossas relações amorosas, por mais arriscado que seja falar, ficar em silêncio pode ser muito mais arriscado.

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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