Após bombardeio pelas forças israelenses, fumaça cobre Rafah -  (crédito: SAID KHATIB / AFP)

Após bombardeio pelas forças israelenses, fumaça cobre Rafah

crédito: SAID KHATIB / AFP

 

Tempos difíceis vivemos atualmente, acompanhando diariamente a barbaridade de uma guerra interminável que, desde sempre, assola a faixa de Gaza e expõe o sofrimento em escala planetária. Há quem se compraza assistindo à destruição, à morte, ao sequestro e a todo tipo de troca de violência entre dois povos? Quem ganha com isto?


A indústria armamentícia, certamente. Os que defendem a jihad, guerra santa desejada pelos que tentam impor sua religião e exterminar os diferentes, como declarado pelos terroristas na eterna disputa na faixa de Gaza. Os civis, sejam palestinos ou judeus, são os mais atingidos.

Este conflito vem desde a história de Abrão e Sarai, estéril e sem possibilidades de descendência. Abrão escutou da voz divina a promessa de ser pai de grandes povos. Sabendo disto, sua esposa, Sarai, duvidou e concluiu que a única forma seria Abrão coabitar com sua escrava Agar. Sarai decidiu dar uma mãozinha.

Agar tornou-se mãe de Ismael e passou a desdenhar Sarai por ser mãe do varão que perpetuaria a linhagem de Abrão. Sarai, obviamente, reclamou ao marido e passou a maltratar a serva. Por isso, Agar fugiu, mas, por dificuldades materiais e por ordem divina, foi forçada a retornar. Agar pediu por sua descendência, que veio a ser o povo árabe, e foi escutada.

Deus voltou a falar com Abrão, agora renomeado Abraão, que seria pai de filhos com Sarai, agora Sara, de uma grande nação. Sara, de novo, duvidou, era idosa, mas concebeu Isaque. Pai do povo Judeu. Dois grandes povos.

A disputa se estendeu entre eles até hoje, embora ambos tenham direitos à terra. Há os que convivam bem, mas arrivistas mantiveram a rivalidade, um ódio, sem acordos, senão temporários, que dura até hoje e, se inflamada, como agora, ameaça o mundo. Uma guerra sem fim, que nós odiamos.

Freud era pacifista e a guerra, em sua opinião, o mais urgente de todos os problemas da civilização, tema por duas vezes contemplado por ele. Em suas “Reflexões sobre tempos de guerra e morte” (1915), seis meses após o deflagrar da Primeira Guerra Mundial, discorre sobre a desilusão da guerra, que destruiu preciosos bens da humanidade, confundiu as inteligências mais lúcidas, degrada o que há de mais elevado.

A guerra coloca a nu o homem primitivo que existe em cada um de nós. Nos despoja dos acréscimos da civilização, compele-nos ao assassinato em relação a estranhos, enquanto mantemos o horror à própria morte.

A segunda vez, quando o Instituto Internacional para Cooperação Intelectual, instruído pelo Comitê Permanente para Literatura e as Artes da Liga das Nações, promove trocas de correspondência entre intelectuais de renome a respeito de assuntos destinados a servir aos interesses comuns à Liga das Nações e à vida intelectual e passa a publicar essas cartas periodicamente.

Convidado por Einstein para participar, Freud escreve “Por que a guerra?”, em 1931. Belíssima carta em que se pergunta se teríamos como evitar a ameaça de guerra, pois todas as tentativas falharam. O instinto agressivo opera de diversas formas, pela violência, apesar da lei, dos pactos. E a aceitação da perda de liberdade parcial pelo outro, pela paz, parece mostrar-se igualmente insuficiente para garantir a paz e só é concebível teoricamente.

A tendência do retorno à horda primitiva quando a corda se estica é fato. A justiça é um conceito ideal. Na prática, o dominante se recusa a admitir mudanças, ou modificar a lei de modo que o desfavoreça.

A história da humanidade mostra uma série de conflitos e guerras e o conflito atual entre Israel e Hamas corrobora essas afirmações. Entre as pulsões de vida e de morte, entre amor e ódio, inerentes ao humano, de nada adianta tentar eliminar as inclinações agressivas dos homens. Talvez nos aniquilemos completamente, porém, conclui Freud: tudo que estimula o crescimento da civilização e o fortalecimento da vida trabalha simultaneamente contra a guerra.