
A maior jogada de Nikolas Ferreira
A estratégia do parlamentar mineiro vai além de críticas superficiais: trata-se de um discurso construído com meias verdades e omissões calculada
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Desde tempos imemoriais, a literatura nos alerta sobre o poder das narrativas: histórias bem-contadas moldam percepções, reescrevem realidades e, muitas vezes, influenciam o curso da história. Nikolas Ferreira (PL-MG), deputado federal, parece ter assimilado essa lição com precisão. Mais do que discursar, ele domina a arte de fabricar e controlar narrativas.
Nos últimos dois dias, um vídeo protagonizado pelo mineiro viralizou nas redes sociais, apresentando uma distopia: um governo Lula (PT), que no futuro, poderia taxar o Pix.
A crítica não foi fortuita, mas parte de uma estratégia para reforçar a imagem de um governo inimigo dos mais pobres – a mesma classe que, historicamente, mais se beneficiou das políticas petistas e que foi decisiva para a volta da esquerda ao poder, encerrando os quatro anos da extrema direita no Planalto.
Enquanto Nikolas Ferreira se afirma como o herdeiro da narrativa bolsonarista, manipulando a opinião pública com a destreza de um maestro regendo uma orquestra em chamas, o governo Lula tenta conter as labaredas de um incêndio que já se alastra.
A comunicação fragilizada, em meio a reformulações anunciadas desde a última terça-feira (14/1), revela um Planalto vulnerável diante de um adversário incansável. Nesta quarta-feira (15/1), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou que o ato normativo da Receita sobre o monitoramento das movimentações por Pix será revogado.
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Nos bastidores, auxiliares do presidente Lula demonstram crescente incômodo. O vídeo do deputado mineiro viralizou antes que o governo conseguisse lançar sua campanha desmentindo qualquer intenção de taxar o Pix. Do lado bolsonarista, o lançamento da peça foi uma estratégia meticulosamente orquestrada para concluir um ataque coordenado ao presidente.
Nas últimas semanas, deputados de diversas regiões do país já vinham insinuando a possibilidade de taxação, preparando o terreno para o golpe narrativo. O governo, percebendo o avanço dessa versão, precisou reorganizar sua comunicação. Foi nesse vácuo que Nikolas Ferreira se antecipou. O deputado negou a taxação, mas ao mesmo tempo lançou novas ideias no ar, ampliando o desgaste.
Enquanto a peça bolsonarista ganha força nas redes sociais, a equipe do novo ministro da Secretaria de Comunicação (Secom), Sidônio Palmeira, corre contra o tempo para reagir e tentar reverter os danos. Nikolas, inclusive, desafiou o novo secretário sobre o número de alcance nas redes. Até o fim da tarde de ontem, o vídeo do deputado mineiro tinha atingido 200 milhões de visualizações. A coluna procurou integrantes da “nova Secom” para entender as estratégias contra o discurso de Nikolas.
Fato é que, o vídeo tornou-se um manifesto digital, amplificado por deputados como Carlos Jordy (PL-RJ) e Júlia Zanatta (PL-SC), além de influenciadores como Rafael Gloves e Renata Barreto — todos sob o radar do governo federal. Em resposta à crise, a assessoria do presidente elaborou uma exposição detalhada para monitorar o bolsonarismo e suas narrativas, à qual a coluna teve acesso.
O texto aponta que a estratégia de Nikolas Ferreira vai além de críticas superficiais: trata-se de um discurso construído com meias verdades e omissões calculadas. O deputado sabe onde pressionar, quais medos despertar e como transformar palavras em armas políticas.
A posse de Donald Trump nos Estados Unidos, prevista para a próxima segunda-feira (20/1), é o próximo cenário de atenção. O governo teme que a extrema direita use o evento para reforçar narrativas contrárias à posição de Lula, com figuras como a do mineiro amplificando o desgaste político.
A cautela com a pauta é evidente. Se o campo bolsonarista continuar vencendo na comunicação, o governo pode enfrentar novamente grandes dificuldades para controlar o fluxo de informações. Afinal, a forma como o receptor interpreta os fatos tem o poder de moldar sua percepção e seu pensamento.
No entanto, o mais alarmante é o terreno no qual tudo isso se desenrola: um palco em que a manipulação é a norma e a verdade se torna apenas mais um instrumento de jogo. Nikolas Ferreira, com seu carisma inegável, se firma como um ícone da resistência bolsonarista, alimentando o poder das narrativas em um mundo digitalizado. Inclusive, comemorou: “Grande dia”. No jogo de sombras e luzes da política, o reflexo no espelho – distorcido e estratégico – é tudo o que sobra. E, talvez, seja justamente esse reflexo que molda os próximos passos dessa disputa.
Big Techs
Em conversa com a coluna, uma deputada federal, conhecida por alguns embates com Nikolas Ferreira, trouxe à tona um ponto muitas vezes negligenciado: o papel das big techs. Para ela, as redes sociais não apenas amplificam discursos, mas são essenciais para a propagação de narrativas. “Nikolas pode até ser habilidoso em criar e espalhar mentiras, mas ele tem a seu favor a força dos algoritmos dessas plataformas. Eles sabem exatamente qual conteúdo deve ser entregue a mais ou menos pessoas. Isso transforma a manipulação em algo ainda mais eficiente, com um alcance praticamente imbatível, alimentando um ciclo de desinformação que favorece discursos como o dele."
Lado bolsonarista
A coluna também buscou a opinião de bolsonaristas mineiros para entender a repercussão do vídeo entre a extrema direita. Um dos deputados fez questão de lembrar que essa estratégia já havia sido bem-sucedida durante a campanha eleitoral. Nos mesmos moldes, Nikolas Ferreira gravou um vídeo sobre o livro “Cobiça”, do prefeito de Belo Horionte, Fuad Noman (PSD). As imagens rapidamente se espalharam pelas redes sociais, mas não foram suficientes para barrar sua reeleição. Para o parlamentar, Nikolas é a “voz” que permanece firme na oposição ao governo Lula.
Na Câmara
O vereador Sargento Jalyson será o novo líder do PL na Câmara Municipal de Belo Horizonte. O partido conta com os vereadores Pablo Almeida, secretário-geral da Mesa Diretora, Vile, Marilda Portela, Cláudio do Mundo Novo e Uner Augusto, que é cotado para presidir a Comissão de Legislação e Justiça (CLJ).
Moradia
Álvaro Damião (União Brasil), prefeito interino de Belo Horizonte, assinou um contrato com a Caixa para a construção de 188 unidades habitacionais no Bairro Dom Silvério, em mais um passo, segundo ele, para “reduzir o déficit habitacional”. Até agora, 12 contratos foram firmados, totalizando mais de 2.000 apartamentos, sendo 11 deles durante a gestão de Fuad Noman (PSD).