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Estado de Minas Eleições 2020

Coronavírus não impediu a festa da cidadania

Idosos fizeram questão de comparecer às seções eleitorais. Máscara, álcool em gel e cola com números dos candidatos formaram o kit básico na 'eleição da pandemia'


16/11/2020 04:00 - atualizado 16/11/2020 07:13

No colégio Estadual Central, idosa exibe cartaz, pedindo prioridade na fila para exercer o direito de votar (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press )
No colégio Estadual Central, idosa exibe cartaz, pedindo prioridade na fila para exercer o direito de votar (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press )
O domingo nasceu bem ensolarado, de um azul forte, com o astro-rei lançando os “raios fúlgidos” para saudar o Dia da Democracia, iluminar os caminhos dos eleitores e aquecer as esperanças nas próximas administrações municipais e câmaras legislativas. Mas o primeiro pleito em tempos de pandemia do novo coronavírus fez estremecer um pouco o coração de dona Heleninha, de 75 anos, moradora da Região Sul de Belo Horizonte. Ela quase não saiu de casa desde março, a não ser para ir ao médico ou para comprinhas básicas. Na noite de sábado, foi se deitar apreensiva, como se nunca tivesse votado, pensando que tal aperto no peito não tinha sentido para quem é do tempo das cédulas de papel e fez a transição, sem traumas, rumo à urna eletrônica.

A inseparável neta caçula Leninha, de quase 16, foi a companhia escolhida pela professora aposentada para ir à seção eleitoral. Elas acordaram bem cedo, a fim de aproveitar o horário das 7h às 10h, destinado aos eleitores com mais de 60 anos, e caminharam, lado a lado, até a escola onde dona Heleninha cursou o primário (atual fundamental) e guarda lembranças que, de tão boas, jamais envelheceram.

“Não me esqueci de trazer a sombrinha. Vai que chove... E peguei duas canetas, uma azul e uma preta”, contou a senhora, para ouvir a resposta imediata da adolescente, que a fez relaxar e cair na risada: “Ô, vó! Isso não é prova do Enem, não! Nem adianta trazer borracha. Votou, acabou.”

Ao lembrar que a eleição municipal chegou a ser adiada devido à COVID-19, dona Heleninha deu uma ajeitada nas laterais da máscara, enquanto a neta conferia, no celular, as redes sociais e portais de notícias. Na entrada da escola, tirou da bolsa o título, a “cola” e o frasco de álcool em gel para higienizar as mãos. Até sentiu um certo alívio. “Nunca pensei na vida que teríamos uma eleição assim. Mas é importante para não ficar doente, né?”, comentou.

Cidadania

Quando as duas chegaram à seção eleitoral, Leninha ficou do lado de fora, no jardim da escola, enquanto a avó votava para prefeito e vereador. Esperou alguns minutos na fila, conferiu o espaçamento ditado pelo protocolo sanitário e recebeu, à porta, uma esguichada de álcool em gel.

Convidada a entrar, só não gostou quando o mesário pediu, delicadamente, que abaixasse a máscara. Então se lembrou de que, em oito meses, deixara de pintar os cabelos de castanho-médio para deixar os fios brancos ao natural. Vaidosa, resmungou entredentes: “O tempo passa para todo mundo”.

Novo esguicho nas mãos e dona Heleninha estava pronta para voltar para casa, com a sagrada missão do dever cumprido na forma do pleno exercício da cidadania e do direito de votar. “O que mais me surpreendeu foi a pressa das pessoas e o silêncio”, relatou a aposentada.

Santinhos

Na volta para casa, avó e neta se espantaram com a quantidade de santinhos espalhados nas ruas, centenas deles grudados no asfalto feito tatuagem, e outro tanto nos muros, parecendo uma pichação desengonçada.

“Puxa vida! Entra ano, sai ano e esses candidatos mais se parecem com o Sujismundo. Não tomam jeito mesmo!.” A neta arregalou os olhos, deixou a tela do celular por um instante, e perguntou: “Quem é esse, vó?”. Mais uma risada, meio de saudade: “Sujismundo era o personagem de uma campanha, nos anos 1970, contra os porcalhões que jogavam lixo na rua, faziam bagunça. Está mais atual do que nunca. Agora que já contei minhas histórias, me fala o que você leu aí sobre este domingo de eleições no país”, respondeu dona Heleninha.

“Tá rolando muita coisa, mas o dia está tranquilo. São 15,8 milhões de eleitores só aqui em Minas. E as mulheres são maioria, 52% do eleitorado”, comentou a adolescente. Para começar, uma confusão em Santa Vitória, no Triângulo Mineiro: “Três vereadores, três candidatos à Câmara Municipal, um secretário municipal e um cabo eleitoral, todos investigados por compra de votos, foram alvos de mandados de busca e apreensão por parte da Polícia Civil”. Mais tarde, esse número aumentaria – até as 11h30 de domingo, sete candidatos já haviam sido presos no estado por crime eleitoral, conforme a Polícia Militar.

Diante do monte de santinhos grudados na calçada, Leninha avisou: “Cuidado, vó! Vi que um senhor quase escorregou nessa sujeirada”.

Crianças armadas

Vestido de Papai Noel, Mário de Assis distribuiu simpatia, mas lamentou não poder trabalhar como o bom velhinho no Natal(foto: Acervo pessoal )
Vestido de Papai Noel, Mário de Assis distribuiu simpatia, mas lamentou não poder trabalhar como o bom velhinho no Natal (foto: Acervo pessoal )
O bancário José, de 35, morador do bairro Jaraguá, na Região da Pampulha, foi votar por volta das 11h, quando estava chovendo. Cumpriu todo o ritual sanitário, sem se esquecer de digitar o número de seus candidatos com a caneta. Tomou o cuidado de passar álcool em gel na tampinha azul.

No caminho, José assistiu a uma cena que, segundo ele, é o contrário de tudo o que deseja para a cidade, o estado e o Brasil, ainda mais num dia de festa para a democracia e a liberdade de escolha. Posando todo sorridente para fotos, estava um pai acompanhado dos filhos, na faixa dos 7 e 9 anos, ambos com fantasias de policial. Nas mãos, as crianças carregavam armas de brinquedo, réplicas de metralhadoras.

“Fiquei espantado. Como é que um pai tem a coragem de fazer isso com as crianças no dia da eleição? Pior de tudo é presenciar muita gente fotografando, achando bonitinho”, comentou José, impressionado. “Estava com meu celular, mas jamais faria esta foto. Tenho vergonha. A cena só fortaleceu o meu pensamento de que não é esse o caminho.”

Papai Noel

A menos de dois meses do Natal, o Papai Noel apareceu para votar – com roupa vermelha, gorro e título de eleitor. O tradicional bom velhinho, personificado pelo professor Mário de Assis, reclamou que, desta vez, não poderá “trabalhar” em dezembro devido à pandemia.

“As prefeituras estão de olho, então Papai Noel não estará nos shoppings”, afirmou. Mas bom velhinho é bom velhinho. Sorridente, o professor fez a alegria de quem estava na seção onde  ele votou no domingo.


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