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Estado de Minas Crise institucional

Judiciário mantém cautela frente à postura moderada de Bolsonaro

Recuo do presidente após ataques aos ministros do STF e TSE é visto com prudência. Afrontas desferidas nas manifestações no 7 de setembro ainda preocupam


27/09/2021 04:00 - atualizado 27/09/2021 08:15

Fontes dizem que permanece desconfiança no STF, presidido por Luiz Fux, que fez grave pronunciamento condenando ameaças ao Judiciário
Fontes dizem que permanece desconfiança no STF, presidido por Luiz Fux, que fez grave pronunciamento condenando ameaças ao Judiciário (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
Brasília – O Judiciário ainda não está convencido de que o país deixará de viver novos ataques aos poderes que garantem a democracia, como ocorreu durante as manifestações de 7 de Setembro. Depois de discursos inflamados e críticas fervorosas ao Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), baixou a guarda e tem adotado uma postura mais branda nos discursos recentes.


Bolsonaro fez uma série de ameaças ao STF e à democracia durante as manifestações do feriado da Independência. Enquanto os manifestantes pró-governo pediam a destituição de todos os ministros do STF, o presidente disse, no auge dos protestos, que não obedeceria mais às ordens do Supremo.

Pressionado e isolado, o mandatário divulgou uma ‘Carta à Nação’, escrita com a ajuda do ex-presidente Michel Temer, recuando de todos os ataques e afirmando que iria trabalhar em prol da “harmonia entre os poderes”.

Fontes ouvidas pelo Correio Braziliense, dos Diários Associados, afirmam que, ainda assim, o clima no Judiciário segue com desconfiança e pouco crédito ao presidente. Porém concordam em que, enquanto Bolsonaro mantém o comportamento moderado, não existe clima para a abertura de um pedido de impeachment do presidente.

Por outro lado, Bolsonaro também desagradou uma parcela dos seus apoiadores mais radicais que acreditavam que ele iria manter o posicionamento de ataques às instituições.

Desolados, os bolsonaristas têm postado nas redes sociais de lideranças ligadas a caminhoneiros e motociclistas, mensagens que expressam o sentimento de abandono e de desconfiança. Um dos mais indignados com o recuo presidencial foi o pastor Jackson Vilar, organizador de uma motociata em São Paulo, em junho.

Após a carta do presidente, ele divulgou vídeo em que chama o presidente de “calça frouxa” e anunciou rompimento com Bolsonaro.

Na avaliação do cientista político Leonardo Queiroz Leite, doutor em administração pública e governo pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), a radicalização do atual governo é a principal responsável pela instabilidade entre os poderes.

“A Justiça prendeu muita gente e investigou em outros governos. Mas não víamos essa agressividade. Isso cria um desgaste desnecessário e uma tensão. Fica mais nítido no caso do Supremo, por ser a última instância e fortemente politizado”, ressalta.

Para o advogado constitucionalista e cientista político Nauê Bernardo de Azevedo, o radicalismo dos manifestantes que atacaram o Supremo ainda vai persistir.

“É um longo processo de radicalização da exclusão do outro, de inabilidade de lidar com o contrário, de impossibilidade de debater com tranquilidade e honestidade os assuntos mais sérios. Isso não é exclusivo apenas do bolsonarismo, apesar de ser mais pulsante nesta ala da população”, avalia.

A maioria dos ministros do STF expressou publicamente, a exemplo do presidente da Corte, Luiz Fux, a indignação diante dos ataques e movimentos autoritários. Em duro pronunciamento, Fux disse que o desrespeito a decisões do STF representa crime de responsabilidade.

“Ninguém fechará esta Corte. Nós a manteremos de pé, com suor e perseverança”, afirmou. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), também defendeu o respeito entre Legislativo, Executivo e Judiciário, e afirmou que a política feita com “agressividade” e “desrespeito” era um caminho “nefasto” e “sem volta”.

O Superior Tribunal de Justiça manteve a mesma posição do STF e dos membros da Corte Suprema contra os ataques ao Judiciário. Procurado pelo Correio, o órgão informou: “O STF já se pronunciou em nome do Poder Judiciário e dos magistrados brasileiros! Os poderes da República são autônomos, independentes e harmônicos entre si, nos termos da Constituição Federal”.

O jurista Marco Aurélio Carvalho aponta que, nesse caso, uma das saídas para que STF se proteja de novos ataques seria uma requisição ao Procurador-Geral da República, Augusto Aras, para a instauração de um procedimento administrativo para apurar a conduta do presidente.

“Pode ser, inclusive, tipificada como crime de responsabilidade e abre-se, portanto, o início do chamado processo de impeachment”, afirma.

Para Carvalho, a nova postura de Bolsonaro não é suficiente para apagar o comportamento durante as manifestações. “Não podemos passar a mensagem de que atentado à Constituição, a rigidez das instituições e a harmonia dos poderes podem ser relativizados. Ao contrário, eles formam precedentes para que novos ataques possam ser feitos”, diz.

Eleições


Mesmo com o resfriamento da temperatura, o presidente Jair Bolsonaro ainda deve enfrentar o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A Corte conduz inquérito que apura a disseminação de fake news.

O pedido é baseado nos constantes ataques, sem provas, feitos pelo mandatário às urnas eletrônicas e ao sistema eleitoral do país. Crítico das máquinas, Bolsonaro passou os últimos dois anos e meio afirmando que houve fraudes nas eleições de 2018. Porém, nunca apresentou provas.

Outro fator que pode ter peso na moderação do discurso de Bolsonaro é um dos principais alvos de ataque do presidente e seus aliados e apoiadores: Alexandre de Moraes. Alvo de ataques, o ministro será o presidente do TSE em 2022, ano das eleições presidenciais.

Perguntas para...

Delaíde Miranda Arantes/ministra do Tribunal Superior do Trabalho

“Consequência do respeito à Constituição”

(foto: Ana Volpe/Agência Senado - 28/4/16)

Ao alertar para o risco que ataques ao Judiciário podem representar à democracia e ao estado de direito, a ministra Delaíde Miranda Arantes, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), afirma que acompanha a situação do Brasil com preocupação. A harmonia entre os poderes, segundo ela, é fruto da preservação da Carta Magna do país.

O Judiciário foi atacado pelo Executivo e por apoiadores do governo. Qual é o risco dessa postura para as instituições?
O maior risco é para a democracia e o estado de direito, conquistados pelos brasileiros com muita luta, ao alto custo de muitas vidas e de resistência à ditadura militar, por mais de 20 anos em nosso país. Até o atual chefe do Poder Executivo Central assumir o poder, a Nação vinha evoluindo rumo à consolidação da democracia. Contudo, o que estamos assistindo agora é a prática crescente e reiterada de violações a garantias e preceitos democráticos, com sérios riscos à Nação e ao povo brasileiro.

A senhora considera que o recuo dado pelo presidente da República nos ataques ao STF e ao TSE foi suficiente para resolver a crise entre as instituições?
A afirmação e atitudes do presidente Jair Bolsonaro sobre restabelecimento da harmonia entre os poderes é preciso ser vista com cautela, porque as suas práticas de passado recentes de críticas ao Judiciário e de seus integrantes, de críticas ao Superior Tribunal Eleitoral (TSE) e seu presidente, bem como práticas que tem adotado em outras áreas (saúde, meio ambiente) não avalizam as “intenções e atitudes” ora manifestadas de público. Avalio esse momento como bastante preocupante. As crises se acirram (crise política, econômica, sanitária, da COVID-19), as denúncias de atos de desrespeito à Constituição crescem a cada dia. Há o negacionismo quanto à COVID-19, que vem sendo demonstrado e que contribuiu para a morte de mais de meio milhão de pessoas no Brasil.

O Judiciário tem um papel fundamental na sociedade. Como manter a união dos poderes?
O Judiciário vem cumprindo esse papel conforme estabelecido na Constituição Federal Cidadã de 1988. Quando se fala em união, não se pode exigir união tão somente por parte do Poder Judiciário. Não pode ser uma exigência do Executivo a todo preço, mas precisa ser decorrência do respeito e da independência que a Constituição Federal assegura aos Poderes da República e que o Estado Democrático de Direito exige. Manter a união do Poder Judiciário com o Poder Executivo será a consequência e decorrência natural do respeito à Constituição Federal e aos preceitos federativos que balizam a Democracia e garantem o Estado de Direito, por parte do Poder Executivo e de seu mandatário.



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