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Estado de Minas

Técnica obtém sucesso contra a síndrome do membro fantasma

Sensação incômoda afeta cerca de 70% das pessoas com membro amputado


postado em 12/03/2014 11:24 / atualizado em 12/03/2014 12:50

Isabela de Oliveira

Em 1965, um trabalhador rural sueco sofreu um acidente que lhe tirou metade do braço direito. Além de precisar se adaptar a uma nova forma de vida, o homem, hoje com 72 anos, passou a sofrer com dores constantes que, muitas vezes, beiravam o insuportável. E onde doía? Exatamente na parte que não estava mais presa a seu corpo. Mesmo depois de amputados, a mão e o antebraço o incomodavam muito, a ponto de não deixá-lo dormir várias noites.

O fenômeno, apesar de parecer estranho, já é conhecido da medicina. Chamado de dor fantasma ou síndrome do membro fantasma, afeta cerca de 70% das pessoas amputadas. O problema ainda tem suas causas estudadas (leia mais ao lado) e costuma ser combatido com técnicas como a terapia do espelho, a hipnose, a acupuntura e medicamentos. Mas, para muitos pacientes, essas abordagens não são eficazes. É o caso do cidadão sueco, que, por 48 anos, teve de conviver diariamente com a dor no membro perdido até se tornar voluntário em um experimento conduzido no ano passado na Universidade Técnica Chalmers e cujos resultados foram descritos recentemente na revista Frontiers in Neuroscience.

Ao participar da pesquisa, coordenada por Max Ortiz-Catalan, o paciente, que não teve a identidade revelada, foi o primeiro a experimentar um método que lança mão da realidade virtual para enganar o cérebro e combater a dor fantasma. Com a técnica, ele podia ver sua imagem no vídeo complementada por um braço virtual. E o melhor: conseguia mover o membro de mentira, como se ele fizesse parte de seu corpo.

O segredo está na eletromiografia, tecnologia que usa eletrodos colados à pele para captar sinais musculares. Presos na parte preservada do braço do voluntário, esses sensores enviavam os sinais para um computador, que, munido de complexos algoritmos, os interpretava e transformava em movimentos do braço virtual na tela. Dessa maneira, o homem tentava mexer o membro perdido e via que sua intenção se concretizava no vídeo.

Jogo

Os pesquisadores, pediram, então, que ele jogasse um game de corrida no qual, para comandar o carrinho, precisava utilizar o membro virtual. Depois de algumas semanas de prática, a dor fantasma diminuiu consideravelmente, melhorando a qualidade de vida do paciente (veja infografia acima). “Essa é a primeira vez que alguém utiliza a realidade aumentada e padrões mioelétricos de reconhecimento para tratar a dor no membro fantasma. Estamos prontos para iniciar um teste clínico com três hospitais suecos e alguns outros na Europa. No entanto, se algum pesquisador brasileiro tiver interesse em desenvolver essa pesquisa, peço que entre em contato. Adoro o Brasil e ficaria muito feliz em contar com a colaboração de cientistas brasileiros”, diz ao Estado de Minas  Ortiz-Catalan, que é mexicano.

De acordo com o pesquisador, o alívio experimentado pelo paciente é gerado por uma combinação de reativação de áreas motoras do córtex e de feedback visual. O conjunto é responsável por fazer com que o cérebro acredite que os comandos motores estão realmente sendo executados. Ortiz-Catalan está desenvolvendo outros games para serem adotados na nova terapia. A ideia é que a tecnologia seja comercializada e possa ser aproveitada por pacientes em suas próprias casas. “Não acredito que ela será cara. Até construímos um sistema doméstico, e os pacientes o têm utilizado de forma independente, sozinhos em casa, já há algum tempo”, conta.

Além de obter um resultado muito promissor no tratamento da dor fantasma, o trabalho de Ortiz-Catalan apresenta um uso inovador da realidade aumentada, na opinião de Hamilton Pereira da Silva, professor mestre de engenharia elétrica e informática industrial da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFP). “Ainda não tinha visto nenhum trabalho assim. O uso da realidade aumentada tem uma aplicação interessante para solucionar os problemas psicológicos gerados pelas amputações e até mesmo defeitos congênitos”, elogia o brasileiro, que não participou do estudo.

Atualmente, Silva desenvolve com outros pesquisadores da UTFP uma mão robótica que usa a eletromiografia para permitir o controle pelo usuário. “A aplicação da tecnologia vai até o limite da imaginação humana. Uma pessoa que é surda pode utilizar a realidade aumentada para se orientar e se comunicar. Na medicina, já é uma realidade. O treinamento de médicos é feito com operações virtuais, de forma que nem sempre é necessário usar cobaias”, lembra.

 

Cérebro intacto

Os mecanismos que causam a dor fantasma ainda precisam ser mais bem esclarecidos. Contudo, os especialistas sabem que o problema está em uma falha de comunicação entre o cérebro e a área do corpo amputada. “O paciente sofre a amputação, mas o cérebro continua intacto”, resume Mário Oliveira Lima, coordenador do curso de fisioterapia da Universidade do Vale do Paraíba, em São José dos Campos (SP). Assim, sinais que geram sensações na parte perdida continuam sendo disparados.

Uma área que parece ter grande relação com o fenômeno é o homúnculo de Penfiel, parte do córtex responsável pela imagem que as pessoas têm delas mesmas. “Ainda há receptores naquela região, e essas estruturas não sabem que a pessoa perdeu um braço, por exemplo, e continuam ativando a dor. Essas marcas demoram para sumir do sistema nervoso”, explica Lima, que vê os jogos eletrônicos, como o utilizado no estudo sueco, como uma importante ferramenta terapêutica.

Cláudio Correa, neurocirurgião e coordenador do Centro de Dor e Neurocirurgia Funcional do Hospital 9 de Julho, em São Paulo, conta que a síndrome do membro fantasma é muito comum também em mulheres que precisam retirar os seios por causa de um câncer de mama. Mesmo depois da amputação, a pessoa continua a perceber a sensação que tinha antes. “O estímulo continua chegando ao córtex”, detalha. O neurocirurgião lembra que muitas pessoas já foram consideradas com problemas psíquicos e comportamentais por reclamar da dor fantasma. “Mas a sensação é real e existe”, assegura.

A busca por novas formas de lidar com a dor fantasma é importante porque os métodos disponíveis hoje nem sempre surtem efeitos. O tratamento medicamentoso – são prescritas drogas de vários tipos, de analgésicos a antidepressivos e anticonvulsionantes – ainda deixa a desejar. Há também procedimentos cirúrgicos que interrompem a via de circulação da dor. “É como uma lâmpada que está acesa. Quando o fio que conduz a energia é cortado, ela se apaga. A dor também é transportada assim, por um feixe nervoso entre a medula e o cérebro”, explica Correa. O nome desse procedimento é cordotomia, cirurgia que “desliga” algumas fibras nervosas da medula para amenizar a dor intratável. “Mas essa é uma atitude extrema”, observa o médico.

Não invasiva Para Ortiz-Catalan, autor do estudo com realidade aumentada feito na Suécia, os pacientes têm muito a ganhar com uma técnica que dispense medicamentos (e seus efeitos colaterais) e não seja invasiva como a cordotomia. E a julgar pelo estudo de caso apresentado por ele e colegas, o novo método tem grande potencial terapêutico.

“Meu marido poderá viver mais, já que a dor agora tem um papel menos importante (em sua vida). Aqueles perto dele percebem isso”, relata a mulher do voluntário no artigo. O paciente também comemora: “Os períodos sem dor são algo quase completamente novo para mim. E a sensação é extremamente agradável”. (IO)

 

Ilusão
A terapia do espelho foi adotada a partir dos anos 1990. Nela, o paciente que teve uma perna ou um braço amputado se posiciona em frente a espelhos, tendo a ilusão de que ele ainda possui os dois membros saudáveis. Assim, ele é pedido para tentar mover as duas pernas ou os dois braços ao mesmo tempo, vendo no espelho ambos se mexerem. A estratégia engana o cérebro e a sensação incômoda diminui em algumas pessoas.

 

Palavra de especialista

Pedro Luiz de Paula Filho,
professor doutor em ciência da computação da Universidade Tecnológica Federal do Paraná 

 

Tecnologia multiuso

“Basicamente, a ideia de realidade aumentada é captar alguma imagem, por câmera, por exemplo, e projetá-la. Essa já é muito utilizada na vida prática por algumas empresas. É possível simular uma planta de um espaço e projetá-la em 3D para que o cliente possa ver a casa, como ela vai ficar. Dependendo da utilização, pode ser cara ou não. Há um caso de um prédio inteiro que foi simulado virtualmente para que os clientes e investidores o vissem de cima, no terreno, enquanto sobrevoavam o local com helicóptero. Aí, o investimento é maior. Mas há coisas simples. Uma empresa de óculos utilizou, pelo site, a captura da imagem do cliente pela câmera do computador para simular como o produto ficaria no rosto dele.
Os valores vão depender do tipo de aplicação.” 

 

 


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