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Estado de Minas

Retirada da cobertura vegetal do solo contribui para reduzir mais a água nas torneiras


postado em 02/03/2015 12:40 / atualizado em 02/03/2015 12:42

Terra degradada na zona rural de Bonfinópolis de Minas, Região Noroeste do estado. Nela já correu um riacho (foto: Beto Novaes/EM/D.A PRESS)
Terra degradada na zona rural de Bonfinópolis de Minas, Região Noroeste do estado. Nela já correu um riacho (foto: Beto Novaes/EM/D.A PRESS)

A falta de chuva não é a única responsável pela crise hídrica no Brasil. A retirada da cobertura vegetal do solo, agravada por atividades como agronegócio e mineração, contribui para reduzir ainda mais a disponibilidade de água nas torneiras. No cerrado, onde estão as nascentes das principais bacias hidrográficas da América do Sul, incluindo a do Rio São Francisco, que quase desapareceu com a seca, a situação é alarmante. A área devastada no segundo maior bioma brasileiro chega a 1,5 milhão de metros quadrados – em torno de 75%. Com isso, a água da chuva deixa de ser absorvida pela vegetação e não chega aos aquíferos. Em consequência à degradação do solo, pesquisadores do Instituto do Trópico Subúmido (ITS), ligado à Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), estimam que, a cada ano, pelo menos 10 pequenos córregos desaparecem na região.O cenário de devastação e falta de água é resultado de ações em séculos passados. O pesquisador Altair Sales Barbosa, diretor do ITS, explica que o processo de degradação do solo vem ocorrendo desde a conquista do Centro-Oeste, com a construção e urbanização de Belo Horizonte, Goiânia e Brasília. A situação se agravou a partir de 1970, quando multinacionais chegaram à região para explorar o agronegócio, destruindo praticamente toda a vegetação nativa.

“A vegetação que cresceu nesse tipo de solo, associado à carência de nutrientes básicos, desenvolveu um sistema extremamente complexo para sobreviver, então também armazena água que precipita na região. Uma vez que se retirou a cobertura vegetal, as plantas substitutas (soja, cana-de-açúcar, algodão e outras monoculturas) não são capazes de exercer a função ecológica das originais, porque suas raízes são subsuperficiais”, informa Barbosa. Os cursos d’água, portanto, diminuem de nível até desaparecer por completo.Na visão do pesquisador da PUC-GO, a situação é complexa e irreversível e tende a se agravar. Barbosa enxerga que, com o passar do tempo, o sertão brasileiro se transformará em deserto. “A água não é um fonte inesgotável. No dia em que ela acabar, as grandes áreas de lavoura vão ficar desnudas e secas, em síntese, vão se tornar um ambiente quase deserto. Só não chega a tanto porque de vez em quando vai chover”, esclarece. O problema é que, sem a vegetação nativa, a água da chuva não será absorvida pelo solo e não chegará aos aquíferos que abastecem quase todas as bacias hidrográficas do país. E quando chega um período de estiagem mais ou menos prolongado, os cursos d’água, que já não são alimentados de maneira satisfatória por precipitações, diminuem ainda mais o volume, provocando crise hídrica como a que assola o Brasil.O presidente da Sociedade Brasileira de Ciência do Solo (SBCS), Gonçalo Signorelli de Farias, confirma que a disponibilidade de água está relacionada ao manejo adequado do solo. “Existem outras variáveis, como anomalias na concentração de chuva, mas um solo que não está bem protegido deixa de fazer parte do ciclo hidrológico, em que atua como uma esponja natural para alimentar os aquíferos”, informa.

Deixar o solo descoberto, principalmente quando não se manuseia com os devidos cuidados, favorece o processo de erosão, que é intensificado por chuva ou vento. Com o desgaste, os resíduos são levados para as fontes de água e vão sedimentando, o que faz diminuir a capacidade e a vasão dos rios. Outro fenômeno que diminui a absorção de água pelo é a compactação, provocada por pressão contínua, que reduz a sua porosidade.Técnicas agrícolas antigas contribuíram para a degradação do solo em diversos biomas brasileiros. O problema atenuou, segundo Farias, a partir da utilização de novas tecnologias, como o plantio direto, em que as sementes são plantadas diretamente nos resíduos da cultura anterior, impedindo que as áreas fiquem descobertas durante o preparo do solo. Para o presidente da SBCS, ainda falta consciência da população urbana. “O solo é um recurso fundamental para a vida do planeta, mas ninguém percebe quando ele está degradado, diferentemente da água: a falta é imediatamente percebida”, comenta. Entre as mudanças necessárias, está a adoção de procedimentos técnicos que levem em conta o tipo de solo ao iniciar qualquer obra civil e a criação de legislações rigorosas. Um projeto de lei que regulamenta o uso do solo brasileiro e estabelece punição está parado no Congresso Nacional.

HÁ SOLUÇÃO?
A curto prazo, não é possível recuperar o solo já degradado, destaca o presidente da SBCS. Para Gonçalo Signorelli de Farias, “o solo não é um recursos renovável na escala de tempo do ser humano. Ele vem da transformação das rochas, que é um processo muito lento”. Segundo o pesquisador da PUC Goiás Altair Sales Barbosa, mesmo que todo o processo de degradação do solo seja interrompido, o resultado será apenas a sobrevida do ecossistema. Isso porque a nova vegetação será temporária, pois nasce para curar a ferida da terra, e não conseguirá cumprir adequadamente a função ecológica de armazenar água da chuva.Para Barbosa, a solução exige participação da coletividade. Ações individuais, como diminuir o consumo água, apenas mascaram o problema. “Você poderia importar água ou dessalinizar a água do mar, mas imagina o quanto são caros esses processos? É preciso investir em pesquisa e repensar o modelo econômico de agronegócio no Planalto Central, onde estão as grandes bacias hidrográficas.” O pesquisador se diz preocupado com medidas que só agravam a situação, como a utilização de poços artesianos. O sistema se abastece do restante de que chegaria aos reservatórios, diminuindo ainda mais o volume que alimentaria os rios.

 


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