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Estado de Minas

Arma genética impede que a malária se agrave

Estudo publicado por cientistas alemães e ganeses revela que crianças portadoras de um determinado gene relacionado à autodestruição dos glóbulos brancos têm 30% menos chance de desenvolver a forma mais severa da doença


postado em 24/05/2011 17:49

Há exatamente um ano, Jerson Alvim, 66 anos, passava férias em Luanda, Angola. O período, que era para ser de descanso e diversão, acabou sendo preenchido por dores, espasmos, febre alta, muito suor e um mal-estar tão grande que o produtor musical mal conseguia sair da cama. Depois de dois dias, veio o diagnóstico: ele estava com malária, doença causada pelo protozoário do gênero Plasmodium e transmitida pelo mosquito Anopheles. Jerson teve um caso grave da doença, que atinge anualmente 500 milhões de pessoas ao redor do mundo, em especial na América Latina, no Sudeste Asiático e na África subsaariana. Ligada às populações mais pobres, permanece sem formas eficazes de controle e prevenção.

Uma pesquisa divulgada na última edição do periódico especializado Ploas Genetics, no entanto, trouxe uma nova esperança para pessoas como Jerson, que desenvolveram casos graves do mal. O estudo, feito com cerca de 6 mil crianças de Gana, na África, descobriu que um gene relacionado ao processo de autodestruição dos glóbulos brancos, responsáveis pela defesa das células, ajuda a diminuir a incidência da forma mais intensa do mal — que pode, inclusive, levar à morte.

Feito por cientistas do Instituto de Medicina Tropical Bernhard Nocht, de Hamburgo, na Alemanha, e da Kumasi University, de Gana, o estudo mostrou que crianças que possuem a variação genética, ao contrair o protozoário, têm 30% menos chances de a doença evoluir para a forma severa. “Em nosso estudo, verificamos que as crianças com a variante têm uma maior expressão do receptor CD95 na superfície das células brancas do sangue. O CD95 é o responsável justamente pelo suicídio celular”, contou ao Correio a pesquisadora alemã Kathrin Schuldt, uma das responsáveis pelo estudo.

A especialista explica que, embora tenham menos chances de desenvolver malária grave, os portadores da variante genética apresentam a mesma possibilidade de adquirir a forma branda do mal. “Os portadores da variante não estão completamente protegidos contra a malária, mas desenvolvem sintomas menos graves. Embora continuem a ser infectados, são menos propensos a apresentar complicações com risco de morte”, explica a cientista alemã. Embora a pesquisa tenha sido feita com meninos e meninas — as maiores vítimas da malária grave —, o mesmo se aplica a adultos.

Variáveis
Três fatores contribuem para o desenvolvimento da forma grave da doença: o grau de infestação pelo Plasmodium (ou seja, quanto mais agentes infecciosos, mais grave é caso); o tipo de infestação (uma variante do protozoário conhecida como falcípara contribui para o surgimento de casos letais); e a resposta imune do organismo. “Quando o protozoário entra no sangue, os glóbulos brancos geram uma resposta imune a eles. Quando essa resposta é muito intensa, os sintomas, como febre, dores e sudorese, são mais fortes”, explica Cláudio Ribeiro, do Laboratório de Pesquisa em Malária da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro.

Assim, quando as células brancas estão programadas para terem ciclos de autodestruição, a resposta imune dada à malária é mais baixa. “É como se, de tempos em tempos, o paciente tivesse uma queda de imunidade. Isso impede que a sintomatologia da doença seja muito intensa. A inflamação é menos grave”, explica Ribeiro. Com menos febre, menos espasmos e menos dores, o doente tem mais forças para se recuperar da infecção. “O gene age especificamente nos mediadores inflamatórios, que são substâncias derivadas dos agentes infeciosos e que ativam o gatilho da resposta imune”, completa o especialista carioca.

Os pesquisadores alemães e ganeses têm dois desafios antes que o resultado da pesquisa se traduza em benefícios diretos para o paciente. O primeiro deles é descobrir se a variante genética que atua no mecanismo de morte programada dos glóbulos brancos está presente em outras populações além da de Gana. Como há séculos esses povos convivem com a doença, eles podem ter desenvolvido uma resposta diferente da normal ao problema. “Estamos planejando para descobrir se esse efeito protetor está presente em outras populações que vivem em regiões endêmicas de malária”, explica Kathrin.

Quando essa fase for concluída, os pesquisadores devem chegar à última etapa do processo: o desenvolvimento de medicamentos que promovam o suicídio celular. “Como esse é um estudo, abordando os mecanismos moleculares durante uma infecção pelo falcíparo, ainda há um longo caminho para encontrar um alvo novo da droga ou uma intervenção contra a malária”, conta a pesquisadora. “Mais estudos baseados em nosso resultado, entretanto, podem contribuir para controlar a malária”, completa Kathrin.

 


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