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Estado de Minas

Estudo revela que comer vermes pode ajudar na prevenção de doenças

Pesquisas sugerem que ingerir parasitas pode ajudar a combater doenças autoimunes, como diabetes e inflamações intestinais. Ainda experimental, a helmintoterapia leva adeptos a países onde a prática é permitida


postado em 06/09/2011 06:00 / atualizado em 06/09/2011 14:00

Eles são nojentos, fazem mal à saúde e, por isso mesmo, muita gente passa boa parte da vida tomando remédios para evitá-los. Ainda assim, há quem atravesse oceanos para comprar os mais variados tipos de vermes, com o objetivo de inseri-los no próprio organismo. A chamada helmintoterapia pode parecer loucura, mas, de acordo com pesquisas internacionais, é promissora no tratamento de doenças autoimunes — aquelas em que as células de defesa começam a atacar o corpo sem motivo aparente, resultando em males como diabetes tipo 1, lúpus e algumas formas de alergia.

Em nenhuma parte do mundo, exceto no México e na Tailândia, a terapia com vermes tem o aval das agências regulatórias. Nos Estados Unidos, na Austrália e em países da Europa, universidades e institutos de pesquisa têm realizado estudos desde a década de 1980, mas apenas de forma experimental. No Brasil, não há registros de pedidos para a realização de testes semelhantes.

Muitos pacientes de doenças autoimunes, entretanto, ignoram a proibição oficial e vão atrás dos vermes, onde quer que eles estejam. Foi graças à “automedicação” de um americano, em 2004, que o parasitologista P’ng Loke, professor do Centro Médico Langone da Universidade de Nova York, decidiu pesquisar o assunto. Acabou publicando, no ano passado, um artigo na renomada revista médica Science Translational Medicine.

Em 2003, o homem, um californiano então com 28 anos, foi diagnosticado com colite ulcerativa, doença inflamatória crônica do intestino que causa extremo desconforto às suas vítimas. O quadro do paciente era severo, e ele precisou ser medicado com drogas fortes, incluindo superdosagens de corticoides. “No início de 2004, como o paciente estava com diversas úlceras e abcessos, os médicos acharam que a única solução seria submetê-lo a uma colectomia, cirurgia de retirada do cólon”, conta Loke, em entrevista ao Estado de Minas. “Em vez disso, ele preferiu se infectar.”

Viagem

O homem viajou até a Tailândia, onde é permitida a venda de vermes para fins terapêuticos, e comprou ovos de T. trichiura, parasita que se alimenta da mucosa intestinal e, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), afeta 900 milhões de pessoas, principalmente na África e na Ásia. Primeiro, ele ingeriu 500 ovos, retirados de uma menina de 11 anos e cultivados in vitro. Três meses depois, engoliu mais mil ovos. No ano seguinte, estava livre da doença e de seus sintomas.

As imagens dos exames do paciente são de embrulhar o estômago. Os vermes, que se parecem com pequenas minhocas brancas, passeiam livremente pelo cólon — mas não há sinais de inflamações. O tecido intestinal estava intacto, prova de que os parasitas não provocaram danos ao organismo. Durante três anos, a colite ulcerativa não o incomodou. Até que o número de vermes começou a diminuir, passando de 15 mil por grama para menos de 7 mil. A doença voltou, e o paciente decidiu se infectar novamente. Voltou a Tailândia e ingeriu, dessa vez, 2 mil ovos. Clinicamente, estava curado.

De acordo com Lock, a ideia de que vermes podem curar doenças autoimunes é antiga (leia “Para saber mais”), mas, até agora, não se sabia o porquê. “Nosso estudo sugere que a infecção com esse parasita em particular aumenta ou restaura a produção de muco no cólon, promovendo alívio da doença”, diz. A falta de produção de muco está associada aos sintomas da colite, como dor abdominal e diarreias frequentes.

Quando analisaram as amostras de tecido do paciente, Lock e seus colegas da Universidade de Nova York descobriram um alto número de células CD4+T, que compõem o sistema imunológico e produzem uma proteína inflamatória chamada interleucina-17. Já os tecidos retirados depois da ingestão dos vermes, quando a doença estava em remissão, continham grandes quantidades de células produtoras da interleucina-22, uma importante substância na proteção do muco. Para os cientistas, ao expelir o verme o sistema imunológico aparentemente ativa células especializadas que aumentam a produção de muco em todo o cólon.

Embora deixe claro que não é um defensor da terapia com vermes, P’ng Lock acredita que mais pesquisas poderão levar ao desenvolvimento de tratamentos mais eficazes do que os remédios atuais — eles ainda não curam, apenas amenizam os sintomas. O especialista alerta, contudo, que testes com humanos só devem ser realizados depois de se confirmar a segurança da terapia. “Pode ser que a infecção com vermes acabe provocando inflamações e exacerbando ainda mais os sintomas”, diz.


Saiba mais: Hipótese da higiene

Nas últimas décadas, diversos cientistas buscam explicações para o aumento dramático de doenças autoimunes e alergias em países industrializados. Alguns males, como esclerose múltipla, artrite reumatoide e doença de Crohn, tornaram-se mais prevalentes na última metade do século 20. O aumento da incidência ocorreu concomitantemente à melhoria da qualidade de vida e das condições de higiene. Já nos países menos desenvolvidos, doenças autoimunes continuam raras. Para muitos pesquisadores, é evidente que mudanças ambientais estão relacionadas ao desenvolvimento de problemas como diabete 1 e asma. Uma dessas alterações, do ponto de vista da imunologia, é a erradicação da exposição aos vermes. Esses organismos complexos teriam efeitos significativos no sistema imunológico, prevenindo ou inibindo a expressão das doenças autoimunes.

Fonte: The effect of infections on susceptibility to autoimmune and allergic diseases, de Bach, J.F.

Outros casos de sucesso

Vermes e outros parasitas não são, aparentemente, eficazes apenas no caso de doenças do aparelho digestivo. Na Universidade de Nottingham, na Inglaterra, cientistas usaram ratos selvagens para testar o papel de piolhos no combate à asma. “Muitos problemas de saúde nos humanos modernos são causados pela superativação das respostas imunológicas. O sistema imunológico deveria ser capaz de diferenciar invasores estranhos de suas próprias células, mas às vezes ele erra, atacando o corpo ou respondendo de forma exagerada a substâncias que não são perigosas. Nesse último caso, surgem as alergias”, diz ao Estado de Minas Jan Brandley, professora de parasitologia da universidade.

De acordo com ela, pouco se sabe sobre o sistema imunológico de mamíferos sob condições naturais, por isso a equipe optou por estudar ratos selvagens. Eles descobriram que um tipo de piolho, o Polyplax serrata, é capaz de suprimir a resposta imune que desencadeia alergias respiratórias ao secretar alguma substância a partir da saliva, diretamente no animal. “Algo em nosso sistema imunológico mudou desde nossos bisavós. Ele foi alterado, principalmente nos países desenvolvidos. Não estou dizendo que infectar as pessoas com vermes e piolhos seja algo bom, mas essas pesquisas podem levar à criação de novos remédios, baseados nos parasitas”, acredita.

Compreensão


Alergias na pele também parecem ser beneficiadas pela helmintoterapia. A instituição de pesquisa inglesa Wellcome Trust financiou um estudo em Uganda, na África, com 2.507 grávidas e constatou que quando elas eram tratadas com vermífugos a chance de a criança nascer com eczemas crescia. Os cientistas concluíram que a exposição a parasitas ainda no útero protege o bebê contra esse tipo de alergia, que, além de coceiras, pode provocar feridas graves na pele.

“Evidentemente, infecções por vermes podem afetar negativamente a saúde da pessoa, mas também há benefícios, no sentido de que modificam a resposta do sistema imunológico”, disse ao EM Harriet Mpairwe, principal autora do estudo. “No caso da pesquisa em Uganda, quase o dobro das crianças cujas mães foram tratadas com vermífugos desenvolveram eczema ou asma quando estavam mais velhas”, relata. “Antes de recomendar qualquer tratamento, porém, precisamos entender melhor por que isso acontece”, ressalta.

A texana Dayna Cook, de 32 anos, é um exemplo de que nem sempre a terapia com vermes funciona. Estimulada por um fórum de discussões on-line, resolveu testar o método. Desde criança, a professora sofre de eczema, e em maio do ano passado foi ao México para injetar sob a pele ovos de ancilóstomos, um verme que vive naturalmente no intestino. “Meu caso é severo e já tentei de tudo: terapia com laser, fototerapia, diversos tipos de remédios”, disse.

A primeira inoculação foi de 35 ovos. Em maio passado, fez a terceira. “Vejo as pessoas comemorando seus resultados, mas, infelizmente, até agora não vi qualquer benefício. Ainda assim, tenho muita fé na helmintoterapia e ainda espero que minha história mude de curso.” (PO)

 


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