A política como ela é
Aparentemente, nossas autoridades trocaram os alicerces do Estado Democrático de Direito, e o que restou de nossa democracia, por acertos ainda mal explicados
Mais lidas
compartilhe
SIGA NO
O acordão que reuniu as elites políticas e só deixou o povo de fora, selado no Senado, vinha sendo preparado a várias mãos faz algum tempo. Dizem que passou pelo olhar até de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Fato é que o projeto de lei da dosimetria é uma forma envergonhada de anistiar condenados na trama golpista. Pela veloz adesão dos deputados e senadores e a rapidez como foi aprovada em ambas as Casas, algo de errado há.
Aparentemente, nossas autoridades trocaram os alicerces do Estado Democrático de Direito, e o que restou de nossa democracia, por acertos ainda mal explicados. Uma parte do acordo ficou visível. Apesar dos conflitos dos últimos dias entre Judiciário, Executivo e Legislativo, a dosimetria foi paga com a taxação das bets, fintechs e Juros de Capital Próprio (JCP), evitando cortes no Orçamento de 2026 e ressuscitando, em ano eleitoral, o pagamento de emendas parlamentares de 2023, que já estavam canceladas, num valor estimado de R$ 3 bilhões.
Sob a perspectiva do governo, o papel de vilão confesso já tem dono. O senador Jacques Wagner (PT-BA) assumiu a culpa por não ter empurrado a votação para fevereiro de 2026, como poderia e queriam alguns na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Como a tributação sobre as bets vai render R$ 20 bilhões aos cofres, é pouco provável que tenha manobrado sem aval do seu presidente e de seus ministros da área de finanças.
Leia Mais
Aqueles que se mobilizaram nas ruas, em todo o Brasil, contra a anistia para os golpistas e contra o projeto da dosimetria, ficaram com um gosto amargo na boca. A ministra Gleisi Hoffmann e o próprio presidente Lula negaram. Ao patíbulo vai o pescoço de Jacques Wagner, que aliás já estava a prêmio.
Quaisquer que tenham sido os papéis dos envolvidos nesse acordo, a maior responsabilidade pela fragilização da democracia brasileira sempre será daqueles que tentaram a ruptura institucional e, agora, posam de vítimas. Mas também deixam as digitais as lideranças políticas que pregam A e fazem B, sempre ao sabor da ocasião. A democracia brasileira desceu mais um degrau, entre muitos que vem baixando, desde que a tecnopolítica tomou conta da cena e ajudou a destronar aquilo que se chamava de presidencialismo de coalizão.
O país hoje vive um caos institucional que se expressa naquilo que Hobbes chamou da “guerra de todos contra todos”. E não é ocasional. É fabricado e incentivado por forças externas que monitoram algumas lideranças para promover a desordem e inviabilizar a ordem democrática. Certo Consenso de Washington, que buscava a estabilidade na “ordem” política, foi substituído no mundo pelo Consenso (ou será melhor disenso?) do Silicon Valley, onde a tônica é a disrupção.
Não faz tanto tempo assim que o presidente Donald Trump, que hoje ameaça a Venezuela, estava justo a nos ameaçar. Hoje, Lula posa de seu mais novo amigo e, por isso, as barreiras alfandegárias prometidas caíram como num passe de mágica, assim como as sanções impostas pela tal Lei Magnitsky. A extrema direita pagou caro politicamente por tais estripulias. O acordão de ontem no Senado parece ter sido a contraparte brasileira, nessa nova modalidade de acordo internacional. Os próximos capítulos da novela são óbvios. Lula vai vetar e o Congresso vai derrubar o veto.
Alguém vai judicializar. E o Supremo... Para não quebrar o suspense, melhor não antecipar. Nelson Rodrigues, escritor brasileiro que se dizia conservador, quando nessa banda da sociedade ainda existia vida inteligente, descrevia nos seus contos “a vida como ela” de fato é. Sem as luzes da ribalta que a transformam em glamour. Vista dos bastidores, a política é igual. Nem sempre é colorida, muito antes pelo contrário.
Foi na fonte
O deputado federal Cabo Junio Amaral mandou mensagem ao senador Cleitinho: “Estou sendo procurado por policiais que querem saber se o senador Flávio Bolsonaro (PL) lhe procurou para dizer que você deve desistir da candidatura. É verdade?” Cleitinho devolveu o áudio: “Isso é mentira. Flávio não me procurou para isso não. Nós nunca conversamos sobre isso. Pelo contrário, ele me procurou deve ter uns 10 dias, falando que queria conversar com a gente, com Bruno (Engler), com Nikolas (Ferreira), com você, que queria me apoiar. Ele quer apoiar quem tem voto, falou desse jeito (...) Nunca houve uma conversa dessa não, Junio”.
Spread the word
Ao encaminhar o áudio para Junio Amaral, Cleitinho avisou: “Quem lhe procurar, pode repassar o áudio”.
Vídeo
O vice-governador Mateus Simões (PSD) esteve no gabinete de Cleitinho, em Brasília, onde gravou um vídeo, ao lado do senador, sobre as medidas administrativas para colocar em prática a emenda constitucional aprovada que isenta de IPVA carros com mais de 20 anos de uso.
Rodoanel
As conversas da Prefeitura de Contagem com o governo de Minas Gerais sobre o traçado do Rodoanel Metropolitano avançaram. A prefeita Marília Campos (PT) se reuniu com representantes do Palácio Tiradentes e a equipe da Secretaria de Estado de Infraestrutura, Mobilidade e Parcerias (Seinfra) nesta quinta-feira. Segundo Marília, houve alterações no traçado do Rodoanel, que trariam menor impacto para o município. Marília pontuou, entretanto, que Contagem continuará lutando para que a nova via não corte a cidade, como previa o projeto original. Pelo momento, as ações impetradas na Justiça sobre o Rodoanel não serão retiradas.
Cofres
A Polícia Federal (PF) pediu autorização ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), para interrogar o ex-presidente Jair Bolsonaro sobre o conteúdo de dois cofres encontrados no Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência. Dois anos e meio depois de Bolsonaro deixar o Palácio do Alvorada, os cofres foram abertos em junho deste ano. Foram encontrados neles “documentos pessoais” do ex-presidente e “outros bens”. A corporação quer ouvi-lo sobre “a propriedade e origem de tais bens”.
Oitiva
A Polícia Federal foi acionada pela Presidência da República para investigar os cofres. A solicitação da PF a Moraes é para que Bolsonaro seja interrogado na Superintendência da PF em Brasília, onde o ex-presidente está cumprindo a pena de 27 anos e três meses de prisão que recebeu do STF por uma tentativa de golpe de Estado.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.
