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Estado de Minas

Pesquisadores da UFMG voltam a estação na Antártida que está sendo reconstruída

A estação brasileira na Antártida está sendo reconstruída depois do incêndio que destruiu 70% de suas instalações.


postado em 17/03/2014 09:08 / atualizado em 17/03/2014 09:10

Marcus Celestino

Objetivo do projeto da federal é estudar o continente sob o prisma das ciências humanas(foto: Arquivo Pessoal)
Objetivo do projeto da federal é estudar o continente sob o prisma das ciências humanas (foto: Arquivo Pessoal)

Depois da queda, a ascensão. A Estação Antártica Comandante Ferraz (EACF), situada na Ilha do Rei George, no gélido continente antártico, foi acometida por um incêndio que destruiu 70% de suas instalações em 25 de fevereiro de 2012 – além de ter causado a morte de dois oficiais da Marinha brasileira. Depois de um 2013 sem nenhuma expedição e com foco total na reconstrução do prédio principal da base militar, este ano promete ser movimentado em termos expedicionários. É o que esperam os pesquisadores envolvidos num projeto iniciado em fevereiro de 1984.

Um deles é o professor Andres Zarankin. Chefe do Departamento de Antropologia e Arqueologia da Universidade Federal de Minas Gerais (DAA/UFMG) e coordenador do Laboratório de Estudos Antárticos em Ciências Humanas (Leach), Zarankin retornou recentemente da EACF, numa das primeiras expedições posteriores ao incêndio de 2012. As pesquisas do professor – que contabiliza mais de uma dezena de idas ao continente para estudos –, mesmo não sendo ligadas diretamente à Estação, acabaram ficando prejudicadas por causa da logística da viagem.

"No ano passado era preciso remover entulho, levar militares para a realização de tarefas, transportar equipamentos básicos para serem instalados. Enfim, para levar os pesquisadores implica uma semana de viagem de barco. É impossível, logisticamente, nos transportar", explica o professor de origem argentina. As expedições participantes do Programa Antártico Brasileiro (Proantar) dispõem de duas opções para chegar num dos menores e no mais meridional do continente. A primeira é rumar de barco do sul do Chile até lá ou ir de avião e aterrisar num aeroporto chileno na Antártica. No caso do grupo de Zarankin, ainda é necessário viajar de barco até uma ilha na qual os sítios se localizam. Uma parada rápida na EACF também ocorre.

O professor pôde, em sua última ida à instalação (na expedição que começou em 9 de janeiro e terminou em 24 de fevereiro), verificar as condições pós-incêndio da estação e como ela vem operando. "Paramos por três dias na estação para carregar alguns itens importantes para a expedição. Pelo que consegui ver, existem agora módulos emergenciais, que permitem desenvolver pesquisas em escala muito menor e que também servem como base para o início da construção da estação brasileira renovada. Acredito que em quatro anos ela estará pronta", comenta.

Sítios

O objetivo do projeto é estudar a Antártica sob o prisma das ciências humanas, com o intuito de fazer com que a história antiga do continente seja desvendada e divulgada. Para tal, Zarankin e o grupo escavam sítios arqueológicos nos quais recolhem inúmeros objetos que auxiliam a desvendar como viviam os primeiros habitantes do local. De acordo com o professor, o acervo é um dos maiores do mundo em termos de Antártica.

Na última expedição foram colhidas 500 peças, que se juntarão às mais de 1.500 que já estão no Brasil. Além disso, as pesquisas do grupo são de vanguarda. "No Brasil não existia nenhum tipo de estudos antárticos relacionados com a ciências humanas. O nosso é o único desse tipo no Brasil e no mundo. Esse material tem permitido produzir muito conhecimento desde a vida cotidiana das pessoas, o trabalho e sua organização social", diz. Já são quase 30 artigos e três livros decorrentes do resultado da análise desses materiais, sem contar as inúmeras dissertações de mestrado acerca do tema.

O projeto engloba esforços da tríade Brasil, Argentina e Chile, que encabeçam o time, e também conta com colaborações dos Estados Unidos e mais recentemente da Austrália. Na incursão deste ano, os pesquisadores foram a uma pequena península chamada Ponta Elefante e escavaram um sítio, de onde foram retirados muitos dos itens que serão adicionados ao acervo. Na última expedição, dois sítios foram escavados e o material será analisado não somente pelo Leach, mas também por outros parceiros em várias partes do mundo.
 
Origens

Recolhemos instrumentos como facas, panelas, estacas, elementos que têm a ver com comida, bebida, cachimbos de cerâmica e roupas", destaca Zarankin. O material é datado do início do século 19, proveniente de várias partes do mundo. Alguns materiais, como certas garrafas encontradas, são de origem indígena, o que reflete a possibilidade de que as companhias parassem na Patagônia e levassem índios da América do Sul para desenvolver tarefas na Antártica no verão. Foi encontrado também um crânio de uma mulher indígena no continente. A Antártica foi descoberta oficialmente em 1821, mas existem informações de que, no fim do século 18, existiram companhias que mantinham em segredo a localização do continente para caçar animais. "As datações dos sítios feitos a partir do material recolhido estão apontando que são do começo do século 19, mas isso não quer dizer que não poderíamos encontrar sítios mais antigos na Antártica", frisa o professor.

O primeiro trabalho dessa estirpe realizado na Antártica se deu na década de 80 por um arqueólogo chileno, chamado Rubén Stehbergh, que agora faz parte do projeto do professor Zarankin. Stehbergh foi o primeiro a analisar a possibilidade da presença de índios no continente. O pesquisador trabalhou muito tempo, mas nunca conseguiu encontrar um sítio indígena.

 

Personagem da notícia

Juliano Cury,
Professor, chefe do Departamento e Ciências Exatas e Biológicas da UFSJ

Nova estação em licitação

"Fui chamado pela comissão para ajudar no processo de remediação da área contaminada com óleo diesel. Em 2012, após o incêndio, praticamente nada pôde ser feito. No verão antártico de 2012/2013 foi realizada a retirada do passivo ambiental da área da EACF, ou seja, os destroços foram removidos. Uma equipe da Setesb acompanhou o trabalho e fez alguns serviços de monitoramento ambiental e detectaram uma grande contaminação por hidrocarbonetos de petróleo no solo que ficava embaixo de onde estavam localizados os geradores de energia da antiga EACF. No mesmo período em que fizeram isso, também montaram os módulos emergenciais para abrigar militares e pesquisadores, enquanto a nova estação não é construída. Uma equipe de arquitetura da Universidade Federal de Curitiba montou um projeto que ganhou o concurso que a Marinha fez para a escolha de como seria a nova estação. Isso parece estar na fase de licitação da empresa que vai realmente montar a nova EACF. Os módulos serão construídos, levados até a Antártica e montados lá. Agora está prevista a instalação das hastes que sustentarão a nova EACF.”

 

Trabalho de cooperação

O professor Carlos Schaefer, coordenador do Projeto Terrantar na Universidade Federal de Viçosa (UFV), é uma referência mundial no trabalho que realiza sobre o solo antártico e está em constante contato com Zarankin. "Nossos projetos têm forte cooperação e temos artigos extremamente inovadores publicados, como um que retrata o modo de vida dos primeiros ocupantes do ambiente antártico, combinando técnicas de estudos arqueológicos e pedológicos de forma totalmente inovadora (Living in the cold, publicado em 2013 no Quaternary Research)", comenta Schaefer.

"Os projetos da UFV e UFMG se entrelaçam, pois atuam nas mesmas áreas geográficas e mostram uma forte complementaridade. As informações de solos são fundamentais para o pessoal da arqueologia, e vice-versa." As mostras de sedimentos coletadas pela equipe de Zarankin são enviados ao grupo de Schaefer. "É a primeira vez que se fazem estudos de solos antropogênicos na Antártica, que permitem descobrir o cotidiano das atividades humanas no local", afirma Zarankin.

O mote principal da pesquisa do professor Schaefer é o monitoramento das mudanças climáticas por meio do solo antártico. "O estudo do permafrost (solo congelado) é estratégico para fechar um modelo climático para previsão de elevação do nível dos oceanos no futuro próximo e distante, pois representa uma parte significativa dessa elevação", elucida. Há um diferencial na Antártica com relação ao Ártico. O permafrost do primeiro é descontínuo e sujeito a variações, por causa do tipo de formação e localização. "Há grandes variações ao longo da Península Antártica, região que mostra os maiores valores de aumento da temperatura média em duas décadas, em escala global. É uma região que serve de sentinela para indicar o que pode vir à frente", pontua Schaefer. Esse estudo pioneiro lidera tais pesquisas sobre o assunto na região.

Tecnologia

Além de contar com o apoio de outros grupos de pesquisa, a equipe da UFMG disporá de adventos tecnológicos capazes de otimizar o trabalho. Um software que se encontra na fase beta permite um processamento em campo dos materiais a partir de tablets. "Antigamente eram feitas inúmeras anotações em papel. Agora, tiramos foto do material com o aparelho e tomamos notas do sítio", diz. De acordo com o professor, o software ainda não foi patenteado, mas, assim que for, será adaptado para outros sítios arqueológicos.

Os pesquisadores também utilizam um drone com câmeras, que é enviado por cima dos sítios para obtenção de imagens. Futuramente, a intenção é adquirir drones mais modernos, com mais autonomia. Ademais, uma parceria com o Google Earth, na qual o usuário poderá fazer um passeio virtual pelos sítios arqueológicos e vislumbrar como o ambiente era no passado, e a compra de um laser scanner para que se tenha o sítio reconstruído em 3D em poucos minutos estão nos planos.

A equipe agora aguarda a construção do Leach na Fafich. A instalação terá 120 metros quadrados e permitirá que a equipe possa trabalhar de forma mais harmônica e organizada. O laboratório está na fase de orçamento e Zarankin acredita que até o fim do ano esteja totalmente construído e em pleno funcionamento. Com isso, o professor pode, enfim, pôr em prática a frase emblemática que disse com entusiasmo contido em sua entrevista: "A arqueologia não é para os arqueólogos, mas sim para o público". Que essa máxima se confirme em breve e tenhamos mais acesso a tais estudos tão importantes para nós, homo sapiens.

 

Curiosidades

» O Programa Antártico Brasileiro foi criado em janeiro de 1982 e a Estação Antártica Ferraz começou a operar em 6 de fevereiro de 1984, completando 30 anos de funcionamento.

» A "antiga" EACF conseguia abrigar até 46 pessoas.

» Os pesquisadores enfrentam temperaturas de até 20 graus negativos nos acampamentos e contam apenas com um telefone para ligações estritamente emergenciais.

 


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