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Estado de Minas

Descoberta de metano reforça suspeita de que Marte teve condições de abrigar vida


postado em 19/12/2014 11:42 / atualizado em 19/12/2014 11:40

Isabela de Oliveira

Robô Curiosity, que há 20 meses fornece análises da atmosfera e do solo marcianos(foto: NASA/REUTERS -27/9/13)
Robô Curiosity, que há 20 meses fornece análises da atmosfera e do solo marcianos (foto: NASA/REUTERS -27/9/13)
A busca por vida no espaço não é uma simples questão de, como diz o ditado, “ver para crer”. Isso porque os cientistas não procuram por seres verdes tripulando naves avançadas ou cidades alienígenas construídas em planetas vizinhos, mas sim indícios sutis que informem se algum lugar, além da Terra, oferece ou já ofereceu condições apropriadas para a existência de organismos vivos. Uma das missões mais ambiciosas nesse sentido é a do robô Curiosity, enviado a Marte pela agência espacial norte-americana (Nasa), e cujos últimos resultados foram apresentados esta semana.

Segundo um estudo publicado na revista Science por pesquisadores envolvidos no projeto, os instrumentos do Curiosity detectaram no Planeta Vermelho a presença de metano, gás relacionado à atividade biológica. Além disso, uma análise mais detalhada do solo confirmou, como se suspeitava, a presença de moléculas orgânicas, compostas por carbono e hidrogênio. Somados a indícios anteriores de que já houve água líquida em abundância na superfície marciana, o dado reforça ainda mais a possibilidade de que, no passado, as condições para brotar a vida existiam no mundo vizinho.

A análise das informações, entretanto, é cautelosa porque, mesmo aliadas, essas descobertas não são provas definitivas de que o planeta já foi habitável. Apesar de moléculas orgânicas serem os blocos da vida, eles podem existir sem ela. E a detecção de metano, por enquanto, levanta mais dúvidas do que respostas e ainda coloca em xeque os atuais modelos teóricos utilizados para estudar outros planetas. A confusão vem do fato de os níveis do gás encontrados serem menos da metade do que o esperado segundo o projetado para os processos de produção do gás conhecidos, como a degradação por radiação ultravioleta (UV) de poeira interplanetária ou de material orgânico — mas não vivo — levado a Marte por meteoritos que se chocam contra ele.


Dúvidas

As novas informações são resultado de 20 meses de coletas feitas por instrumentos a bordo do Curiosity na Cratera Gale, onde o laboratório-robô pousou. Esses dados mostraram que, após 60 dias marcianos (um dia de Marte tem 48 minutos a mais do que na Terra), a presença de metano sofre curiosos picos que elevam em 10 vezes a quantidade do gás na atmosfera. Depois, tudo volta a um nível mais baixo. No estudo, os autores apontam que o dado é surpreendente, pois a duração do gás é de aproximadamente 300 anos. O esperado, portanto, era que os níveis de metano diminuíssem só após esse período, e não em um intervalo de dias, como foi constatado. A distância entre as medições mais altas do gás foi de 300m, e elas desapareceram após o robô se deslocar por um quilômetro.

Christopher Webster, principal autor do estudo, não acredita que o metano seja produzido por fontes independentes porque os ventos do terreno têm velocidade média de 7m/s, o que significa que eles poderiam, facilmente, cobrir todos os pontos em dois minutos. Tudo isso sugere um evento de curta duração, que poderia ser fraco, e originado na própria cratera ou muito forte, vindo de uma região mais distante. O cientista, entretanto, não sabe exatamente as causas dos processos nem especula se indicam vida. “Nossas medições abrangem um ano completo em Marte e indicam somente que traços de metano são gerados no planeta por mais de um mecanismo ou por uma combinação de mecanismos, incluindo a própria produção do gás e a liberação de reservatórios passados e presentes, ou ambos”, diz.

Douglas Galante, pesquisador do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS/CNPEM) e do Núcleo de Pesquisa em Astrobiologia da Universidade de São Paulo, traduz as suposições do autor do estudo: uma possibilidade seria as rochas da superfície de Marte soltarem o gás retido ao longo dos milênios ou o metano estar se desprendendo de elementos orgânicos levados ao planeta por meteoritos e asteroides que se chocam contra ele. Uma outra possibilidade seria alguma fonte biótica, caso haja micro-organismos no subsolo, ser a produtora do metano. “Aqui na Terra isso acontece, por exemplo, no fundo dos mares, com arqueias metanogênicas (um tipo de micro-organismo)”, afirma.

Perfurações no solo confirmaram a presença de moléculas orgânicas (foto: AFP )
Perfurações no solo confirmaram a presença de moléculas orgânicas (foto: AFP )
Em suspenso O brasileiro pondera que os dados colhidos não permitem distinguir o tipo de fonte e mostram apenas que o metano está presente em níveis inferiores ou muito superiores, durante os picos, que o estimado. “Não é possível afirmar nem refutar a origem biológica. Um estudo detalhado como esse, e outros que virão, permite que conheçamos melhor a natureza desse metano. Agora, sabemos mais sobre sua dinâmica na atmosfera, quando é produzido e por quanto tempo”, completa Galante.

Segundo Rafael Sfair, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Guaratinguetá, ainda é cedo para entender o que está acontecendo com o metano em Marte. Ele também reitera que não há como dizer que a presença do gás seja resultado de atividade biológica ou de vida, presente ou passada. Sfair explica que água em forma líquida, cujos vestígios já foram rastreados em Marte, e metano, juntos, são indicadores de habitabilidade. O problema, ele diz, é que as variáveis não estão em sincronia. “Agora, tem metano, e antes tinha água. Mas, para ter vida, é preciso que eles ocorram simultaneamente. A atividade biológica produz metano, mas para ter atividade biológica é preciso água líquida. Teve água líquida há muito tempo, e isso não implica que vai ter vida agora. Precisa ser tudo ao mesmo tempo.”

DUAS PERGUNTAS PARA...
Marcos Rincon Voelzke - professor dos programas de mestrado
e doutorado em ensino de ciências e matemática da Universidade Cruzeiro do Sul, em São Paulo

1) Os dados fornecem pistas sobre a vida em Marte?
Aqui na Terra, a maior quantidade de metano vem dos seres vivos. Se a gente achar metano em Marte, pode ser que existam seres vivos liberando esse gás lá, mas os laboratórios daqui demonstram claramente que matéria orgânica não viva também tem condições de produzi-lo. O estudo não fala nada sobre vida, mas a gente sabe que, cerca de 4 bilhões de anos atrás, Marte tinha água em sua superfície. Pode ser que nessa época existisse vida e que esse metano seja proveniente da matéria orgânica que existia naquela época. Mas isso é conjectura. Como a formação da Terra primitiva teve água no estado líquido, radiação eletromagnética dos raios e trovões e aquecimento com a grande atividade vulcânica, imaginamos que esses três fatores juntos dão origem à vida. Isso, contudo, é em função do que a gente conhece, porque pode existir um ser com outra constituição química, que não precisa respirar nem de água. Mas a gente não procura isso.

2) Quais são as implicações práticas desse estudo?
Os modelos teóricos previam uma quantidade maior de metano, mas o robô mediu menos. Isso significa que os modelos são muito bons quando você não conhece as coisas, mas os dados observacionais suplantam a teoria. As medidas, pelo menos na cratera, vão fazer com que os modelos sejam reajustados. Isso não significa, entretanto, que Marte todo seja assim. Às vezes, esse gás é regional e localizado. Pode ser uma condição da cratera, e os pesquisadores aventam a possibilidade de ela ter sido criada por um cometa ou meteoro que atingiu a parte interna do planeta. Nesse caso, ela iria, aos poucos, liberando o metano que foi trazido pelo objeto. Os dados são inconclusivos, mas são inovadores porque foram coletados in loco e revelaram algo inesperado.

 


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