O inconsciente revela mais sobre nós do que sabemos ou saberemos
Na semana passada, falei do livro “Psicanálise no século XXI”, de autoria de Gilson Iannini, excelente para renovar nossa releitura de Freud à luz do contemporâneo e para entender propostas de terapias oferecidas no mercado que não operam com as referências conceituais freudianas.
Alunos dos cursos de psicologia declaram não gostar de Freud, talvez por desconhecerem a obra freudiana, que por sinal já teve sua morte declarada tantas vezes. Porém, como a fênix, ela renasce das cinzas. A meu ver, é como cursar filosofia sem ler Platão, Aristóteles ou Descartes.
Só podemos depreender disso o quanto é consistente e relevante o referencial psicanalítico, fundamental para a clínica das doenças mentais, da dor existencial e do sofrimento.
Freud inaugurou a atenção para a subjetividade humana, a existência do inconsciente em cada um de nós – esse estranho que nos revela mais sobre nós do que sabemos ou saberemos, pois ele será sempre um resto que permanece infamiliar.
A dimensão da subjetividade na experiência humana é algo que não pode ser racionalizado completamente e nem apagado por técnicas de treinamento ou controle do comportamento. Mais que isso, Freud nos fez conhecer nossa fragilidade e ingenuidade diante do que vivemos.
Nosso futuro é incerto, disse Freud. A cultura é tudo aquilo que se elevou pelo trabalho e esforço humano acima da vida animal para controlar as forças da natureza, delas extraindo os bens para suprir as necessidades humanas. Contamos com instituições de regulação das relações contra o abuso do mais forte sobre o mais fraco. Sem desprezar que todos os indivíduos, para viverem na cultura, sacrificaram parte dos instintos agressivos e sexuais para nela se enquadrarem.
Isso tem preço. Por um lado, conseguimos progressos consideráveis juntos; por outro, revolta pelo sacrifício. Os instintos reprimidos escapam e se levantam contra a civilização. Ela nos coage ao trabalho e acumula hostilidades cujas manifestações são evidentes no cotidiano.
Porém, se a cultura nos permite certa proteção, seria negação não fazer o cálculo de fracasso desta empreitada. É bom lembrar que, para além do desamparo em relação às forças da natureza – catástrofes, enchentes, vulcões, terremotos e tsunamis –, estamos expostos a ataques de outros seres vivos: bactérias, pestes, mosquitos e vírus, como o da COVID que parou o mundo.
E, mais ainda, os próprios homens voltam-se contra sua espécie por motivos diversos e injustificáveis com atos de perversão terríveis. A civilização é uma das formas de proteção possíveis. Ela nos educa e legisla, mas não provê proteção total contra o real incontornável.
Mas há ainda algumas cartas na manga... Para nossa proteção e sustentação, temos as crenças, seitas e religiões. Por que não incluir as instituições políticas, que explicam o mundo e prometem apoio diferenciado do insuficiente pai biológico ou simbólico?
Os homens precisam de ilusões, realizações dos mais antigos, fortes e prementes desejos da humanidade; o segredo de sua força é a força desses desejos. A ilusão deriva do desejo e se aproxima do delírio, diferenciando-se dele por não contradizer a realidade.
A ilusão não é necessariamente falsa, irrealizável ou contrária à realidade. É parte das ficções criadas por cada um, lógica singular por meio da qual se lê o mundo. Talvez precisemos mesmo é de coragem, enfrentando o que virá como pudermos.
Contrário ao “Freud tudo explica”, é na psicanálise que damos conta dos furos do real, que não tem sentido nenhum, a não ser o que nós próprios criamos: nossas “fixões”.