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Estado de Minas PEC DA TRANSIÇÃO

Governo eleito busca blindagem jurídica para elevar gasto em 2023

PEC da transição propõe crédito extraordinário, que dispensa negociação com Congresso


04/11/2022 19:30 - atualizado 04/11/2022 20:51

Aluísio Mercadante, Gleisi Hoffmann e Geraldo Alckmin
PEC da transição dispensa negociações com o Congressso, mas esbarra em travas técnias (foto: AFP/Evaristo Sá)
A aprovação da chamada PEC (proposta de emenda à Constituição) da transição é considerada por técnicos e uma ala de parlamentares a via mais segura do ponto de vista jurídico para autorizar a ampliação de gastos almejada pela equipe do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2023.

A possibilidade de um plano B passou a ser citada por aliados do petista após integrantes do TCU (Tribunal de Contas da União) sugerirem dispensar a PEC e ampliar as despesas via edição de créditos extraordinários --verbas que ficam fora do teto de gastos e, nesse caso, seriam liberadas por uma MP (medida provisória) assinada por Lula após sua posse em 1º de janeiro.

A corte de contas vê precedentes para permitir a elevação dos gastos por esse caminho, o que livraria o governo recém-eleito de empenhar seu capital político em uma negociação delicada para a aprovar uma mudança constitucional, que requer apoio de 308 dos 513 deputados e 49 dos 81 senadores.

No entanto, pessoas que participam da discussão das medidas, ouvidas pela reportagem sob condição de anonimato, afirmam que o uso dos créditos extraordinários não resolve todas as barreiras que existem hoje.

O crédito extraordinário fica fora do teto de gastos, regra que limita o avanço das despesas à inflação, mas segue sendo contabilizado na meta fiscal e na chamada regra de ouro do Orçamento --que impede a emissão de dívidas para bancar despesas correntes, como é o caso dos benefícios sociais.

A meta hoje permite um déficit de até R$ 65,9 bilhões, rombo que ficará muito maior com a ampliação de despesas pretendida pelo novo governo. Seria necessário o envio, pelo Poder Executivo, de um projeto de lei pedindo a alteração da meta fiscal. O texto precisaria ser aprovado pela CMO (Comissão Mista de Orçamento) e depois pelo Congresso.

A regra de ouro também poderia ficar em situação de desequilíbrio. Para descumpri-la, a Constituição exige a aprovação de um crédito suplementar ou especial por maioria absoluta do Congresso. Esse tipo de crédito fica dentro do teto de gastos --não fora, como precisaria o novo governo.

Na avaliação de técnicos, a sobreposição de regras fiscais acaba colocando a equipe de transição em uma encruzilhada: ou descumpre o teto, ou descumpre a regra de ouro. As duas estão previstas na Constituição. Por isso, a leitura desse grupo é que a PEC é a saída mais factível para dar segurança jurídica à resolução do Orçamento.

Nesta sexta-feira (4), o ex-governador do Piauí e senador eleito Wellington Dias admitiu que a opção de consulta ao TCU sobre o crédito extraordinário está sendo avaliada, mas afirmou que a PEC é a via mais segura.

"Nós temos essa alternativa da PEC. O Tribunal de Contas da União tem também essa alternativa do crédito extraordinário. Porém, nós estamos fixados aqui para termos muita segurança para esse projeto de emenda, e a partir daí a redação desse projeto de emenda constitucional", disse.

A negociação da PEC da transição foi acertada pela equipe de Lula com o relator do Orçamento de 2023, senador Marcelo Castro (MDB-PI), em reunião nesta quinta-feira (3).

A PEC é tida como necessária para evitar um apagão social no ano que vem, já que a proposta de Orçamento enviada em agosto pelo governo Jair Bolsonaro (PL) assegura apenas um valor médio de R$ 405,21 no Auxílio Brasil, além de impor cortes severos em programas habitacionais e também no Farmácia Popular.

Além do acréscimo ao piso nacional, a proposta também vai autorizar gastos extras para assegurar a continuidade do benefício mínimo de R$ 600 do Auxílio Brasil, pagar o benefício adicional de R$ 150 por criança com até seis anos, reduzir as filas do SUS (Sistema Único de Saúde), ampliar as ações de saúde indígena e merenda escolar, além de destravar recursos para investimentos.

Críticos da alternativa dos créditos extraordinários apontam nos bastidores outros obstáculos. A Constituição diz que os instrumentos são reservados às despesas "imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública".

Embora a recomposição dos gastos sociais seja considerada urgente pela maioria dos técnicos e atores políticos, paira uma dúvida sobre a possibilidade de enquadrar despesas como aumento do salário mínimo e recomposição do programa Farmácia Popular como imprevisíveis.

Técnicos que atuam na área das contas públicas ironizam que as despesas são "tão imprevisíveis" que o novo governo e o Congresso já as conhecem com dois meses de antecedência de 2023. Há a avaliação de que, se o TCU der aval a esse tipo de medida, significará uma fragilização adicional das regras fiscais.

Mesmo o precedente citado dentro do TCU guarda algumas diferenças. Em 2016, a corte de contas permitiu a abertura de um crédito extraordinário para bancar despesas da Justiça do Trabalho, que sofria com a falta de recursos. Naquele caso, porém, o governo Michel Temer (MDB) tomou posse em maio, com o Orçamento já aprovado e em execução.

No contexto atual, as despesas em questão estão em discussão no Congresso e com a proposta orçamentária ainda em aberto --o que põe em xeque a noção de imprevisibilidade, necessária para driblar o Orçamento tradicional.

Pessoas que participam das discussões alertam que dificilmente os técnicos do Executivo, que produzem os documentos que subsidiam as decisões de qualquer ministro e presidente da República, assinarão uma nota que dê sinal verde a um crédito extraordinário nessas circunstâncias.

Essa visão é corroborada por técnicos experientes que já integraram diferentes gestões do governo federal. A assinatura dos atos ficaria a cargo do novo ministro da Fazenda, que ainda não foi indicado por Lula.

Até mesmo os créditos extraordinários liberados em meio à pandemia da Covid-19, como os que bancaram o auxílio emergencial, foram editados somente após a aprovação de PECs, justamente para dar maior segurança a quem assinava as medidas.

A busca por uma alternativa à PEC tem um pano de fundo político. Como mostrou a Folha de S.Paulo, a articulação da proposta dá ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), um poder de barganha valioso diante da urgência da aprovação do texto.

A votação até meados de dezembro é considerada fundamental para o primeiro ano da gestão Lula, e Lira tem forte influência sobre o ritmo de análise da proposta. O fortalecimento do presidente da Câmara incomodou aliados históricos de Lula, como o senador Renan Calheiros (MDB-AL), que disputa com Lira influência sobre seu reduto eleitoral, Alagoas.

Renan disse à coluna Painel, da Folha de S.Paulo, que a PEC é uma "barbeiragem". Segundo ele, não era necessário "se entregar dessa forma" ao centrão.

Outro risco apontado nos bastidores é que a PEC seja usada para constitucionalizar as chamadas emendas de relator, usadas como moeda de troca nas negociações políticas e que são controladas pela cúpula do Congresso Nacional.

As emendas de relator são previstas hoje apenas na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e são renovadas ano a ano. A inclusão delas na Constituição as tornaria permanentes, e o Executivo seria obrigado a executá-las. O centrão tem interesse por uma medida nessa direção.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou nesta sexta ao canal Globonews que não mexer na Constituição seria melhor, mas que é possível uma PEC caso os técnicos vejam necessidade de maior segurança jurídica.

"Haverá, por parte do Congresso Nacional, toda a boa vontade para apreciar a PEC da Transição e, com o diagnóstico técnico e sem extravagâncias, colocar em prática o que foi prometido na campanha do governo eleito", afirmou em rede social.

 


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