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Estado de Minas

Vício em internet e eletrônicos pode ser tão forte quanto a dependência química

Em crianças e jovens, um dos primeiros sinais é a queda no rendimento escolar


postado em 23/10/2014 08:32 / atualizado em 23/10/2014 08:30

Facebook, Instagram, Snapchat, WhatsApp, RPG, Candy Crush, Ask.fm, Secret… As tentações virtuais são diversas e surgem a uma velocidade difícil de acompanhar. Enquanto a maioria das pessoas faz uso moderado para se comunicar ou entreter, muitas caem na trama on-line e não conseguem se desconectar. O vício tecnológico é um problema sério, semelhante às dependências químicas, alertam especialistas. De acordo com psiquiatras e psicólogos que debateram o tema no congresso anual da Associação Brasileira de Psiquiatria, em Brasília, um agravante é que, diferentemente de álcool e drogas, esse ainda é um campo desconhecido.

O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), considerado a bíblia da psiquiatria, inclui a dependência em jogos eletrônicos na sessão III, indicando que ainda são necessários mais estudos a respeito. Já a fixação em redes sociais e mensagens instantâneas é um fenômeno tão novo que ainda não entra na classificação – oficialmente, o termo usado para diagnóstico é uso problemático das tecnologias.

Apesar de serem distúrbios recentes, os especialistas alertam que é preciso cada vez mais prestar atenção a eles. “O ambiente do século 21 não tem precedentes. A gente não pode demonizar a tecnologia, a gente vai ter de aprender a lidar com ela”, diz o psiquiatra Gabriel Bronstein, chefe do Setor de Dependência Química e Outros Transtornos do Impulso da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro.

Para o psiquiatra da infância e adolescência Daniel Spritzer, fundador e coordenador do Grupo de Estudos sobre Adições Tecnológicas (Geat), a dependência precisa ser estudada e tratada de acordo com cada subtipo. “Será que usar a rede social é igual a ficar vendo vídeo no YouTube ou jogando o dia inteiro? Acho que é bem diferente”, observa. Ainda assim, no cotidiano dos consultórios, os especialistas que tratam dos diversos vícios virtuais – jogos, redes sociais, smartphones e pornografia on-line – destacam características comuns às adições tecnológicas e que também estão presentes nos pacientes de dependência química, como prejuízos sociais e à saúde, queda no rendimento, dificuldade de parar, fissuras, recaídas e comorbidades (doenças que se manifestam paralelamente ao quadro), entre outras.

Saudável X prejudicial
“Não dá para pensar no tratamento sem considerar as comorbidades”, afirma a psicóloga Veruska Santos, terapeuta do grupo Delete, espécie de centro de “desintoxicação tecnológica” criado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Lá, os dependentes primeiro são avaliados por psiquiatras para identificar quais problemas estão por trás do vício. Os mais comuns, de acordo com Santos, são depressão, ansiedade, pânico e transtorno obsessivo-compulsivo. Muitas vezes, observa Daniel Spritzer, os pacientes chegam aos consultórios com algum desses problemas, e, durante a avaliação, os especialistas constatam que eles sofrem também de dependência de algum tipo de tecnologia.

O psiquiatra explica que a adição vem acompanhada de algumas características que diferenciam o uso normal do prejudicial. Modificação de humor, tempo que se passa pensando ou se dedicando ao vício, tolerância cada vez maior, conflitos internos e sociais e recaídas são alguns deles. O tempo, observa, é um marcador importante, mas não determinante. “Dificilmente, vai ter alguém com dependência que jogue só duas horas por dia, mas nem todo mundo que joga muito vai ter prejuízo. O tempo é relativo, só um indicador do problema”, afirma. “Para diagnosticar, não basta saber quanto usa, mas como usa”, concorda a psicóloga Aline Restano, também pesquisadora do Geat.

Por exemplo, um usuário pode passar muitas horas nas redes sociais sem se abalar pelo fato de sua foto ter recebido poucas curtidas. Isso não acontece com os dependentes. Aline Restano conta que, no caso da adição, até o som de notificação de mensagens do WhatsApp traz prazer para os pacientes que, por outro lado, sofrem quando o aparelho soa menos do que eles esperavam. Um prazer que, na realidade, está profundamente associado à angústia. Uma jovem de 17 anos, paciente da psicóloga, relatou que ficou uma semana sem o celular, retirado pela mãe. No começo, teve raiva. Mas, no fim, sentiu-se libertada. “Que alívio”, disse a menina.

Se o tempo é um fator relativo, os pais devem ficar atentos ao rendimento escolar, que costuma despencar. “Esse é um dos primeiros sinais a aparecer. A criança ou o adolescente ficam mortos de sono, pois passam a madrugada no computador ou no celular”, afirma Spritzer. Outros sintomas são a perda de interesse social – a pessoa deixa de se relacionar com as outras para se dedicar ao mundo virtual –, os embates familiares e até alterações na saúde. Sedentarismo e aumento de peso são os problemas mais evidentes.

A psicóloga Aline Restano dá uma dica para quem tem dúvidas se o filho está mais envolvido com a tecnologia do que deveria. “Um dos fatores de risco de meninas dependentes de redes sociais é passar muito tempo do dia visualizando o perfil dos outros, sem postar nada. Muitas vezes, o pai pensa que ela não abusa das redes porque não posta, mas só olhar constantemente é pior”, diz. O excesso de ciúmes deflagrado por ações como curtidas na foto do namorado é outro forte indicativo de que a relação daquela pessoa com a tecnologia passou os limites do saudável.

Diferenças
Meninas e meninos têm perfis de dependência diferentes. Eles têm mais interesse pelos jogos on-line. “Com os avatares, assumem outras habilidades que não têm na vida real”, explica Veruska Santos, do grupo Delete. Quarenta e cinco por cento dos pacientes de 9 a 17 anos atendidos pelo Instituto de Psiquiatria da UFRJ jogam em rede com outras pessoas. Já as meninas dedicam-se mais às redes sociais. Nesse último caso, a psicóloga Aline Restano aponta outro sinal de alerta: olhar constantemente para o celular, que pode ser mais grave ainda do que passar muito tempo conectado. “Às vezes, não dá tempo de atualizar e elas já estão checando de novo”, diz. Para essas garotas, número de curtidas, solicitações de amizade, comentários positivos e notificações de mensagens são como o combustível que alimenta a dependência.

No projeto Delete, Veruska Santos conta que os terapeutas estão conseguindo bons resultados. “Começam a ser fortalecidos comportamentos para controlar o uso compulsivo. Não é parar de usar, mas fazê-lo de maneira diferente”, diz. O trabalho de gerenciamento do tempo e o desenvolvimento de habilidades sociais também são estimulados. Mas para que o tratamento seja bem-sucedido, o empenho familiar é fundamental.

“Às vezes, os próprios pais estimulam os filhos a se tornarem dependentes de tecnologia. Dar um computador para eles ficarem ocupados o dia inteiro é mais cômodo”, critica.

Uso consciente
Veja 10 passos para utilizar
a web e os eletrônicos de
maneira saudável, segundo especialistas da UFRJ

1 - Bom senso para que o uso não se torne abusivo no cotidiano

2 - Fique atento às consequências físicas (como privação de sono, dores na coluna e problemas de visão) e psicológicas (como depressão, angústia e ansiedade) devido à utilização exagerada

3 - Dose a prática de uso de tecnologias no cotidiano. Verifique se seu desempenho acadêmico ou no trabalho estão sendo prejudicados

4 - Reflita sobre seus hábitos cotidianos e faça diferente

5 - Não troque atividades ao ar livre para ficar conectado

6 - Prefira uma vida social real à virtual, escolhendo relacionamentos/amizades reais em vez de virtuais

7 - Pratique exercícios físicos regularmente e faça intervalos regulares durante o uso das tecnologias

8 - Não abale o seu humor com publicações virtuais e não acredite em tudo que é postado

9 - Valorize suas relações familiares

10 - Pense no meio ambiente, recicle os aparelhos e evite a troca frequente sem necessidade


Leve em conta que…

» As atitudes virtuais devem ser previstas e refletidas

» O limite entre público e privado é muito sutil

» O que é postado pode ser considerado uma flecha disparada

» É importante diferenciar o uso normal do patológico

» A vida vira manchete nas redes sociais

Fonte: Grupo Delete


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