O impeachment e suas contradições
A lei do impeachment tem que ser substituída ou seguirá regulada pelo STF, que pode mudar com o tempo, dando tratamento desigual a casos iguais, o que fere
Mais lidas
compartilhe
SIGA NO
A semana passada foi marcada por conflitos entre Poderes. O Senado em confronto com o Executivo pela nomeação de um novo ministro para o Supremo Tribunal Federal, e o próprio STF em conflito com o Senado após a decisão do ministro Gilmar Mendes de alterar as normas para o impeachment de ministros do Supremo. A temperatura excedeu em muito as naturais divergências de pontos de vista.
Leia Mais
O impeachment de chefe do executivo é um procedimento traumático. Dois em cinco presidentes eleitos desde 1989 foram impedidos, o que não é trivial. Nos dois casos, o ambiente era de confronto radicalizado entre Executivo e Legislativo, muita insatisfação popular e extensa judicialização. Cada um seguiu interpretações distintas sobre a inconstitucionalidade de parcelas da lei 1079, de 1950, que define os crimes de responsabilidade de autoridades públicas e regula o processo de afastamento.
Agora o confronto é sobre impeachment de ministros do STF. Um ponto em debate é a maioria para o afastamento. Nos casos de Collor e Dilma, o Supremo decidiu que a maioria é de dois terços. Na lei diz que para ministros da Suprema Corte seria maioria simples. Não faz sentido.
A liminar do ministro Gilmar Mendes vai na direção correta ao dar igualdade de tratamento para os membros do STF. Onde ela exorbita é ao definir as regras a serem seguidas pelo Congresso. Nos impeachments de Collor e de Dilma, o STF seguiu ritos diferentes. Eu fiz uma comparação dos dois casos ao escrever o livro “Presidencialismo de coalizão”.
Siga nosso canal no WhatsApp e receba notícias relevantes para o seu dia
O correto seria considerar o regramento vigente inconstitucional, e o Congresso votar nova legislação que concorde com a Constituição de 1988. Criticam a decisão monocrática do ministro, mas se esquecem de que é monocrática e arbitrária a decisão do presidente da Câmara, ou do Senado, de aceitar ou engavetar pedidos de impeachment.
Leia Mais
Os dois impeachments seguiram ritos diferentes, apesar de decididos pelo mesmo STF, em momentos distintos. Deixa evidentes os limites da judicialização. Trata-se de um mecanismo muito sério, que não deve se dar com base em decisões momentâneas do STF, mas seguir legislação própria e atualizada à luz da nova Constituição.
O ministro Gilmar Mendes era consultor jurídico de Collor. Participou das controvérsias jurídicas sobre a lei do impeachment, que tem vários artigos sem cobertura pela Constituição de 1988. Houve argumentos de juristas e constitucionalistas de cada lado da controvérsia.
Era evidente que o impeachment seria judicializado. O próprio relator do pedido de impeachment, o deputado Nelson Jobim, que seria ministro do STF e presidiria o tribunal, reconheceu em seu parecer que a nova Constituição afastava toda a parte processual da lei 1079/1950.
Leia Mais
A Constituição não contemplou a competência da Câmara além do exame da admissibilidade do impeachment. É questão do que define o momento do afastamento da autoridade processada por crime de responsabilidade. Todo o restante do processo passou a ser competência exclusiva do Senado. No caso dos ministros do STF tudo acontece no Senado, a admissibilidade e o julgamento. Daí a reação mais veemente à decisão de Gilmar Mendes ter vindo do presidente do Senado, Davi Alcolumbre.
No caso Collor, o Executivo dizia que a admissão do processo exigiria dois terços e o presidente da Câmara afirmava que bastava a maioria simples. O STF definiu pelos dois terços.
O impeachment da presidente Dilma Rousseff gerou controvérsias nas duas casas. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, defendia que ela teria que ser afastada após a admissão do processo na Câmara, enquanto o senador Renan Calheiros dizia que o afastamento só ocorreria quando o Senado a declarasse ré.
O confronto foi ao STF e o ministro Fachin suspendeu os procedimentos na Câmara, até decisão final do plenário. Este mudou partes relevantes do rito, entre elas determinou que a presidente somente seria afastada se e quando fosse considerada ré pelo Senado.
Houve outras diferenças. O de Collor seguiu rito mais sumário, durou 122 dias. Ele foi afastado 28 dias após a admissão pela Câmara. O impedimento de Dilma seguiu rito longo, durou 273 dias e ela foi afastada 172 dias após ser admitido pela Câmara, quando se tornou ré no Senado.
A lei do impeachment não vale mais na sua inteireza, seja para impeachment de presidentes, seja de ministros do STF. Ela tem que ser substituída ou seguirá regulada pelo STF, que pode mudar com o tempo, dando tratamento desigual a casos iguais, o que fere a Constituição.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.
