“Saímos do Facebook”. Não há como fugir dos dizeres do cartaz: 2013 foi o ano em que os “ativistas de sofá” fizeram coro a movimentos antigos que já ocupavam as ruas e, caminhando lado a lado, expressaram em massa insatisfações diversas – dos gastos questionáveis com a Copa do Mundo e o aumento da passagem, à eleição de um homofóbico à Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Deputados. Ao mesmo tempo, uma faixa amarela andou avisando durante as manifestações de junho: “somos a rede social”. Nas ruas – e nas redes – milhões de pessoas fizeram com que o ano entrasse para a história do país. Ao que tudo indica, 2014 não será diferente.
Joana Ziller, 38 anos, professora da Universidade Federal de Minas Gerais e pesquisadora de comunicação digital, atenta que as redes sociais apenas deram maior visibilidade a grupos e indivíduos que já se mobilizavam. “Atores que, até então, não tinham destaque, passam a ter de acordo com a maneira como se comportam on-line”, explica. Para ela, a maior característica desses atores é a publicização de informação para um público de nicho, em um efeito conhecido como cauda longa, termo criado por Chris Anderson, ex-editor chefe da revista Wired. Nesse contexto, diversos grupos, como Comitê dos Antingidos pela Copa (Copac), chegam a pequenos públicos, mas com efeito semelhante a informações divulgadas pelos maiores veículos midiáticos.
Ziller destaca ainda o amadurecimento estratégico das redes sociais durante este ano, o que aponta para a apropriação dos meios. Um dos exemplos dessa apropriação, para ela, foi o surgimento do BH nas Ruas (https://on.fb.me/18Dl0E6), equipe de cobertura colaborativa das manifestações, formada por 25 estudantes de comunicação social. A fan page no Facebook tem hoje cerca de 94 mil curtidas. “Alguns eram meus alunos. Estamos escrevendo um livro para o ano que vem”, avisa.
Ninja
Para ele, a cobertura colaborativa das ruas foi importante para levantar o debate de democratização da mídia – com um celular conectado à web, um cidadão passa a ser um veículo de comunicação. “A cobertura foi feita por quem estava lá. A internet ainda não é um veículo de massa, mas atinge uma porção importante de formadores de opinião que distribuem o conteúdo pela rede”, afirma. Entre os momentos mais marcantes de sua cobertura, ele elege a primeira ocupação da Câmara Municipal de Belo Horizonte. “Ficamos ao vivo ininterruptamente durante oito dias no local”, lembra.
Durante sua cobertura , Gian conta que aprendeu a valorizar a narrativa oral. “Muitas vezes, a imagem do celular, de noite, em um momento mais caloroso, não é muito nítida. A voz tem papel fundamental na construção da notícia”, explica. Ele conta ainda que o chat dos aplicativos de transmissão on-line são muito dinâmicos, com grande interatividade. As pessoas fazem perguntas ao transmissor e conversam entre si.
Ataque à internet
No cenário que se desenha para os próximos anos, qualquer equipamento conectado à web pode ser invadido. Pesquisadores já descobriram ataques recentes contra TVs inteligentes, equipamentos médicos e câmeras de segurança. Babás eletrônicas também foram alvos e houve relato de que o tráfego foi interrompido em um importante túnel de Israel por conta de hackers, que teriam acessado sistemas on-line a partir de câmeras de segurança. Quanto maior a adoção desses novos dispositivos, maior será a ocorrência desses casos. Para a Symantec, os softwares de segurança se multiplicarão em 2014 e terão o foco de proteger informações pessoais. Prezando pela privacidade, a empresa aponta um grande número de usuários adotando codinomes e nomes falsos em redes sociais. Nenhuma rede social é pequena demais para ser ignorada pelos criminosos. “Para o próximo ano, enxergo que as pessoas finalmente começarão a agir a favor de suas privacidades on-line”, afirma Otto Stoeterau, especialista de segurança da empresa.
Direitos e deveres virtuais
Para Alexandre Atheniense, especialista em direito digital e sócio da Sette Câmara Corrêa e Bastos Advogados, o primeiro grande marco em 2013 foi a Lei Carolina Dieckmann, que entrou em vigor em abril, com a criação de novos tipos penais, sobretudo o crime de invasão de dispositivo informático. Outro destaque foi a mudança no código do consumidor, que criou regras mais claras para obrigar os e-commerces a prestar informações mais transparentes, além de estipular regras mais detalhadas para os sites de compras coletivas. Neste ano entrou também em vigor a regulamentação do pagamento por dispositivos móveis, o mobile payment.
Mais recentemente, houve a mini reforma eleitoral, autorizando o uso do meio digital para campanhas eleitorais de forma mais ampla, sem tanta restrição. Assim, antecipou-se a possibilidade de realizar campanha desde já. Além disso, o ciberativismo político foi criminalizado. “Contratar pessoas para criar perfis falsos e atacar inimigos políticos passa a ser crime, com punição de indenização por danos morais”, explica Atheniense. Outro ponto importante, para o advogado, foi a aprovação da regulamentação do processo judicial eletrônico. Dessa forma, menos papel será consumido e os processos se tornarão mais ágeis. “Até o fim de 2014, 50% dos processos devem tramitar de forma virtual”, prevê. A partir de 17 de março, o projeto entra em vigor.
O que vem por aí
novamente. Para a professora Joana Ziller, BH pode esperar um ambiente efervescente. “A timeline do Facebook mudou durante as manifestações e mesmo depois as discussões políticas não desapareceram. Os usuários comentam sobre corrupção e questões sociais diversas. Esse tipo de debate ganhou força e deve seguir forte em 2014”, afirma. Os perfis conservadores utilizarão das mesmas ferramentas.
Para ela, assim como nas jornadas de junho, a população usará as rede sociais de forma estratégica durante as eleições. Contudo, já podemos esperar mobilizações no início do ano, no carnaval. “A expectativa é que haverá mais restrições na festa e a tendência é o belo-horizontino se manifestar. BH vem consolidando um carnaval não oficial, feito por pequenos grupos. A internet será utilizada para convocar os foliões a brincar nas ruas”, diz. O ninja Gian Martins também acredita que 2014 será bem agitado. “O próprio carnaval dará pano para a manga. Se houver manifestações, teremos 40 links ao vivo, pode apostar”, afirma.
Proteção virtual Alexandre Atheniense é otimista, espera que depois de tantos adiamentos o Marco Civil da Internet seja finalmente aprovado no ano que vem. “É um impasse político”, considera. Além do marco, Atheniense lembra do projeto de lei 2.957/08, que tramita há cinco anos e que amplia a tutela da privacidade do cidadão. Hoje em dia, cada juiz decide de um jeito. As soluções serão mais harmônicas. “Esse projeto é excelente para suprir a questão da situação da legislação brasileira. O mais adequado seria um acordo internacional para nos proteger de casos de espionagem, como o relatado pelo ex-agente da inteligência americana Edward Snowden”, explica.
Este ano, a pornografia de vingança (divulgação na web de conteúdo sexual de parceiros, sem a sua permissão) se tornou ainda mais aterradora, ao circular no Whatsapp. Diante disso, surgiu o Projeto de Lei Maria da Penha Virtual, que punirá com maior rigor os responsáveis por compartilhar esse tipo de material. Atheniense, no entanto, não acredita que a PL emplaque. “Acho completamente desnecessário. A Lei Maria da Penha já tutela a dignidade independentemente do ambiente. Para mim, analisando a fundo, a lei é aplicável a qualquer fato do meio digital”, afirma.