
No estudo, os cientistas avaliaram a atividade do cérebro durante partidas de shogi, um jogo popular no Japão muito semelhante ao xadrez. Os jogadores se revezam no tabuleiro, sendo que os movimentos dependem do tipo de peça. O objetivo é derrubar o rei do adversário. A diferença da versão japonesa para o xadrez convencional é que peças capturadas podem ser incorporadas ao exército inimigo. Se o jogador quiser, ele poderá usá-las para preencher espaços estratégicos do tabuleiro.
“Principalmente por causa dessa característica, os movimentos do shogi são mais complexos do que os do xadrez”, explica ao Estado de Minas Keiji Tanaka, vice-diretor do Instituto do Cérebro e autor da pesquisa. “Profissionais que jogam o shogi repetidamente afirmam que a melhor jogada vêm à mente intuitivamente. Eles usam o tempo restante da partida para buscar estratégias de alto nível para vencer o adversário. Aqui, ser intuitivo significa que a ideia para movimentar uma peça é gerada de forma rápida e automática, sem passar pela busca consciente de soluções. O processo é, em grande parte, implícito. Isso ocorre rotineiramente entre profissionais.”
Segundo Tanaka, jogos de tabuleiro são uma boa ferramenta para o estudo dos mecanismos por trás da cognição porque precisam obedecer a uma série de regras bem definidas. “Existe um histórico de estudos psicológicos sobre o xadrez nos últimos 100 anos”, conta. Apesar de exames por imagem terem encontrado poucas atividades específicas no cérebro dos experts, os processos automáticos neurais ainda não são bem compreendidos. “Tentamos revelar esses mecanismos que estão por trás da rápida percepção do padrão apresentado no tabuleiro e a geração, em seguida, dos melhores movimentos, medindo as atividades cerebrais dos indivíduos enquanto eles jogavam shogi”, contou o pesquisador.
Em um segundo Estudos psicológicos prévios demonstraram que a geração intuitiva de jogadas profissionais é baseada na percepção rápida do padrão do jogo. Para verificar se, do ponto de vista fisiológico, essas pesquisas estavam corretas, a equipe de Tanaka realizou primeiramente ressonâncias magnéticas funcionais para explorar os circuitos neurais específicos que são ativados no cérebro dos jogadores.
Inicialmente, os pesquisadores apresentaram tabuleiros usados em jogos semelhantes: três versões de shogi e duas de xadrez. Os jogadores também foram confrontados com imagens que não têm qualquer relação com o shogi, como rostos e paisagens. Os jogos de tabuleiro, mas não as outras cenas, estimularam a atividade em uma área do córtex cerebral chamada precúneo em todos os jogadores de shogi. Testes de diagnóstico por imagem realizados anteriormente demonstraram que essa região está geralmente associada a tarefas que envolvem a percepção visual e espacial complexa.
Tanaka e seus colegas, então, pediram que os jogadores mostrassem qual seria o melhor movimento executado em uma partida, em duas circunstâncias. Na primeira, eles tinham apenas um segundo para estudar o padrão do jogo. Na segunda, dispunham de oito segundos. O objetivo foi verificar se os experts realmente podiam confiar apenas na intuição, já que um segundo é uma fração de tempo muito curta, sendo impossível tomar uma decisão racional.
Quando tiveram de executar o movimento em curto prazo, o cérebro dos jogadores profissionais apresentou uma atividade no núcleo caudado, associado à formação de memórias. Essa estrutura integra o gânglio basal, uma das partes mais antigas e primitivas do cérebro, encontrada em muitos animais, além do homem. No cérebro dos amadores, isso não ocorreu. “Nossos resultados sugerem que, nos jogadores amadores, a resolução de problemas ocorre principalmente na estrutura do cérebro desenvolvida recentemente. Mas, nos profissionais, uma parte importante do processo ocorre em uma antiga estrutura do cérebro”, diz Tanaka. “É essa diferença que torna o processo mais rápido e inconsciente no caso dos experts.”
Em entrevistas realizadas depois dos experimentos, os jogadores profissionais relataram que, apesar de não perceberem toda a sequência de movimentos que executam até chegar ao xeque-mate, eles geralmente conseguem visualizar como as peças deverão estar dispostas no tabuleiro para atingir o objetivo do jogo, que é a captura do rei. Os movimentos intermediários não vêm às suas mentes, apenas o passo final que poderá levar ao xeque-mate.
Habilidade adquirida
A capacidade de tomar decisões rápidas durante jogo de tabuleiro é adquirida com muito treino. O pesquisador do Instituto do Cérebro Riken Kenichi Ueno explica que os jogadores profissionais de shogi não nascem com essa habilidade, mas a cultivam ao longo do tempo. “Eles fazem um treinamento diário que dura de três a quatro horas, durante um certo número de anos, até serem considerados experts”, diz. O cientista explica que essa formação a longo prazo pode resultar na ativação do núcleo caudado e do precúneo.
“Aspectos funcionais do gânglio basal e das conexões anatômicas de áreas do cérebro podem fornecer pistas para futuras elucidações sobre o processo de geração de informações”, acredita Ueno. O psicólogo Merim Milalic, pesquisador da Universidade de Tüebingen, na Alemanha, concorda que o estudo das funções cerebrais associadas ao jogo de xadrez ajuda a compreender o processo de aprendizagem. “Comparar amadores com experts nos fornece insights únicos a respeito da cognição”, diz. No início do ano, Milalic publicou um estudo na revista especializada PloS sobre a memória visual, a partir da análise de estímulos cerebrais dos jogadores de xadrez.
A equipe do pesquisador comparou a performance de profissionais e amadores em tarefas ligadas à acuidade visual. “Como esperado, não houve diferenças nos estímulos cerebrais nos testes que apenas exibiam os tabuleiros, sem que pedíssemos que os participantes imaginassem uma jogada. Já em relação à análise do movimento dos olhos, notamos que os experts imediatamente focavam apenas os aspectos relevantes do xadrez, como uma peça importante. Já os amadores examinavam coisas aparentemente irrelevantes para o jogo”, conta.
Segundo Milalic, a pesquisa mostra como a prática faz com que as pessoas “treinem” os olhos para identificar o que realmente importa em uma situação. "Todos nós somos especialistas quando se trata da vida cotidiana, de fatos ou cenários aos quais somos expostos com frequência. Geralmente, temos de fazer escolhas complexas todos os dias. Essa é uma das razões de o jogo de xadrez ser usado como importante paradigma de pesquisa sobre a cognição."

