homem com medicamento

homem com medicamento

Towfiqu Barbhuiya/Unsplash

A correria do dia a dia e as preocupações com trabalho, estudos, filhos, contas a pagar marcam a vida adulta. Particularmente para os mais jovens, dar início a essa caminhada, em meio aos obstáculos que se impõem, é difícil. Ansiedade, depressão e outras questões psicológicas podem surgir e refletir também na saúde física. Uma pesquisa publicada na revista European Journal of Preventive Cardiology destaca que pessoas com idade entre 20 e 30 anos com transtornos mentais têm uma probabilidade até três vezes maior de sofrer um ataque cardíaco ou derrame.

O estudo liderado por Eue-Keun Choi, professor do departamento de cardiologia da Universidade Nacional de Medicina de Seul, na Coreia do Sul, analisou a relação entre transtornos psicológicos em adultos de 20 a 39 anos e os riscos de infarto e acidente vascular cerebral isquêmico, quando há obstrução de uma artéria. A partir dos resultados, Choi destaca a importância de acompanhamento médico efetivo a pacientes jovens com transtornos mentais. "Isso inclui exames regulares, modificações adequadas no estilo de vida e tratamento para prevenir infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral isquêmico."

Leia também:
'Morte lúcida': as pessoas com nível de consciência quando o coração para

 

No trabalho, a equipe de Choi recorreu a um banco de dados do Serviço Nacional de Seguro de Saúde da Coreia (NHIS), que reúne informações de toda a população do país. No total foram analisados mais de seis milhões de habitantes entre 20 e 39 anos que haviam realizado exames de saúde entre 2009 e 2012 e não apresentavam histórico de ataque cardíaco ou acidente vascular cerebral (AVC).

Do total de pacientes, 13,1% tinham pelo menos um transtorno mental. O mais comum foi a ansiedade, diagnosticada em 47,9% dessa parcela. Em seguida, estava a depressão, que acometia 21,2% dessas pessoas, pouco acima da insônia, que chegou a 20% de prevalência. Outras questões, como transtornos bipolar, alimentar e pós-traumático ou causados por uso de substâncias também foram verificadas, mas em menor porcentagem.

Leia também: Doença de Chagas: conheça os riscos para o coração

Os pesquisadores constataram que durante o acompanhamento houve 16.133 infartos e 10.509 acidentes vasculares cerebrais. Verificou-se que os pacientes com qualquer tipo de transtorno psiquiátrico apresentaram uma chance 58% maior de sofrer ataque do coração e 42% superior de ter um AVC, quando comparados a pessoas sem as patologias.

A probabilidade de desenvolver um problema cardíaco foi 3,1 vezes maior naqueles com estresse pós-traumático. Quem tinha diagnóstico de esquizofrenia apresentou 2,6 vezes mais propensão, e quem convivia com transtorno bipolar ou de uso de substâncias mostrou 2,4 vezes mais possibilidade de enfartar.

Conforme aponta o artigo, a ameaça de AVC também aumentou diante de quase todos os problemas de saúde mental, exceto estresse pós-traumático e distúrbios alimentares. As chances triplicaram para pacientes com transtorno de personalidade. Foi ampliada em 2,9 vezes para pessoas com esquizofrenia, 2,6 vezes para pacientes com transtorno bipolar, 2,4 vezes para aqueles diagnosticados com transtorno por uso de substâncias, e 1,6 para quem tem depressão.

Alerta

Márcia Neiva, neurologista do hospital DF Star, reforça que o estudo, como outros que seguem a mesma linha, advertem sobre a possibilidade de desenvolver doenças cérebro e cardiovasculares mesmo sem apresentar fatores de risco mais clássicos, como idade, pressão alta, diabetes, colesterol alto e arritmias. "A pesquisa serve de alerta para que o cuidado com a saúde mental, desde muito cedo, deve estar entre as medidas preventivas para evitar o infarto e AVC. O cuidado com a saúde mental deve ser priorizado como política de saúde pública", recomenda.

O artigo também relacionou a incidência dos problemas de acordo com idade e gênero. Depressão, ansiedade, esquizofrenia e transtorno de personalidade foram ligados a maiores riscos de ataque cardíaco em participantes na faixa dos 20 anos na comparação com aqueles com 30 anos ou mais. Além disso, mulheres com depressão e insônia foram mais associadas a chances de infarto e derrame quando contrapostas a homens com o mesmo quadro.

Segundo o líder da pesquisa, não foi possível explorar completamente o motivo das diferentes associações entre transtorno pós-traumático e distúrbios alimentares e ataque cardíaco e AVC. "Esperamos profundamente ver estudos futuros que expliquem os diferentes impactos prognósticos desses dois transtornos mentais para infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral isquêmico", assinala Eue-Keun Choi.

Psiquiatra do Hospital Anchieta, Pedro Leopoldo de Araújo Ortiz explica que, comprovadamente, ansiedade e estresse geram um processo inflamatório crônico que possibilita o desencadeamento de doenças para as quais os pacientes já têm propensão. Ele destaca também que quadros de agitação levam ao desenvolvimento de hipertensão, um fator de risco para infarto e AVC.

"Os hábitos modernos estão muito atrelados a isso, nós estamos virando robôs, cada vez mais temos coisas para resolver e não damos atenção em nós mesmos. Apesar de termos mais informação, pioramos nossos hábitos de vida, de alimentação, de sono e também hábitos relacionais", observa o psiquiatra.

Aprofundamento

O médico Amauri Araújo Godinho, membro titular da Sociedade Brasileira de Neurologia, acredita que a relação entre problemas de saúde mental e probabilidade aumentada de sofrer AVC ou infarto se dá pelas condições que as doenças psiquiátricas causam aos pacientes. "Uma pessoa deprimida acaba sendo mais retraída, tem menos disponibilidade para fazer atividades físicas. O esquizofrênico, dependendo do seu status, tem uma vida social mais restrita. Isso pode fazer com que desenvolvam, por exemplo, obesidade, fora os medicamentos que são utilizados, que podem elevar o risco de patologias cardiovasculares."

O neurologista aponta para a necessidade de mais investigações que confirmem as descobertas. "O estudo é de observação, esse tipo de pesquisa tem um nível de evidência baixo, porque estabelece uma relação aleatória, que pode ter significância. Não é um estudo experimental, que testa fatores que possam influenciar naquele comportamento", justificou.

Por meio de um comunicado, o professor Eue-Keun Choi enfatizou que pesquisas futuras poderão examinar "os benefícios cardiovasculares de gerenciar problemas psicológicos e monitorar a saúde do coração nesse grupo vulnerável."