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O futebol e a crise venezuelana

Cruzeiro e Atlético se preparam para enfrentar dois clubes no país de Maduro e jornalista não recomenda aos torcedores mineiros acompanhar os jogos na Venezuela por causa da violência


postado em 01/03/2019 05:10

(foto: QUINHO)
(foto: QUINHO)


“O futebol sempre vai ser um reflexo da sociedade. A Venezuela passa por uma crise terrível, e o futebol não escapa dela.” O jornalista Diego Chacón dá o tom do momento vivido no seu país, onde Atlético e Cruzeiro jogarão pela fase de grupos da Copa Libertadores contra Zamora e Deportivo Lara, respectivamente, e os desdobramentos desta crise no esporte mais popular do mundo. Chacón não recomenda aos torcedores mineiros acompanharem seus times ao país.

Para entender a situação dramática pela qual passa a Venezuela, o Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta que a inflação deva atingir 10.000.000% neste ano. De acordo com a Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal) das Nações Unidas, a Venezuela teve uma queda no Produto Interno Bruto (PIB) de 15% no ano passado, com baixa de 8% neste ano. Por causa da crise, a população sofre com a fome, falta de atendimento na saúde e violência. A opção para muitos é deixar o país: cerca de 3,4 milhões de pessoas deixaram a Venezuela desde que a crise se intensificou.

O futebol também manifesta os efeitos da crise. Algumas equipes da Primeira Divisão atrasam salários e têm dificuldade até com a alimentação dos jogadores. O impacto é menos sentido em grandes equipes, casos de Zamora e Deportivo Lara. O treinador colombiano Wilson Gutiérrez, que comandou o Carabobo no ano passado, conta as dificuldades que enfrentou. “Houve momentos em que os jogadores não recebiam salários. Depois, vimos que as coisas ficaram mais complicadas. Muitas vezes era difícil fazer uma dieta hipercalórica para o gasto energético dos atletas. Em termos de alimentação, não havia o que era solicitado pela comissão técnica. O que mais faltava era frango. E, quando pedia, te davam apenas macarrão”, disse o treinador.

A falta de alimentação de qualidade fez jogadores do Llaneros, um time que ascendeu à Primeira Divisão, protestar durante um jogo no ano passado. Os atletas combinaram com o adversário ficar um minuto sem tocar na bola. “Há um tempo atrás algumas equipes foram denunciadas por parte dos jogadores porque a alimentação era bastante pobre, comiam arroz e repolho, estamos falando de Llaneros, uma equipe da Primeira Divisão. Assim como este caso temos outros de alimentação bastante pobre”, conta o repórter Chacón.

A crise fez aumentar as taxas de violência. Segundo a Anistia Internacional, a Venezuela registra 89 homicídios por cada 100.000 habitantes, três vezes maior que o do Brasil. O jornalista Chacón faz um alerta sobre o nível de insegurança e desaconselha a ida de atleticanos e cruzeirenses ao país. “Vou falar da crise na minha perspectiva: temos, por exemplo, de usar transporte público. Não é simples como deveria ser pegar um ônibus e percorrer a cidade. Primeiro, porque já não há tantos ônibus. Segundo, você corre o risco de ser assaltado, vão roubar seu celular, seu notebook, seu material de trabalho, que é caro e aqui não se compra mais. A segurança é um ponto crítico ao torcedor que vier à Venezuela. E está cada dia pior”, ressaltou.

Não é só a população que sente a violência nos deslocamentos. Isso ocorreu com o time do Trujillanos, em 2016, quando estava em Boca de Uchire, no estado de Anzoátegui. O ônibus com os jogadores foi roubado, causando forte comoção entre os atletas. Depois do episódio, o governo venezuelano passou a escoltar os ônibus dos times de futebol.


Clubes de BH planejam logística


Atlético e Cruzeiro já estão planejando estratégias especiais para os jogos na Copa Libertadores. O clube celeste vai ao país primeiro, em 23 de abril, enfrentar o Deportivo Lara, em Barquisimeto, no estado de Lara, no Noroeste do país. Já o Galo enfrenta o Zamora em 7 de maio, em Barinas, também no Noroeste do país.

A Raposa estuda levar mantimentos para uso da delegação, como água e alimentação. A diretoria confirmou que, diante do contexto caótico que vive a Venezuela, buscará se blindar de todas as formas para ter o melhor rendimento possível no país vizinho.

O Atlético tem como grande preocupação a segurança dos jogadores. O vice-presidente do clube, Lásaro Cândido da Cunha, explicou: “Já estamos atuando nisso, mas não vamos entrar em detalhes. Sabemos da dificuldade de logística, da insegurança, vamos apresentar nossa posição à Conmebol também. Posso dizer que todas as questões estão sendo estudadas”, disse.

O Galo volta à Venezuela, onde esteve em 2014 para enfrentar o próprio Zamora pela Copa Libertadores. Naquela ocasião, a crise ainda era tímida. “Já havia um certo ar de crise, um descontentamento, mas longe do que se vê hoje. Não tivemos problemas com o hotel nem a alimentação, existia uma normalidade, embora já era possível notar certo desabastecimento para a população local, faltavam algumas coisas nos mercados. Era o início da crise”, disse o diretor de comunicação do Atlético, Domênico Bhering, que estava na delegação alvinegra naquela ocasião.


Governo usa o esporte para maquiar a realidade

O governo venezuelano tenta usar os esportes mais populares, como beisebol e futebol, para tentar passar uma imagem de normalidade no país, dizem jornalistas locais. É possível observar a politização do futebol tanto no nível institucional das federações quanto dos clubes.

Um dos dirigentes da Federação Venezuelana de Futebol (FVF) é um dos mais ferrenhos aliados do presidente Nicolás Maduro. Trata-se de Pedro Infante Aparício. Ele é ministro do Esporte e segundo vice-presidente da FVF. O perfil dele no Twitter, com mais de 83 mil seguidores, traz a seguinte descrição: “Soldado da Pátria. Hoje, ministro da Juventude e Esporte. Militante da revolução, Batalhão Desportivo Bolívar, Chávez e Martí, 100% anti-imperialista”.

Segundo determinação da Fifa, as federações nacionais não podem ser submetidas ao poder político local, com possibilidade de punição. O Estado de Minas/Superesportes entrou em contato por e-mail com a FVF, mas não foi respondido até a publicação da reportagem.

Há também uma forte relação entre os clubes e o chavismo. O próprio rival do Atlético, por exemplo, é de propriedade do irmão mais novo de Hugo Chávez – ex-presidente venezuelano, antecessor de Nicolás Maduro –, Adélis. Ele assumiu o comando do Zamora em 2009, embora participasse da administração desde 2002.

Chávez, embora um fanático do beisebol, era torcedor do Zamora. O clube é de Barinas, cidade natal do líder político, morto em 2013 em decorrência de um câncer. No município, que tem cerca de 500 mil habitantes, há placas em referência ao ex-líder político. Muitas delas no Estádio Agustín Tova.

As imagens de Chávez estão por todo lado, como na sala de imprensa, em que há um quadro com uma foto do ex-líder político. Em outra, há um grande painel com o rosto de Chávez com um leve sorriso e um braço indicando o caminho, seguido da seguinte mensagem: “No meu muito recordado estádio... O Zamora... não se rende! Para sempre... Zamorano eterno!”.

Já o dono do Deportivo Lara, rival do Cruzeiro, é o jovem empresário Jorge Giménez. Assim como o Zamora, a equipe de Barquisimeto é considerada uma referência em gestão esportiva, apesar da crise. É o clube mais jovem que disputará esta edição da Copa Libertadores, com fundação datada em julho de 2009. Esta será a terceira Copa Libertadores do Lara, que, anteriormente, disputou a competição em 2013 e 2018. Na última edição da Copa Libertadores, o clube levou 7 a 2 do Corinthians, demonstrando a sua fragilidade.

Um repórter venezuelano que preferiu não ser identificado com medo de represálias critica as vantagens dos empresários do futebol. Pelo bom relacionamento e para usar o futebol como bandeira política, o governo autorizou os clubes a comprarem dólar no câmbio do Centro Nacional de Comércio Exterior (Cencoex). Eles adquirem pelo preço oficial e ganham lucros no mercado paralelo, usado pela grande maioria do país e muito mais caro, já que acompanha os índices reais da crescente inflação.

“A maioria das equipes está ligada a chavistas fieis ao governo, que fizeram grande riqueza através do futebol. Usam o futebol para ganhar dinheiro e fazem negócios obscuros. Têm vantagens no câmbio. Há clubes mais poderosos, e os que têm menos dinheiro estão sendo fortemente afetados pela crise. Apesar desse momento, a liga de futebol segue caminhando mesmo com a crise porque o governo quer fingir uma normalidade que não existe. E aqui, tanto o beisebol quanto o futebol são fonte de propaganda do governo”, disse.

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