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Por Alexia Diniz
Você se lembra da sensação de receber o primeiro salário? Aquela alegria inocente misturada com o poder ilusório de quem acha que vai resolver a vida com R$1.200 no bolso.
Foi num piscar de olhos: um fone novo, aquele rolê caro "só pra comemorar", um parcelamento aqui, outro ali... e pronto. O nome no Serasa chegou antes do diploma da faculdade.
Inadimplência: um nome bonito para um problema feio
Ser jovem no Brasil é quase um esporte radical. Você tenta se equilibrar entre o desemprego, o aluguel de um cômodo com vista para a parede do vizinho e o cafezinho a R$8. E agora, como se fosse pouco, tem mais um obstáculo na pista: a inadimplência.
Segundo o Mapa da Inadimplência da Serasa, a galera entre 18 e 25 anos está cada vez mais atolada em dívidas. Os boletos não param de chegar e não, ignorar não faz eles sumirem.
A pergunta que não quer calar: como é que a juventude já está com o nome sujo se nem teve tempo de sujar a roupa do estágio?
O que é inadimplência?
A inadimplência acontece quando você deixa de pagar uma dívida no prazo combinado. Pode ser o cartão de crédito, o empréstimo do banco, a conta de luz ou até aquele boleto da compra por impulso na Black Friday.
No papel, é isso. Na vida real, a inadimplência significa dor de cabeça, nome sujo, juros altos e, muitas vezes, a sensação de fracasso.
Por que os jovens estão ficando inadimplentes?
1. Falta de educação financeira
Simples e trágico. Mais de 47% dos jovens da Geração Z não controlam suas finanças, segundo a CNDL e o SPC Brasil. Eles não aprendem na escola, não escutam em casa e são bombardeados por um monte de influenciadores que falam mais de "viver do tigrinho" do que de orçamento.
2. Influência digital e consumo por status
A Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) mostrou que conteúdos sobre apostas e "vida de luxo" engajam mais que investimentos. É o TikTok moldando o bolso. O problema é que, quando a grana acaba, não tem efeito bonito de transição que resolva.
3. Crédito fácil demais
Cartões de crédito, limites pré-aprovados, crediário sem entrada… O sistema financeiro adora um jovem com crédito liberado e pouca noção de risco.
Qual é o perfil dos jovens inadimplentes?
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Idade: entre 18 e 29 anos. Essa faixa concentra o maior número de CPFs negativados dos jovens que acabam de entrar no mercado de trabalho.
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Tipo de dívida: concentradas em cartões de crédito (com “cartões estourados”). É mais fácil ver essa geração pagando o mínimo da fatura, do que com um fundo de investimento na carteira.
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Valor médio do débito: geralmente inferior a R$?1.000, mas vai acumulando, e isso vira uma bola de neve.
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Localização: grande parte nos centros urbanos, onde o custo de vida é alto, as fintechs estão por todos os cantos e o consumo é incentivado pela pressão social.
Ou seja: essa geração entra no mundo adulto não com um pé certo, mas com o crédito liberado, e acaba batendo na porta da Serasa.
Por que os jovens estão se endividando tanto?
A inadimplência entre os jovens não vem do nada. É fruto de um cenário onde o consumo é incentivado, o crédito é liberado com facilidade e a educação financeira... essa ficou para recuperação final.
Veja os principais ingredientes dessa bomba-relógio:
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Impulsividade nas compras: a tentação está por todo lado: desconto exclusivo no app, frete grátis até meia-noite, cupom de 10% que vence em 30 segundos. Comprar virou passatempo.
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Falta de planejamento: fazer conta antes de comprar? Poupar antes de parcelar? Isso ainda é uma lenda urbana pra muita gente. O que não cabe no orçamento, cabe em 12 vezes.
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Renda instável (ou nenhuma): o bico de hoje não garante o boleto de amanhã. Jovens com empregos temporários ou na informalidade vivem em um eterno “depois eu vejo”. E acredite, a geração Z acha que ser CLT é sinônimo de fracasso, mas chega no final do ano se arrepende por não receber seu décimo terceiro.
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Desemprego: se conseguir o primeiro emprego já é difícil, imagina segurar as contas quando ele some. A grana some, mas a fatura chega no mesmo dia.
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Influência das redes sociais: a vida dos outros parece um eterno “close certo”: viagem, iPhone novo, roupa de marca. E pra tentar acompanhar, muita gente entra em dívida, só pra parecer que tá “vivendo bem”.
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Limites de crédito altos (e irresponsáveis): os bancos e fintechs liberam 2 mil, 5 mil ou até mais pra quem mal tem histórico de renda. É o famoso “toma aqui seu CPF negativado futuro”. Porque crédito fácil sem educação financeira é igual fritura em excesso: parece bom no início, mas cobra caro depois.
Quais bancos dão limite alto para jovens?
Mas vamos falar sério, o problema não é só o comportamento dos jovens. É também a irresponsabilidade de quem estende o tapete vermelho do crédito fácil, sem fazer nem uma checagem básica.
Bancos digitais e fintechs estão distribuindo limite como se fosse bombom na porta da escola. O marketing é jovem, o app é bonitinho e a liberação de crédito? Automática. Veja alguns exemplos:
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C6 Bank, Inter, Digio, Trigg: são os queridinhos da geração Z, justamente por darem limites altos mesmo para quem não tem histórico de crédito.
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Cartões com limite inicial de até R$5 mil: o C6 Carbon, Nubank, Itaú Click Platinum, Inter Gold e Digio liberam entre R$1.000 e R$5.000 logo de cara. Pra quem nunca viu esse valor na conta, parece um prêmio. Mas vem com juros embutidos, claro.
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Cartões para menores de idade: bancos como Santander, C6 Bank e Itaú permitem cartões adicionais para menores de 18 anos, com limites altos, desde que um responsável assuma o risco. Mas será que estão ensinando junto a usar com responsabilidade?
Como mudar esse cenário?
Resolver o problema da inadimplência entre os jovens não é só tarefa do indivíduo. É questão de política pública, responsabilidade do sistema financeiro e, claro, educação. Mas não aquela palestra chata sobre “guardar dinheiro”, e sim uma mudança real na forma como falamos de grana, consumo e escolhas.
Educação financeira desde cedo (e de verdade)
Não dá mais pra esperar que o jovem aprenda sobre orçamento quando já está endividado. Educação financeira tem que começar lá atrás, na escola, em casa, nos conteúdos que ele consome. E não é só saber o que é “guardar dinheiro”. É entender juros, armadilhas de parcelamento, golpes, crédito fácil e o verdadeiro custo de viver no limite.
Enquanto isso não acontece, o jovem vai aprendendo finanças no feed do TikTok, e aí você já sabe no que dá: “dicas” de como fazer dinheiro fácil em 5 cliques e zero noção de consequência.
Controle emocional e consumo consciente
Sim, o mundo está tentando te convencer a comprar o tempo todo. Mas parte da solução está em saber dizer “não” pra agora, pra poder dizer “sim” no futuro. Parece papo de coach? Talvez. Mas viver devendo, cheio de ansiedade, com nome sujo e sem grana até pro lanche, é bem mais difícil.
É preciso ensinar que não existe vida perfeita no Instagram e que consumir menos não é fracasso, é liberdade.
Políticas públicas para evitar inadimplência
A gente precisa de muito mais do que um “feirão de renegociação”. É preciso investir em campanhas públicas, que mostram os riscos do crédito fácil, orientem sobre como lidar com dívidas e ensinam a diferenciar golpe de oportunidade. Iniciativas como o Desenrola Brasil são um começo, mas ainda muito tímido diante do tamanho do problema.
Cuidado com jogos e apostas
E vamos falar de uma bomba que está explodindo: as apostas online e os jogos tipo “tigrinho”.
Tem jovem de 16 anos, às vezes até menos, perdendo o que não tem em roletas digitais disfarçadas de diversão. As apostas esportivas estão por toda parte, patrocinando desde times,até influenciadores, ninguém avisa que isso vicia, afunda o emocional e detona a saúde financeira de quem mal sabe o que é uma fatura de cartão.
É preciso regulação, sim. Fiscalização, sim. Mas, acima de tudo, conscientização urgente, porque o estrago emocional e financeiro dessas “brincadeiras” pode ser irreversível.
Conclusão: ser jovem não deveria ser sinônimo de estar endividado
A inadimplência entre os jovens não é um desvio individual, é o retrato de um sistema que empurra o consumo, libera crédito como brinde de inauguração e se esquece de ensinar o básico sobre dinheiro.
Estamos falando de um problema social, econômico e educacional. Um problema que começa cedo, mas pode cobrar juros pelo resto da vida. Se continuarmos tratando dívidas como “falta de responsabilidade pessoal”, vamos seguir vendo mais CPFs sujos do que carteiras assinadas.
O jovem não precisa de mais crédito. Ele precisa de ferramentas, limites e informação verdadeira. O que está em jogo é muito mais do que limpar o nome, é a chance de começar a vida financeira sem já carregar o peso de escolhas que ninguém ensinou a evitar.
Enquanto isso não muda, a juventude brasileira segue aprendendo economia na marra, e pagando caro por isso.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.