Carolina Cotta
A esperança para pacientes com eclâmpsia vem de Minas Gerais. Um tratamento inédito desenvolvido por um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em parceria com a União Química Indústria Farmacêutica, detentora da licença da patente do medicamento, entra em uma nova etapa de testes. Agora, o anti-hipertensivo específico para pré-eclâmpsia e eclâmpsia será testado em 100 pacientes com o diagnóstico da doença relacionada, a cerca de 40% das mortes ocorridas na gestação e partos. Anteriormente, a fórmula havia sido aplicada em 14 gestantes com pré-eclâmpsia grave e melhorou a função dos vasos sanguíneos.
Doença que atinge de 5% a 10% das grávidas, a pré-eclâmpsia ainda não tem causa esclarecida nem tratamento eficaz. Segundo Zilma Reis, professora do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da UFMG, que participa do projeto, o problema se manifesta com a elevação da pressão arterial, mesmo em mulheres que nunca tiveram pressão alta, e perda de proteínas na urina. Algumas têm maior risco de apresentar o problema, caso das grávidas de "primeira viagem", hipertensas antes da gestação, diabéticas, obesas, mulheres com história familiar ou prévia de pré-eclâmpsia e com gestação de gêmeos. Já a eclâmpsia é uma complicação grave da pré-eclâmpsia na qual a mulher apresenta problemas cerebrais manifestados em crises convulsivas.
O problema pode se manifestar de forma leve, geralmente uma elevação discreta da pressão arterial, ou de forma grave, com muitos sintomas e risco de morte para a mulher e seu bebê. O feto também sofre as consequências da pre-eclâmpsia que vão desde a desnutrição intrauterina, com restrição de crescimento fetal, ao nascimento prematuro e morte. Já os sintomas são decorrentes da lesão do endotélio. Os mais comuns são a perda de proteínas na urina, problemas na coagulação do sangue e no funcionamento do fígado, dor de cabeça acompanhada de distúrbios visuais e dor similar à de estômago.
Há 20 anos pesquisando o problema, o coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Nanobiofarmaceutica da UFMG (Nanobiofar) e responsável pelo estudo, Robson Santos, viu progressos expressivos nas últimas décadas. “Primeiro descobrimos que camundongos que não têm o receptor para a angiotensina – proteína que atua no controle cardiovascular, ajudando a dilatar as paredes das artérias – desenvolvem um quadro semelhante ao da pré-eclampsia. Depois percebemos uma redução dos níveis desse hormônio no sangue. Isso nos levou a concluir que na pré-eclampsia há uma redução dos níveis da angiotensina nessas gestantes.”
O medicamento testado, então, é baseado em um fragmento de proteína, a angiotensina (1-7). A substância, produzida em todas as células, integra o sistema renina-angiotensina, que atua na corrente sanguínea, nos rins e no coração. Com função vasodilatora, a angiotensina (1-7) regula a pressão arterial. Nas grávidas que sofrem de pré-eclâmpsia, há redução dos níveis dessa substância no plasma sanguíneo. Segundo o pesquisador, uma vantagens da molécula no controle da doença é o fato de não apresentar toxicidade para a mulher e o embrião, em qualquer de suas fases, pois é uma substância produzida pelo organismo humano, que aumenta naturalmente na gravidez normal.
“A maioria dos medicamentos anti-hipertensivos disponíveis são contraindicados para grávidas, pois podem desencadear malformação em órgãos dos fetos”, acrescenta. No futuro, o medicamento poderá ser inclusive testado para tratar a hipertensão de forma geral, apesar de seu grande diferencial ser a especificidade para a pré-eclampsia e eclâmpsia no momento em que consegue normalizar os níveis da angiotensina nas mulheres que sofrem sua redução. Se os testes avançarem, a próxima fase é o estudo multicêntrico, envolvendo outros centros de pesquisa do país e até do exterior.
Personagem da notícia
Luciana Horta Marra, decoradora
Ela perdeu um bebê
Aos 41 anos, a decoradora Luciana Horta Marra seguiu conselhos médicos: não vai mais engravidar. Mãe de Gabriela, de 3 anos, ela é forte candidata a ter mais um episódio de pré-eclâmpsia, doença que teve na primeira e na segunda gravidez, quando perdeu um bebê de cinco meses. O primeiro episódio ocorreu na gravidez de Gabriela, em 2009. Hipertensa, Luciana já tomava medicamento regularmente e cuidava da alimentação e da atividade física, tendo se planejado também para enfrentar o problema durante a gestação. No pré-natal, teve a medicação alterada e tudo correu bem até os sete meses, quando ela chegou a registrar pressão de 22 por 17. “Fizeram todas as tentativas para abaixar minha pressão. Cheguei ao limite da dosagem do remédio e conseguimos segurar a Gabriela por mais duas semanas. Mesmo assim ela nasceu prematura por causa do meu quadro de pré-eclâmpsia e ficou internada 23 dias.” Hoje a decoradora comemora a vitória, mas também se lembra do medo de perder a filha. “Era muita insegurança, Tinha lido bastante sobre a doença e fiquei assustada, com medo de ocorrer alguma coisa e eu não ter controle sobre aquilo. Não dormia mais, como medo de algo diferente acontecer”, lembra. A segunda gravidez foi ainda mais complicada. Luciana sentiu ainda mais os sintomas, como vertigem e uma espécie de dor estomacal, além de alteração na função renal. Dessa vez não foi possível salvar a criança, que morreu no quinto mês de gravidez. “Sabia que teria outro filho prematuro, e novamente tive muito medo. Era um menino”, recorda-se com carinho.