A inflamação crônica pode levar a várias doenças, como as neurológicas ou vasculares
Imagine que chega uma nuvem de mosquitos na sua casa e você faz o que é preciso para acabar com essa "ameaça".
Você pega um inseticida, borrifa e os mosquitos morrem ou vão embora. Ou seja, o inseticida cumpriu sua função.
Isso pode acontecer com as inflamações.
Quando surge uma infecção, um machucado ou algo tóxico, a inflamação vem como uma resposta do seu corpo para lutar contra esses males.
Nesse processo, o corpo libera substâncias químicas como anticorpos e aumenta o fluxo sanguíneo para a área danificada, o que desencadeia uma resposta do sistema imunológico.
É o que acontece quando nos cortamos, por exemplo. A área afetada fica imediatamente inflamada, vermelha e dolorida, e gradualmente o tecido é substituído, até cicatrizar.
Uma resposta rápida é um exemplo de boa inflamação.
Mas, como na analogia do inseticida, a resposta excessiva do sistema imunológico pode ser prejudicial.
Corpo em alarme constante
Quando a ameaça parar, a inflamação também deve parar.
Mas pode acontecer que nosso sistema imunológico continue em alerta e, portanto, continue reagindo ao que considera estranho. É como se permanecesse detectando a presença de um intruso que não está mais lá.
"O sistema imunológico continua trabalhando contra esse tecido. Pode acontecer, por exemplo, com os antígenos do coração na miocardite. Assim, a resposta inflamatória passa a ser não mais aguda, mas crônica", explica a médica Diana Alecsandru, diretora de imunologia e infertilidade do Instituto de Infertilidade, na Espanha.
A inflamação crônica prolongada é perigosa porque altera muitos processos do corpo.
Isso mesmo que ela seja uma inflamação crônica de baixo grau, mas constante — ou seja, uma inflamação lenta e pouco grave.
A inflamação crônica descontrola "todas as funções do organismo e desencadeia todo tipo de doenças, como câncer, alergias, asma e condições autoimunes", diz o médico Mario López Hoyos, presidente da Sociedade Espanhola de Imunologia.
Os especialistas citam ainda problemas especificamente de saúde reprodutiva, como falhas na implantação do embrião e abortos.
Em 2018, a revista Nature publicou um estudo mostrando que mais de 50% de todas as mortes no mundo são atribuíveis a doenças relacionadas a inflamações: cardiopatias isquêmicas, acidentes vasculares cerebrais, câncer, diabetes, doenças autoimunes e neurodegenerativas, entre outras.

Diante de uma ameaça, o sistema imunológico é ativado e nossa corrente sanguínea se enche de leucócitos
Getty ImagesPor que acontece esse 'erro'?
A inflamação pode persistir porque uma infecção ou machucado não cicatrizou bem, por exemplo.
Outro caso é o dos distúrbios autoimunes, em que o sistema de defesa ataca por engano o tecido saudável ou o organismo em geral.
A inflamação crônica também pode ser causada pela exposição prolongada ao ar poluído ou a produtos químicos.
Precisamos lembrar também das mudanças no estilo de vida nos últimos 50 anos.
"Nossa microbiota (microrganismos do sistema digestivo) vem mudando para pior com a industrialização. Comemos mais alimentos industrializados, mais coisas que fazem mal à saúde. E esse equilíbrio entre bactérias boas e oportunistas é quebrado", diz Alecsandru.
Também não ajudam em nada o estresse, sono de má qualidade, o fumo, a ingestão de álcool, má alimentação rica em gorduras, pouca exposição ao sol e baixa vitamina D.
Sintomas
López Hoyos aponta que toda inflamação, de acordo com parâmetros médicos clássicos, é detectada de quatro maneiras: dor, tumor (no sentido de inchaço), rubor e perda de função.
Pensemos, por exemplo, em um corte na mão: vai doer, a área vai inchar, vai ficar vermelha e, se o caso for sério, podemos perder a mobilidade.
Essa sequência acontece, em geral, em todos os órgãos que ficam inflamados. Mas não é tão fácil perceber uma inflamação crônica de baixo grau, muito menos diagnosticá-la.
"Existem marcadores que dão pistas, mas é preciso encontrar de onde vem [a inflamação] e o que está gerando isso", diz Alecsandru.
A médica acrescenta que os sintomas de inflamação crônica de baixo grau às vezes são tão comuns que ficam camuflados, como fadiga, fraqueza, infecções recorrentes e resfriados constantes.
Outro sinal da inflamação crônica é quando aparecem problemas de pele recorrentes, como eczema e psoríase.
"A pele é nosso maior órgão, há muitas células imunológicas sob a pele e esse é o primeiro indicador que vem à tona", explica Alecsandru, que também aponta para a qualidade dos cabelos e unhas.
Há também sintomas do sistema digestivo, como feridas na boca, digestão pesada, flatulência e abdômen inchado.

Infecções recorrentes, como amigdalites, são sinal de alerta da inflamação crônica
Getty ImagesA médica diz também que as infecções por fungos são um indicador-chave.
"É um excelente indicador de inflamação crônica, de que estamos inflamados até o último fio de cabelo. É o marcador de desequilíbrio da nossa flora e perda de imunidade na mucosa."
Mas, sem dúvida, afirma Alecsandru, as infecções recorrentes são o indicador mais claro de que há uma inflamação crônica.
"O sistema imunológico trabalha para curar, mas se não fizer nada além disso, fica cansado e não funciona tão bem. Assim, temos mais otites, mais amigdalites, mais infecções urinárias ou genitais."
Como evitar a infecção crônica
Se você desconfia que o que está causando a inflamação crônica são hábitos de vida pouco saudáveis, uma primeira forma de afastá-la é mudá-los.
Mas se você já tem uma inflamação crônica, existe uma maneira de combatê-la?
Lopez Hoyos afirma que quanto antes agir, melhor.
"Se já começou [a inflamação crônica], é um problema, porque o fogo já está se alastrando e o terreno está queimado. Quanto mais cedo reverter isso, melhor", diz o médico, destacando que a primeira coisa a se fazer, quase sempre, é perder peso e melhorar os hábitos de vida.
Usando a analogia do especialista, se o incêndio já começou, o ideal é procurar um médico o quanto antes. Nutricionistas também podem auxiliar no processo com melhorias na alimentação e na nossa microbiota.
*Para comentar, faça seu login ou assine