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Estado de Minas

Pequenos choques para calar os zumbidos

Estimulação eletromagnética é testada por cientistas da Universidade de Brasília como tratamento definitivo do incômodo barulho ouvido regularmente por 28 milhões de brasileiros


postado em 29/07/2012 07:37 / atualizado em 29/07/2012 07:38

Desde pequeno, sempre que tinha contatos prolongados com água, o publicitário Carlos Duarte, de 24 anos, sabia que a audição seria comprometida. “Ainda criança, eu tinha zumbidos no ouvido. Principalmente depois de nadar na praia e na piscina”, conta. O rapaz cresceu e, até hoje, a situação é a mesma. De tempos em tempos, é como se um inseto zunisse de modo irremediável em seus ouvidos. “Já procurei ajuda, mas o zumbido, como me informaram, é um problema genético e não tem cura”, reclama.

Assim como Carlos, 28 milhões de brasileiros sofrem do mal: uma espécie de desregulagem no delicado arranjo entre o cérebro, os ossos e as películas do ouvido que se torna, em muitos casos, um verdadeiro tormento na vida de quem tem o problema. A inconveniência é descrita como um chiado, um zunido de inseto e um barulho como o de um chuveiro. Pode ser intermitente, como no caso do brasiliense, ou constante. Nessa última situação, mais grave, torna atos cotidianos – comer, dormir e conversar, por exemplo – uma tarefa difícil e estressante.

Não há remédios que resolvam ou amenizem o problema. Os tratamentos são apenas paliativos, como a acupuntura. Mas um grupo de pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) pretende, com fraquíssimas correntes elétricas, encontrar uma solução para o problema, que vai minando aos poucos o humor e a disposição dos pacientes. Duas técnicas parecidas – a estimulação magnética transcraniana e a estimulação transcraniana por corrente direta – podem dar um alívio aos pacientes. Os dois modelos são testados com um grupo de 60 pessoas e, caso tenham a eficácia comprovada, poderão, em alguns anos, estar disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS).

A pesquisadora Karini Cavalcanti, que desenvolve o estudo pioneiro no Brasil como sua dissertação de mestrado, explica que pesquisas internacionais vêm mostrando a eficácia desse tipo de abordagem contra o zumbido. “Já existe uma ampla literatura no exterior sobre o uso da estimulação magnética em uma série de tratamentos, incluindo o zumbido”, conta a mestranda. Contudo, é a primeira vez que as técnicas são testadas em pacientes com déficit auditivo. “Alguns apresentam perda da capacidade de ouvir, o que piora muito o zumbido porque é como se o ‘silêncio’ fizesse o barulho do zumbido aumentar muito. Tratar essas pessoas é ainda mais complicado”, completa a fisioterapeuta.

Indolor Na estimulação magnética transcraniana, uma corrente elétrica em um aparelho específico gera uma espécie de campo magnético. O aparelho é posicionado sobre a cabeça do paciente, que fica “envolta” nessa corrente. Já no caso da estimulação transcraniana por corrente direta, um par de pequenos eletrodos são posicionados na cabeça do paciente e, por eles, passa uma fraquíssima corrente elétrica. “É um procedimento completamente indolor. O aparelho é ligado e a única coisa que o paciente ouve são alguns estalinhos. Dá para ficar batendo papo durante a sessão”, conta Maria*, que sofre dos zumbidos há cerca de uma década e participa dos primeiros testes desenvolvidos pelo grupo da UnB.

Os pesquisadores decidiram aplicar as duas técnicas porque existem indícios de que ambas possam dar bons resultados. “Na literatura médica, há pesquisa mostrando a eficácia no tratamento utilizando os dois modelos, mas a estimulação transcraniana por corrente direta é muito mais simples e barata que o outro modelo”, explica Cavalcanti. Enquanto o equipamento necessário para a estimulação magnética transcraniana custa entre R$ 300 mil e R$ 500 mil, o que aplica corrente diretamente custa R$ 5 mil. “Se pensarmos no contexto do SUS, seria muito mais viável a alternativa mais barata. Assim, se ambos demonstrarem resultados semelhantes, optaremos pelo mais em conta”, explica.

A pesquisadora é orientada por dois experientes médicos da UnB, os pesquisadores Joaquim Pereira Neto e Nasser Allam. No grupo de que eles fazem parte, outros males também estão sendo combatidos com o uso da estimulação eletromagnética. “Recentemente, conseguimos publicar um artigo de outro mestrando em uma importante revista psiquiátrica. Ele utilizava as mesmas técnicas e obteve sucesso no tratamento do transtorno obsessivo compulsivo (TOC)”, conta Allam. “Os estudos do nosso grupo sobre a aplicação no caso de pacientes com depressão estão mais avançados e têm mostrado ótimos resultados”, conta o pesquisador do Laboratório de Neurociência da UnB. Os métodos também estão sendo testados em pacientes que sofrem com o tabagismo e têm dificuldades de abandonar o vício.

Até o início de agosto, os pesquisadores vão manter os testes com os dois métodos. “Ainda há vagas para pacientes que queriam participar da pesquisa”, conta Karini Cavalcanti. Para ser voluntário no estudo, é preciso ter mais de 18 anos, sofrer de zumbido e apresentar laudo indicando a ocorrência de déficit auditivo. “Não há contraindicações, não é uma técnica invasiva e ela não apresenta efeitos colaterais, além de ser relativamente barata. Caso se confirmem as nossas expectativas, será um tratamento excelente, quase perfeito”, emenda o coorientador do estudo, Nasser Allam.


*Nome fictício por razões de ética na pesquisa


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