O inconsciente revela mais sobre nós do que sabemos ou saberemos -  (crédito: Gordon Johnson/Pixabay)

O inconsciente revela mais sobre nós do que sabemos ou saberemos

crédito: Gordon Johnson/Pixabay

 

Na semana passada, falei do livro “Psicanálise no século XXI”, de autoria de Gilson Iannini, excelente para renovar nossa releitura de Freud à luz do contemporâneo e para entender propostas de terapias oferecidas no mercado que não operam com as referências conceituais freudianas.

 


Alunos dos cursos de psicologia declaram não gostar de Freud, talvez por desconhecerem a obra freudiana, que por sinal já teve sua morte declarada tantas vezes. Porém, como a fênix, ela renasce das cinzas. A meu ver, é como cursar filosofia sem ler Platão, Aristóteles ou Descartes.

 


Só podemos depreender disso o quanto é consistente e relevante o referencial psicanalítico, fundamental para a clínica das doenças mentais, da dor existencial e do sofrimento.

 

 


Freud inaugurou a atenção para a subjetividade humana, a existência do inconsciente em cada um de nós – esse estranho que nos revela mais sobre nós do que sabemos ou saberemos, pois ele será sempre um resto que permanece infamiliar.

 


A dimensão da subjetividade na experiência humana é algo que não pode ser racionalizado completamente e nem apagado por técnicas de treinamento ou controle do comportamento. Mais que isso, Freud nos fez conhecer nossa fragilidade e ingenuidade diante do que vivemos.

 


Nosso futuro é incerto, disse Freud. A cultura é tudo aquilo que se elevou pelo trabalho e esforço humano acima da vida animal para controlar as forças da natureza, delas extraindo os bens para suprir as necessidades humanas. Contamos com instituições de regulação das relações contra o abuso do mais forte sobre o mais fraco. Sem desprezar que todos os indivíduos, para viverem na cultura, sacrificaram parte dos instintos agressivos e sexuais para nela se enquadrarem.

 


Isso tem preço. Por um lado, conseguimos progressos consideráveis juntos; por outro, revolta pelo sacrifício. Os instintos reprimidos escapam e se levantam contra a civilização. Ela nos coage ao trabalho e acumula hostilidades cujas manifestações são evidentes no cotidiano.

 


Porém, se a cultura nos permite certa proteção, seria negação não fazer o cálculo de fracasso desta empreitada. É bom lembrar que, para além do desamparo em relação às forças da natureza – catástrofes, enchentes, vulcões, terremotos e tsunamis –, estamos expostos a ataques de outros seres vivos: bactérias, pestes, mosquitos e vírus, como o da COVID que parou o mundo.

 


E, mais ainda, os próprios homens voltam-se contra sua espécie por motivos diversos e injustificáveis com atos de perversão terríveis. A civilização é uma das formas de proteção possíveis. Ela nos educa e legisla, mas não provê proteção total contra o real incontornável.

 

Mas há ainda algumas cartas na manga... Para nossa proteção e sustentação, temos as crenças, seitas e religiões. Por que não incluir as instituições políticas, que explicam o mundo e prometem apoio diferenciado do insuficiente pai biológico ou simbólico?

 

Os homens precisam de ilusões, realizações dos mais antigos, fortes e prementes desejos da humanidade; o segredo de sua força é a força desses desejos. A ilusão deriva do desejo e se aproxima do delírio, diferenciando-se dele por não contradizer a realidade.

 

A ilusão não é necessariamente falsa, irrealizável ou contrária à realidade. É parte das ficções criadas por cada um, lógica singular por meio da qual se lê o mundo. Talvez precisemos mesmo é de coragem, enfrentando o que virá como pudermos.

 

Contrário ao “Freud tudo explica”, é na psicanálise que damos conta dos furos do real, que não tem sentido nenhum, a não ser o que nós próprios criamos: nossas “fixões”.