“A política raramente pune a falta de razão; costuma punir a falta de decisão.” O enunciado poderia abrir um tratado clássico sobre poder, mas descreve com precisão o momento vivido pela esquerda mineira na disputa pelo Senado em 2026. As pesquisas indicam um nome competitivo e os apoios se acumulam no campo progressista, mas a engrenagem partidária segue travada. Nesse hiato entre evidência e escolha, Marília Campos (PT) deixou de ser apenas uma pré-candidata e passou a simbolizar um impasse estratégico.

Pesquisa do instituto Real Time Big Data, divulgada neste mês, coloca a prefeita de Contagem, na Grande BH, na liderança do cenário estimulado para o Senado em Minas Gerais, com 17% das intenções de voto. O ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia) aparece em seguida, com 13%. O senador Carlos Viana (Podemos) e o secretário de Estado de Governo Marcelo Aro (PP) registram 12% cada. O deputado federal Domingos Sávio (PL-MG) tem 7%, e a ex-parlamentar Áurea Carolina (PSOL) 6%. O levantamento ouviu 1,5 mil eleitores e tem margem de erro de três pontos percentuais para mais ou para menos. Outros 33% dos entrevistados se declaram indecisos.

Em uma eleição para duas vagas, o cenário é aberto, mas os números indicam que Marília é hoje o nome mais competitivo do campo progressista. Ainda assim, o Partido dos Trabalhadores evita assumir essa vantagem como estratégia eleitoral.

Marília governa Contagem, terceiro maior colégio eleitoral do estado, com mais de 500 mil eleitores. Foi reeleita prefeita em 2024 com mais de 60% dos votos válidos, um dos desempenhos mais expressivos da esquerda mineira em disputas majoritárias recentes. Mesmo com esse capital político, sua eventual candidatura ao Senado segue sem chancela formal do partido.

No campo progressista, porém, a leitura é mais convergente. Deputadas como Duda Salabert (PDT) e Lohanna França (PV) já manifestaram apoio público à candidatura ou defenderam que a esquerda leve em conta quem aparece melhor nas pesquisas. Fora da estrutura decisória do PT, há hoje um ambiente de consenso em torno do nome da prefeita como opção viável e competitiva.

A resistência está concentrada na direção partidária. Nos bastidores, dirigentes do PT afirmam que a definição sobre o Senado em Minas está subordinada à estratégia nacional para 2026, com foco na reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e na preservação de alianças amplas. Nesse desenho, a vaga ao Senado é tratada como ativo de negociação política. Além disso, foi dito à coluna que a candidatura só avançará se houver sinalização explícita de lealdade tanto ao PT quanto ao presidente.

A relação de Marília com o diretório estadual carrega ruídos anteriores. No ano passado, a prefeita criticou publicamente o que chamou de afastamento do PT dos movimentos sociais e das prefeituras, afirmando que o partido teria se distanciado de suas origens. É nesse ponto que pesa a relação de Lula com Alexandre Silveira. Aliado próximo do presidente, o ministro tem reiterado sua disposição de se submeter integralmente à estratégia nacional.

Em entrevista recente, afirmou que “vai ser o que Lula quiser, sem impor condições”. A declaração foi lida como sinal de alinhamento absoluto e ajuda a explicar por que seu nome segue considerado, mesmo aparecendo atrás de Marília nas pesquisas.

No fim, a indefinição revela um PT mais preocupado em administrar seus próprios equilíbrios do que em responder ao cenário real da disputa. Ao tratar o Senado como peça de negociação e adiar escolhas evidentes, a legenda assume o risco de chegar a 2026 sem narrativa clara, sem direção e com menos margem para corrigir o rumo quando o calendário eleitoral deixar de ser abstrato e passar a cobrar decisões concretas.

Mesmo filme

O roteiro não é inédito. Em 2022, algo semelhante ocorreu quando a candidatura ao Senado do deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG) era tratada como praticamente certa dentro do PT mineiro, mas acabou sendo preterida após Lula optar por apoiar Alexandre Silveira como parte da costura com o PSD, em uma decisão orientada por alianças nacionais. O precedente reforça a leitura de que, em Minas, a definição sobre o Senado costuma responder menos à correlação interna de forças e mais às necessidades do projeto presidencial.

Resposta clara

A condução do processo com Marília gerou reação pública. A coluna conversou com membros do PT, que chamam a articulação de “desrespeitosa”. Em carta divulgada e repercutida pelo Estado de Minas, o economista José Prata, marido da prefeita, criticou a decisão do PT de adiar a homologação da candidatura. O texto aponta que a indefinição cria um vácuo político, dificulta o planejamento eleitoral e ignora tanto o desempenho nas pesquisas quanto a aprovação da prefeita em Contagem. A manifestação trouxe à luz uma tensão que até então permanecia restrita aos bastidores.

Indecisão

Caso seja confirmada como candidata ao Senado, Marília Campos ainda não tem acordo fechado com o vice-prefeito Ricardo Faria (PSD) sobre o futuro do comando da Prefeitura de Contagem. O tema tem mobilizado o alto escalão do governo municipal, que se preocupa com uma possível “dança das cadeiras”.

Siga nosso canal no WhatsApp e receba notícias relevantes para o seu dia

Malas prontas

O governo Zema já começa a se mover no ritmo de 2026. Nos bastidores, duas saídas são tratadas como praticamente certas. Marcelo Aro (PP) deve deixar a Secretaria de Governo para disputar o Senado na chapa liderada pelo vice-governador Mateus Simões (PSD). Alê Portela (PL), por sua vez, tende a deixar o Desenvolvimento Social para voltar ao jogo eleitoral e buscar a reeleição na Assembleia.

compartilhe