Em Belém, COP 30 pôs a Amazônia no epicentro da geopolítica climática
Ao transformar a Amazônia em tema central da COP30, o Brasil assume o papel de guardião de um bem comum global
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A ausência dos presidentes Donald Trump e Xi Jinping na COP30, em Belém, acabou por destacar ainda mais o protagonismo do Brasil e da Amazônia no debate climático global. A conferência reposiciona a floresta não apenas como patrimônio natural, mas como ativo estratégico, essencial para a estabilidade climática e a sobrevivência dos ecossistemas do planeta. Pela primeira vez, a Amazônia ocupa o centro político de uma cúpula mundial, não como símbolo de vulnerabilidade, mas como valor ambiental e civilizatório.
A floresta amazônica concentra cerca de 20% da água doce superficial do planeta, é responsável por grande parte da reciclagem de chuvas na América do Sul e abriga uma das maiores reservas de biodiversidade da Terra. Ao transformar a Amazônia em tema central da COP30, o Brasil assume o papel de guardião de um bem comum global, redefinindo o equilíbrio entre soberania nacional e responsabilidade planetária.
Não haveria melhor forma de uma inevitável internacionalização da nossa “Hileia”, para usar a expressão do alemão Alexander von Humboldt, ao descrever a nossa imensa floresta equatorial. Em fevereiro de 1800, ao explorar o curso do rio Orinoco, em viagem que durou quatro meses e cobriu mais de 2.750km de uma terra selvagem e inóspita, o geógrafo, polímata, naturalista, explorador e filósofo romântico prussiano, partindo da Venezuela, descobriu a existência de uma comunicação entre os sistemas hidrográficos do Orinoco e do rio Amazonas, o canal Casiquiare.
A COP30 é estratégica para a integração dos países da Bacia Amazônica: Brasil, Colômbia, Peru, Bolívia, Equador, Venezuela, Guiana e Suriname. Esses países abrigam 60% das florestas tropicais do planeta. A proposta brasileira de tratar a Amazônia como um bioma continental e um sistema econômico integrado, com base em ciência, inovação e cooperação transfronteiriça, representa uma nova agenda para o desenvolvimento sustentável da região.
O Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), lançado oficialmente durante a cúpula, simboliza essa virada. Com aportes iniciais de Noruega (US$ 3 bilhões), Indonésia (US$ 1 bilhão), Brasil (US$ 1 bilhão) e adesões anunciadas de Alemanha, Portugal e Holanda, o fundo propõe um novo paradigma: pagar pela floresta em pé, tratando a preservação como valor econômico, e não custo. Essa é a base de uma “renda florestal global”, que reconhece o papel dos países tropicais na regulação do clima e na absorção de carbono.
O discurso do presidente Lula, ao citar o mito ianomâmi de “sustentar o céu”, deu o tom simbólico e épico à conferência iniciada ontem. A metáfora, inspirada no livro A Queda do Céu de Davi Kopenawa e Bruce Albert, traduz a ideia de que a humanidade só sobreviverá se sustentar o equilíbrio entre civilização e natureza. A referência a povos originários e ribeirinhos recoloca o conhecimento tradicional como parte da solução, e não como resquício do passado.
Sul Global
Para as populações amazônicas e comunidades ribeirinhas, o novo fundo e os compromissos internacionais podem significar remuneração por serviços ambientais, inclusão em cadeias produtivas sustentáveis (açaí, pesca artesanal, biocosméticos, fármacos) e ampliação de políticas públicas voltadas à educação ambiental, saúde e acesso à tecnologia.
O fortalecimento da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), articulado pela diplomacia brasileira, também pode ampliar o combate ao desmatamento, investimentos em bioeconomia e preservação dos povos indígenas. Os países amazônicos querem destacar em bloco o valor ambiental e social de suas florestas junto aos países desenvolvidos.
As críticas de Gabriel Boric e Gustavo Petro à ausência de Trump e ao negacionismo climático dos Estados Unidos destacaram a crise de liderança global. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) adotou um tom mais moderado, mas criticou o que classificou como “forças extremistas” que estariam atuando contra o combate às mudanças climáticas.
Os Estados Unidos são o segundo maior emissor individual de gases do efeito estufa. Apesar disso, Donald Trump anunciou, em janeiro deste ano, que os Estados Unidos deixariam de fazer parte do Acordo de Paris, firmado em 2015 e que é considerado a espinha dorsal do regime de combate às mudanças climáticas em escala global.
A saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris tem sido vista como um elemento que enfraquece a capacidade do planeta de implementar medidas para reduzir as emissões de gases do efeito estufa. Enquanto grandes potências se retraem, países do Sul Global, liderados pelo Brasil, assumem o protagonismo moral da transição ecológica. A ausência de Xi Jinping também reforça a percepção de que as soluções climáticas dependerão menos de acordos formais entre superpotências e mais da ação coordenada entre economias emergentes e sociedades civis ativas.
A escolha de Belém para sediar a COP30 também é um encontro do oficial com o real. Porta de entrada da Amazônia e berço de culturas híbridas, a cidade pode ser o laboratório de um novo modelo de desenvolvimento, onde bioeconomia, saber tradicional e inovação tecnológica se encontram, com ampla participação da comunidade científica local e a cultura milenar dos povos da floresta. No coração das Amazônia, um mundo dividido entre o ceticismo e a urgência climática busca novos consensos.
A floresta amazônica é um eixo civilizatório. O desafio agora é transformar compromissos em ações permanentes, fazendo da Amazônia não apenas o pulmão do mundo, mas também seu cérebro político e moral.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.
