O entomologista Luciano Moreira foi eleito uma das dez pessoas que moldaram a ciência em 2025 pela revista Nature. Desde a década de 1990, ele pesquisa métodos alternativos de combate a doenças transmitidas por mosquitos e, junto com sua equipe, produziu mosquitos Aedes aegypti infectados pela bactéria Wolbachia e capazes de reduzir a transmissão de dengue, zika e chikungunya. O reconhecimento coloca o brasileiro ao lado de protagonistas de alguns dos maiores avanços científicos do ano, que engloba desde a reescrita genética que curou um bebê com doença rara às maiores câmeras astronômicas já construídas.

A lista Nature’s 10 é publicada anualmente pela revista e destaca indivíduos cujos trabalhos tiveram impacto global. Moreira é Engenheiro Agrônomo pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), com mestrado em Fitotecnia com ênfase em Controle Biológico de Insetos pela UFV e doutorado em Genética e Melhoramento de Plantas pela UFV e Centre of Plant Breeding and Reproduction Research, na Holanda. 

Além disso, fez pós-doutorado, na Case Western Reserve University, na área de mosquitos e malária. Desde 2002, é pesquisador em Saúde Pública do Instituto René Rachou/ FIOCRUZ, em Belo Horizonte. Ele atua na área de Biologia Molecular de mosquitos transmissores de arboviroses, estudando as interações entre patógeno/ hospedeiro invertebrado. 

Moreira lidera, no Brasil, uma das iniciativas mais ambiciosas já implementadas contra dengue, zika e chikungunya. Em julho, ele inaugurou em Curitiba (PR) a maior fábrica de mosquitos do mundo.,“Milhões de mosquitos Aedes aegypti estão se reproduzindo em uma sala com temperatura controlada, repleta de gaiolas de tela. A cada semana, a instalação produz mais de 80 milhões de ovos de mosquito”, destaca a Nature. 

Esses insetos — apelidados de wolbitos — carregam a bactéria Wolbachia, inofensiva ao ser humano, mas poderosa o suficiente para impedir que os vírus da dengue, zika e chikungunya se multipliquem dentro do mosquito. Com isso, os animais continuam vivendo normalmente, mas se tornam incapazes de transmitir doenças.

A tecnologia foi reconhecida pelo Ministério da Saúde como política pública nacional e já está presente em 16 cidades brasileiras. Em algumas delas, estudos mostraram redução de até 89% nos casos de dengue.

Como funciona?

O método infecta os mosquitos Aedes aegypti com a bactéria Wolbachia ainda no estágio de ovo. A bactéria passa a viver nas células do inseto e impede que os vírus se repliquem. Além disso, as fêmeas que foram infectadas transmitem a bactéria aos filhos, perpetuando o efeito sem necessidade de solturas contínuas.

Já os machos infectados cruzando com fêmeas selvagens geram ovos inviáveis, reduzindo a população local. A soltura dos mosquitos já apresentou resultados positivos para a redução das arboviroses.  Em Niterói, cidade pioneira, a queda da dengue foi de 89%, segundo dados citados pela Nature.

Da pesquisa artesanal ao reconhecimento mundial

A trajetória de Moreira até esse ponto começou nos anos 1990, em pesquisas sobre engenharia genética de mosquitos para combater a malária. Depois, na Austrália, ele integrou o grupo de Scott O’Neill, responsável pelos primeiros Aedes aegypti infectados com Wolbachia.

Ao retornar ao Brasil, liderou pela Fiocruz os testes nacionais. No início, lembra, tudo era improvisado. “Os mosquitos foram produzidos inicialmente de forma artesanal, em uma pequena sala aquecida, usando pipetas e processos manuais”, lembrou o pesquisador à revista. 

Convencer autoridades sanitárias a liberar milhões de mosquitos também foi um desafio. Uma delas, em Niterói, chegou a dizer que o projeto nunca funcionaria. Mas os resultados mudaram a percepção, ampliaram o apoio e permitiram a construção da fábrica em Curitiba, hoje administrada pela empresa Wolbito do Brasil, da qual Moreira é CEO.

A meta é produzir 5 bilhões de mosquitos por ano, expandindo a proteção a cidades de todo o país.

Para a Nature, o impacto do brasileiro vai além do laboratório. Ele conseguiu articular política, ciência e estrutura industrial para transformar uma descoberta acadêmica em política pública. “Ele não só conseguiu realizar o trabalho acadêmico… como também convenceu os tomadores de decisão política a implementar a tecnologia. Essa é uma habilidade que nem todos os cientistas possuem”, destacou uma das maiores publicações científicas do mundo. 

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Hoje, a equipe do projeto reúne 75 profissionais, além de parcerias com Fiocruz, IBMP, UFMG, universidades internacionais e o World Mosquito Program. Há ainda um estudo clínico randomizado em andamento em Belo Horizonte, considerado o padrão-ouro em epidemiologia e financiado pelo NIH (Estados Unidos).

Veja a lista completa:

  • Luciano Moreira (Brasil) – Combate às arboviroses:

Entomologista que lidera a produção de mosquitos com Wolbachia, capazes de reduzir drasticamente a transmissão de dengue, zika e chikungunya. Transformou um experimento acadêmico em política pública nacional.

  • Mengran Du (China) – Exploração das profundezas do oceano:

Geocientista que liderou uma expedição com submersível a 9.000 metros, revelando um ecossistema marinho nunca antes documentado.

  • Yifat Merbl (Israel) – Sistema imunológico e proteínas

Descobriu uma nova função dos proteassomas, mostrando que essas estruturas podem produzir peptídeos antimicrobianos essenciais para defesa do organismo.

  • Sarah Tabrizi (Reino Unido) – Neurologia e doenças raras

Desenvolveu terapia capaz de retardar a progressão da doença de Huntington, um distúrbio genético fatal sem cura.

  • KJ Muldoon (Estados Unidos) – Primeiro caso de cura por edição genética

Menino de 2 anos cuja terapia experimental reescreveu partes de seu DNA, tratando uma doença ultrarrara e marcando um avanço histórico na medicina.

  • Liang Wenfeng (China) – Inteligência artificial

Criador do DeepSeek, um modelo de linguagem poderoso desenvolvido com poucos recursos e lançado de forma aberta, acelerando a democratização da IA.

  •  Achal Agrawal (Índia) – Integridade científica

Investigou fraudes e problemas estruturais na pesquisa indiana, levando a mudanças profundas na política nacional de avaliação das universidades.

  • Precious Matsoso (África do Sul) – Cooperação internacional em saúde

Negociou o primeiro tratado mundial de preparação para pandemias, fortalecendo a resposta global a futuras crises sanitárias.

  • Susan Monarez (Estados Unidos) – Defesa da ciência no serviço público

Servidora pública que resistiu a pressões políticas no governo Trump, recusando implementar medidas sem respaldo científico e se tornando símbolo de integridade institucional.

  • Tony Tyson (Estados Unidos) – Astronomia e instrumentação científica

Coordenou o desenvolvimento da maior câmera astronômica do mundo, instalada no Observatório Vera Rubin, que permitirá mapear o universo com precisão inédita. 

No atual momento, a adoção da vacina no SUS é uma alternativa importante, porém a Wolbachia chegou para somar as possibilidades de enfrentamento a este mosquito. Prefeitura de Votuporanga/Wikimedia Commons
Ao adicionar água, os ovos eclodem e passam pelas fases de larva, pupa e mosquito adulto. Os insetos saem por pequenos furos no topo da caixa e iniciam o processo de disseminação da bactéria na população local de Aedes aegypti. Reprodução Record TV
Além disso, a biofábrica de Campinas vai produzir caixinhas com ovos do mosquito com Wolbachia, que podem ser enviadas para qualquer lugar do Brasil e do mundo. Divulgação Takeda
O financiamento do Ministério da Saúde e da Fundação Bill & Melinda Gates foram essenciais para a realização das atividades em dois bairros nas cidades do Rio de Janeiro e Niterói: Tubiacanga e Jurujuba, respectivamente. Agência Brasil Fotografias/Wikimedia Commons
Nesse sentido, foi comprovado que quando a bactéria está presente no mosquito, os vírus como o da dengue, zika e chikungunya não se desenvolvem bem, algo que pode reduzir a propagação dessas doenças. icon0.com pexels
Na ocasião, a equipe de pesquisadores conseguiu introduzir esta bactéria, que foi retirada da mosca-da-fruta, dentro dos ovos de Aedes aegypti. Uma descoberta realizada alguns anos antes, enquanto ele fazia seu pós-doutorado na Austrália. Prefeitura de Jaru
Essa ideia surgiu em 2011, quando o pesquisador da Fiocruz, Luciano Moreira, iniciou uma série de discussões com o Ministério da Saúde do Mato Grosso do Sul para trazer uma nova alternativa para enfrentar a dengue. Agência Brasil
Outras localidades do país também estão se valendo do método, como a capital do Rio de Janeiro, Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, Petrolina, em Pernambuco, Joinville, em Santa Catarina, Foz do Iguaçu e Londrina, ambas no Paraná. Divulgação SES-MG
Em 2024, a cidade de Niterói, no Rio de Janeiro, recebeu o Método Wolbachia e o resultado foi a redução de 69,4% dos casos de dengue, 56,3% de chikungunya e 37% de Zika na cidade. Nicolas HENON - Flickr
Vale destacar que os Wolbitos, como são chamados, não são transgênicos. Isso porque não há qualquer modificação genética no método e também não transmitem doenças. Afinal, esta bactéria não pode ser transmitida para humanos ou outros mamíferos. Imagem free de FotoshopTofs do site pixabay.com
Com o tempo, a porcentagem de mosquitos que carregam a Wolbachia aumenta, até que permaneça estável, sem a necessidade de novas liberações. Um efeito que torna o método autossustentável e uma intervenção acessível a longo prazo. reprodução tv globo
Segundo o Ministério da Saúde, os Aedes aegypti com Wolbachia podem ser liberados para que se reproduzam com os Aedes aegypti locais. Isso, portanto, pode estabelecer, aos poucos, uma nova população de mosquitos, todos com a bactéria. freepik jcomp
A Wolbachia é uma bactéria intracelular presente em cerca de 60% dos insetos, inclusive em alguns mosquitos. Entretanto, ela não é encontrada naturalmente no Aedes aegypti, que pode transmitir a Dengue, Chikungunya e Zika. reprodução tv globo
Ainda de acordo com a diretora, o novo espaço visa garantir "que a tecnologia possa chegar rapidamente a comunidades em todo o país, de forma econômica”. Reprodução de TV Bandeirantes
“Com o novo complexo da Oxitec em Campinas, estamos equipados para responder imediatamente aos planos de expansão da Wolbachia do Ministério da Saúde", explicou, Natalia Verza Ferreira, diretora executiva da Oxitec Brasil. Reprodução Record TV
Diante disso, a empresa entrou com o pedido de liberação da Anvisa em março de 2025 e aguarda o aval da agência. A inauguração aconteceu no começo de outubro e está pronta para fornecer os "mosquitos contaminados". flickr NIAID
O empreendimento, então, espera conseguir proteger até 100 milhões de pessoas anualmente com o mecanismo do uso da bactéria Wolbachia. Reprodução Youtube
Esse recorde de criação de mosquitos em laboratório era ocupado por outra fábrica brasileira, em Curitiba, no Paraná, pela Wolbito. Contudo, a nova estrutura localizada na cidade de Campinas, em São Paulo, passará a liderar este segmento. wikimedia commons Muhammad Mahdi Karim
"Acho muito boa essa sinergia. Em julho foi inaugurada a Wolbito, que era a maior do mundo. Dois meses depois, já não é. Isso é muito bom para a saúde pública do Brasil", afirma Fabiano Pimenta, secretário adjunto da secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente. Imagem de Ernesto Eslava por Pixabay
Esse índice era de 1.881 casos para cada 100 mil habitantes. No atual cenário da Fiocruz, Fundação Oswaldo Cruz, a Wolbachia já é utilizada e pode ajudar no combate à dengue. Divulgação
Afinal, em 2024, o Brasil viveu a maior crise de dengue registrada no país, visto que foram registrados 4.013.746 casos prováveis de dengue e 3.809 mortes, além de 232 óbitos em investigação. Divulgação
O foco é que esses mosquitos sejam contaminados com a Wolbachia, uma espécie de bactéria que reduz a transmissão da dengue em mais de 75%, segundo levantamento da Oxitec. Divulgação
Dessa forma, a instalação tem o intuito de atender demandas de governos e comunidades que estejam enfrentando surtos das respectivas doenças. A estrutura pertence à empresa Oxitec e tem capacidade para gerar até 190 milhões de mosquitos por semana. Divulgação
Um dos desafios das metrópoles é buscar soluções para evitar a alta propagação do Aedes aegypti. Diante disso, Campinas passa a abrigar uma biofábrica que fará a produção de mosquitos com a bactéria Wolbachia, capaz de impedir a transmissão da dengue, zika e chikungunya. Divulgação
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