Foto de uma jovem alegre vestida de pijama está na cama em casa sob um cobertor dormindo.

Foto de uma jovem alegre vestida de pijama está na cama em casa sob um cobertor dormindo.

(freepik/drobotdean)

Quando se pensa em sonambulismo, é muito comum vir à mente a imagem de uma criança andando pela casa de pijaminha. Entretanto, essa é uma condição clínica também comum entre os adultos. Cerca de 30% referem ter apresentado pelo menos um episódio de sonambulismo na vida, e 3% a 4% destes relatam pelo menos um episódio no último ano. É mais comum entre aqueles com história familiar dessa condição e naqueles que têm quadros psiquiátricos como ansiedade, depressão e transtorno obsessivo-compulsivo . Entre as crianças, a frequência é maior e os estudos apontam que uma em cada cinco apresentará alguma vez essa condição.

Um episódio de sonambulismo geralmente dura menos de 15 minutos, mas pode chegar a mais de uma hora. Qualquer evento que influencie o estado de equilíbrio do cérebro pode desencadear o fenômeno naqueles que têm predisposição. Podemos listar privação de sono, álcool, medicações, estresse , febre, entre outros.

 

O sonâmbulo mantém os olhos abertos, não responde aos estímulos do meio e, muitas vezes, realiza tarefas complexas como se vestir, arrumar a cozinha e até sair de carro. No outro dia, o paciente não se recorda do que fez e, quando acordado no meio do episódio, mostra-se confuso. Metade deles apresenta sonolência diurna no dia seguinte, um sinal de que o sono não foi reparador.


Há algum tempo ainda se acreditava que o sonambulismo era um fenômeno de sonhar acordado, mas não é bem isso o que acontece. O sonambulismo inicia-se na fase do sono não associada aos sonhos. É uma forma de estar acordado pela metade. A parte do cérebro responsável pelos movimentos está acordada, mas aquela associada à consciência e a processos cognitivos ainda dorme. Adaptar a casa para evitar acidentes é importante, e o tratamento medicamentoso é indicado especialmente para as pessoas que têm maior risco de acidentes.

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Os cuidados voltados ao ambiente em que o sonâmbulo dorme não devem ser vistos como exagero. O sonambulismo provoca acidentes em cerca de metade daqueles que sofrem dessa condição. O curioso é que até 80% dos acidentados não acordam durante esses episódios, como se estivessem em um estado de analgesia. Sentem as dores no corpo só no outro dia. Há descrição de queda de uma altura de três metros sem despertar!

Existe um mito de que não devemos acordar um sonâmbulo, pois ele pode nos agredir. Não é por aí. Na verdade, não precisamos acordar o sonâmbulo. Vamos conversando calmamente e sugerindo que ele volte para a cama e, em casos de risco iminente de acidente, aí sim devemos acordá-lo. De uma forma geral, no sonambulismo, no pesadelo, no terror noturno, não precisamos acordar a pessoa, já que ao despertar ela terá muito mais chances de se lembrar do episódio, que frequentemente gera estresse psíquico.

Se o sonâmbulo demonstra sinais de medo intenso devemos pensar em terror noturno, uma variante do sonambulismo, e ambos podem ocorrer na mesma pessoa. Por outro lado, se percebemos que a pessoa está atuando no seu próprio sonho, como se estivesse lutando com alguém, por exemplo, aí pensamos no transtorno do sono REM, condição mais frequente em adultos de meia idade ou mais.

No pesadelo, a pessoa não faz essa atuação, pois no sono REM, que é quando acontece a maioria dos sonhos, o sistema motor está desativado para que a pessoa não encene seu sonho ou pesadelo. No caso do transtorno do sono REM, o raciocínio de acordar ou não a pessoa não é diferente, já que em situações de risco, devemos acordar o paciente. Aqui o risco recai também sobre outrem que dorme na mesma cama. Medicações podem ser indicadas e, muitas vezes, há a recomendação que os casais durmam em camas separadas.

Por último, chamo a atenção para alguns tipos de crises epilépticas durante o sono que podem parecer sonambulismo. São bem menos comuns que o sonambulismo e a pessoa pode iniciar movimentos estereotipados ainda na cama, como o de pedalar deitado ou outros padrões de movimentos repetitivos. Aqui o diagnóstico requer a experiência clínica de um neurologista e, por vezes, é necessária a monitorização do eletroencefalograma durante a noite.

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília