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Estado de Minas JAPÃO

"Perdi tudo, menos o surfe"

Koji Suzuki, surfista japonês vítima do tsunami que devastou a costa de Fukushima há nove anos, conta sua história de dor e amor ao esporte


postado em 11/03/2020 04:00

(foto: Fotos: CHARLY TRIBALLEAU/AFP)
(foto: Fotos: CHARLY TRIBALLEAU/AFP)



Harumi Ozawa
AFP

Como todas as manhãs, faça chuva ou faça sol, Koji Suzuki, de 64 anos, pega sua prancha e vai até a praia para domar as ondas que batem contra a costa de Fukushima, um dos lugares mais bonitos do Japão.

Sua praia de Minamisoma fica a cerca de 30 quilômetros ao norte da usina nuclear de Fukushima Daiichi. O surfista ainda guarda na memória imagens de 11 de março de 2011, quando um gigantesco tsunami causado por um terremoto submarino de magnitude 9.0 devastou a costa nordeste do Japão.

As águas levaram seu bairro inteiro, cerca de 70 casas, e também sua loja de surfe. “Perdi minha casa, meu emprego, minha loja. Minha mãe morreu durante a evacuação e meu pai alguns meses depois”, disse ele.



Koji voltou a surfar em Minamisoma, a 30 quilômetros da Usina de Fukushima, assim que os níveis de radioatividade na água ficaram seguros. O tsunami devastou a cidade
Koji voltou a surfar em Minamisoma, a 30 quilômetros da Usina de Fukushima, assim que os níveis de radioatividade na água ficaram seguros. O tsunami devastou a cidade


“Perdi tudo, menos o surfe”, diz ele, lembrando-se daquele dia em que saiu de carro para fugir do tsunami, deixando tudo para trás, exceto duas pranchas curtas que estavam por acaso em seu carro. Quando ele voltou ao local, no verão de 2011, a praia ainda estava coberta por escombros de casas.

A catástrofe de Fukushima Daiichi, o pior acidente nuclear da história depois de Chernobyl, na então União Soviética, continuou a causar vazamentos radioativos, forçando 160.000 pessoas a deixar suas casas.

“Era uma visão angustiante, mas o oceano, por outro lado, ainda estava lá, como sempre (...), e eu disse a mim mesmo que se não voltasse para a água essa costa estaria morta por toda a eternidade”, explica Suzuki.

Depois de se certificar de que os níveis de radioatividade não eram perigosos, ele entrou na água uma manhã quando os salva-vidas ainda vasculhavam a praia em busca de pessoas desaparecidas. Ele retomou naquele dia sua prática diária do surfe, como sempre fez durante décadas.
“Eu surfo cerca de 250 dias por ano”, diz ele saindo da água, com a prancha curta debaixo do braço. “Faço uma pausa no réveillon e no dia seguinte. No resto do ano, venho ver o mar todos os dias.”

Estigmatizada Nove anos após a tragédia nacional, o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, quer fazer das Olimpíadas de Tóquio'2020 uma vitrine do progresso na reconstrução da região de Fukushima, onde o revezamento da chama olímpica deve começar em 26 de março.

O surfe também será pela primeira vez uma modalidade olímpica este ano, mas os testes serão realizados na praia de Tsurigasaki, em Chiba, a leste de Tóquio.

Suzuki diz apreciar o fato de Fukushima ser apresentada como um local seguro durante o evento olímpico, mas não acredita nos “Jogos da reconstrução” proclamados pelo governo.

“Fukushima nunca se recuperará”, disse ele. “Nunca poderei voltar para onde morava e continuar com minha loja... Fukushima vai ficar estigmatizada na história para sempre.”

Resíduos O Japão enfrenta o desafio do que fazer com cerca de um milhão de toneladas de água contaminada armazenada em cisternas gigantes na fábrica de Fukushima Daiichi.

Essa água radioativa do sistema de refrigeração, das águas subterrâneas e das águas pluviais é filtrada para remover a maioria dos isótopos, com exceção do trítio.

A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) apoia o governo japonês em seu projeto de despejar a água no Oceano Pacífico. Mas a vizinha Coreia do Sul questiona a segurança dessa medida, enquanto os pescadores da região temem por sua reputação.

No verão passado, a cidade de Minamisoma abriu oficialmente a praia aos visitantes pela primeira vez desde o acidente. “Foi maravilhoso ver as crianças entrarem nas ondas. Elas nunca haviam sentido o gosto da água salgada”, diz Suzuki.

O surfista não consegue imaginar uma vida sem o surfe. “Quando eu tiver 70 anos e for difícil lidar com uma prancha curta, vou considerar a mudança para a longa.”

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