Prédio no Sion, em BH, com lojas no nível térreo, exemplo positivo de fachada ativa -  (crédito: Leon Myssior/Arquivo pessoal)

Prédio no Sion, em BH, com lojas no nível térreo, exemplo positivo de fachada ativa

crédito: Leon Myssior/Arquivo pessoal

As redes sociais são um negócio interessante, onde as convenções sociais normalmente não se aplicam. As regras são outras (eventualmente, a regra é a - quase - ausência de regras).


Numa conversa normal, ou numa troca de correspondências das antigas, a educação e o respeito são a tábula rasa; as redes sociais, por outro lado, como bem disse Umberto Eco, "deram voz aos imbecis", e não apenas a imbecis enquanto tolos, mas sobretudo aos mais agressivos, mal-educados e gente à toa (ou que trapaceia durante o expediente e passa o dia nas redes espalhando fel).


Não é como eu faria, mas se a alternativa é qualquer tipo de censura ou limitação, prefiro a - quase - ausência de regras. Sempre.

 


E foi num "fio" do Instagram que tratava dos problemas causados pela obrigatoriedade de afastamentos frontal e laterais que pude confirmar com precisão a afirmação de Umberto Eco. Pior, vindo de Arquitetos formados (formados no sentido de obtenção do diploma, porque, pelos comentários, sem qualquer formação, além de mal-informados).


Era um vídeo num perfil de urbanismo do Instagram, por um profissional de altíssimo gabarito, e versava sobre os benefícios da densidade e de cidades compactas, em oposição ao "formato" atual de nossas cidades - que, por causa da obrigatoriedade dos afastamentos frontal e laterais, geram cidades sem densidade, espalhadas, inseguras e que empurram os menos favorecidos para suas franjas, ou para outros municípios.


Normalmente publico, mas não interajo, nem comento. Mas, neste caso, a fala era tão boa e os argumentos tão bem elencados, tão bem fundamentados, que não resisti e comentei, declarando que "apoio que os afastamentos frontal e laterais não sejam obrigatórios; quem quer usa, quem não quer, não usa".

 


Logo, logo somos eu, o Instagram e o resto do planeta eloquentemente brindados com o registro de meu desprezo pela emergência climática e pela drenagem urbana. De apoiador à liberdade de projeto e do Arquiteto, passei a negacionista do clima e apoiador de enchentes por alguém que desconheço.


Pouco depois, para um outro ilustre desconhecido, deixei de ter olhos para a comunidade e para o bem comum, ao advogar pela extinção dos afastamentos e jardins frontais. Até expliquei que, quanto menos se pode usar um terreno, menos densa é a cidade e mais caros os imóveis serão. Automaticamente, como é fácil constatar, os menos afortunados serão empurrados para muito longe.


Mas não adianta, porque o acrônimo que espelha esse sentimento responde por NYMBY, ou "not in my backyard", algo como "eu apoio tudo, desde que seja longe de mim, da minha quadra ou do meu bairro".
Mais do que egoísmo ou elitismo, o fenômeno NYMBY é o espelho de um tipo de fratura social na qual algumas pessoas imaginam que podem morar numa espécie de ilha privada incrustada nos melhores setores das cidades.

 


Não podem, e se prezam caminhabilidade, acesso a serviços, comércio e segurança pública, se prezam vida digna a todos, em qualquer nível de afluência social, precisam tolerar a densidade, a verticalidade e as fachadas ativas.


E, contra qualquer argumento, por qualquer NYMBY, cinco palavras: Paris, Madri, Berlim, Amsterdã e Lisboa. E mais cinco: Barcelona, Budapeste, Milão, Tel Aviv e Istambul.


Quando advogo pela ausência de obrigatoriedade dos afastamentos frontal e laterais, não escondo a minha preferência, para além da liberdade de escolha: cidade, caminhabilidade, densidade e fachada ativa (loja voltadas diretamente para as calçadas) não combinam com afastamento frontal. Mais, afirmo que as áreas de drenagem em forma de jardins frontais são totalmente dispensáveis.


Sim, totalmente dispensáveis, tanto pelo fator eficiência (a terra molhada dos jardins satura em poucos minutos e já não drena nada), quanto pela representatividade (nem que todos os terrenos de uma cidade tivessem jardins frontais, o volume de água pluvial que vai para a rede, e a sua velocidade, seriam alterados).

 


O problema da drenagem e das enchentes é meramente físico, e de fácil compreensão: com o passar dos anos e das décadas, a área de contribuição aumentou (mais ruas, mais prédios), mas a capacidade de vazão não.


Em Belo Horizonte, a água que não é absorvida por uma grande (eu disse grande) área verde ou uma bacia de drenagem terá como destino, sempre, o Rio das Velhas. Não importa a distância, as voltas ou piruetas: cada gota chegará ao Ribeirão Arrudas ou ao Onça, e seguirá para o Rio das Velhas.


Mas é - muito - mais fácil empurrar uma pseudo responsabilidade pelas enchentes para os proprietários dos lotes, obrigando-os a manter áreas verdes e a construir caixas de retenção, quando a solução passa, inexoravelmente, pelo aumento da capacidade dos grandes ramais que vão desaguar no Onça e no Arrudas. Física pura.


Belo Horizonte atingiu um grau tal de estagnação em desenvolvimento urbano e infraestrutura que nenhum tipo de intervenção cosmética ou de pequeno porte consegue gerar benefício, mas apenas cortinas de fumaça.


Redes de drenagem insuficientes nos trechos mais demandados, redes de abastecimento obsoletas com desperdício de quase 40% da água tratada, redes de energia sensíveis em excesso e insuficientes, asfalto demais e metrô de menos, legislação urbana contrária ao adensamento, contrária à cidade compacta, e que encarece a moradia.


A encruzilhada de Belo Horizonte é a mesma das redes sociais: sobram regras e vontade de regular, mas falta debate sério e objetividade; sobra ruído, mas falta inteligência e educação.