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Estado de Minas

Estímulos visuais podem ser convertidos em sensações táteis pelo cérebro

Pesquisa é do neurocientista brasileiro Miguel Nicoleli. O conhecimento ajudará a melhorar o exoesqueleto que o cientista desenvolve para ajudar tetraplégicos a andar


postado em 27/08/2013 08:36 / atualizado em 27/08/2013 08:36

''O resultado sugere, do ponto de vista da ciência aplicada, que qualquer prótese usada por um paciente que tem lesões da medula, por exemplo, poderá ser assimilada pelo cérebro como se fosse uma extensão do corpo'', Miguel Nicolelis, neurocientista(foto: EDÍLSON RODRIGUES/CB/D.A PRESS)
''O resultado sugere, do ponto de vista da ciência aplicada, que qualquer prótese usada por um paciente que tem lesões da medula, por exemplo, poderá ser assimilada pelo cérebro como se fosse uma extensão do corpo'', Miguel Nicolelis, neurocientista (foto: EDÍLSON RODRIGUES/CB/D.A PRESS)
No fim da década de 1990, um conjunto de voluntários foi convidado para um experimento sobre a transferência de sensações do corpo para um objeto. No estudo, uma das mãos dos indivíduos permanecia escondida enquanto, próximo a ela, era posicionada a mão de um manequim, esta visível. De forma sincronizada, pinceladas eram aplicadas ao membro oculto e ao de mentira. Assim, a pessoa via o toque ocorrendo no manequim, mas experimentava uma sensação verdadeira. Os autores da pesquisa concluíram que, se a aparência e a posição da prótese fossem semelhantes às da mão real, os participantes passariam a considerar a peça como uma parte de seu corpo. Anos depois, outras investigações mostraram que o mesmo efeito ocorria independentemente da posição e da aparência da mão artificial. O fundamental era mesmo a sincronia de estímulos.

Relatado por Matthew M. Botvinick e Jonathan D. Cohen, ambos da Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos, o efeito ficou conhecido como “a ilusão da mão de borracha”. Contudo, o motivo pelo qual o cérebro humano era enganado dessa forma permaneceu um mistério. Agora, de acordo com um artigo publicado hoje na revista científica Pnas pelo neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, a sensação de que algo artificial é uma extensão do corpo pode ser explicada por uma hipótese com a qual ele trabalha desde o início de suas pesquisas à frente do projeto Andar de Novo. Segundo o especialista, testes com macacos mostraram que um estímulo visual pode ativar a área tátil do cérebro, responsável pelas sensações motoras.

“Esse é um resultado muito importante do ponto de vista da ciência básica, porque muda o conceito de como a imagem corpórea é criada pelo cérebro. Ao mesmo tempo, sugere, do ponto de vista da ciência aplicada, que qualquer prótese usada por um paciente que tem lesões da medula, por exemplo, poderá ser assimilada pelo cérebro como se fosse uma extensão do corpo”, afirma Nicolelis ao Correio.
A confirmação terá um impacto importante no Andar de Novo, que tem como objetivo a construção de um exoesqueleto que pode ser comandado por comandos cerebrais. A ideia do brasileiro é fazer com que, usando o equipamento, um deficiente físico sem os movimentos dos membros superiores e inferiores dê o chute inicial da Copa do Mundo de 2014, no Brasil. Com o novo conhecimento, será possível fazer o usuário do dispositivo não só chutar a bola, mas também senti-la.

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Os cincomódulos do exoesqueleto comandado por impulsos mentais: o objetivo é ajudar um tetraplégico a dar o pontapé inicial na Copa de 2014(foto: FACEBOOK.COM/REPRODUÇÃO DA INTERNET)
Os cincomódulos do exoesqueleto comandado por impulsos mentais: o objetivo é ajudar um tetraplégico a dar o pontapé inicial na Copa de 2014 (foto: FACEBOOK.COM/REPRODUÇÃO DA INTERNET)
No estudo apresentado na Pnas, Nicolelis fez com macacos um experimento semelhante ao conduzido nos anos 1990. Depois de terem microfios implantados nos conjuntos neuronais responsáveis pelas respostas tátil e visual, os primatas observaram em uma tela a imagem de um braço sendo tocado por uma bola, ao mesmo tempo em que um robô deslizou uma escova na pele de seus braços reais. O toque virtual e contato físico ocorreram tanto de forma sincronizada quanto dessincronizada. Os impulsos nervosos foram registrados e, alguns minutos depois, o estímulo tátil foi retirado, permanecendo somente o visual. Nessa hora, a área tátil do cérebro dos animais continuou a responder aos estímulos deferidos à mão virtual.“Os neurônios disparam bem mais tarde do que o normal, como se estivéssemos tocando realmente a mão do macaco. Isso sugere que essas respostas no córtex tátil são esculpidas primeiramente pelo córtex visual”, explica Nicolelis, pesquisador da Universidade Duke, nos Estados Unidos, e fundador do Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (IINL-ELS). A imagem do braço virtual chega ao córtex visual e, de lá, uma informação é transmitida ao córtex tátil. O cérebro do animal cria, então, a ilusão de que o membro na tela é parte do corpo do macaco.

O neurocientista detalha que o experimento funcionará de forma semelhante nos pacientes do projeto Andar De Novo, mesmo que eles não tenham a sensibilidade inicial utilizada para observar o fenômeno nos macacos. Para isso, o exoesqueleto terá um canal tátil artificial. “Cada vez que o paciente pisar no chão, ele terá um estímulo tátil entregue a uma porção da pele dele que ainda está enervada, que ainda tem sensibilidade. É aí que nós vamos reproduzir essa ilusão.”

A armadura que fará a sustentação do paciente e reproduzirá seus movimentos com base em estímulos neurológicos se encontra em processo de construção pela equipe internacional do Andar de Novo, que envolve profissionais de três continentes. Segundo Nicolelis, os trabalhos continuam dentro do cronograma previsto. “Agora, estamos montando o exoesqueleto e terminando de montar o nosso laboratório aqui na AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente) para realizar todos os estudos científicos que serão necessários.” Ele e sua equipe estão selecionando os voluntários para participar do projeto e, a partir do fim de setembro, devem começar a treiná-los. O exoesqueleto deve ficar pronto no fim do ano. Até lá, os pacientes selecionados começarão a trabalhar com a versão já existente de um andador robótico para se acostumar com o equipamento.


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