São Paulo - As cidades de Frei Paulo e Campo do Britto, interior de Sergipe, ficam a menos de 30 km uma da outra. Ambas têm 15 mil habitantes e economia baseada na agricultura, na pecuária e no comércio. A primeira exibe em suas ruas várias placas de investimentos federais. Já a segunda comemora quando consegue pagar os funcionários em dia.
Levantamento do Estadão Dados com todas as 24.448 emendas apresentadas por deputados e senadores nos últimos três anos mostra que, se o Orçamento impositivo estivesse em vigor desde então, a totalidade dos repasses via emenda seria embolsada por menos da metade das prefeituras do País.
Dos 5.570 municípios brasileiros, 2.719 (49%) aparecem como beneficiários de emendas nos Orçamentos de 2011, 2012 e 2013. Os demais 2.851 (51%), sem “padrinhos” e com baixa influência política, foram desconsiderados pelos parlamentares.
Ou seja, se o Orçamento impositivo estivesse valendo, mais da metade das cidades ficariam sem os recursos das emendas, que nos últimos três anos totalizaram R$ 25,5 bilhões, sendo R$ 6,4 bilhões reservados para municípios e o restantes para programas nacionais, governos estaduais e organizações não-governamentais (ONGs).
O volume de recursos que os parlamentares vão controlar com o Orçamento impositivo não será nada desprezível. O valor do conjunto de suas emendas, segundo a proposta de emenda à Constituição que tramita no Congresso, será equivalente a 1% da receita corrente líquida da União (o total de impostos arrecadados menos as transferências obrigatórias) registrada no ano anterior.
Em 2013, a previsão do governo é que a receita líquida chegue a R$ 700 bilhões. Com isso, no ano eleitoral de 2014, o Congresso terá R$ 7 bilhões em emendas para liberar, caso o orçamento impositivo seja liberado. Cada deputado e senador contará com um “cheque” de R$ 12 milhões para atender a seus redutos eleitorais.
Distritalização
Em termos políticos, o Orçamento impositivo vai reforçar a tendência de distritalização do voto - eleitores apoiam o candidato de sua região na expectativa de que isso traga benefícios localizados.
Para alguns cientistas políticos, esse é um fator positivo, pois reforça os vínculos entre representante e representado. Para outros, existe o risco de que os deputados se transformem em “vereadores federais” ao priorizar seus redutos, deixando em segundo plano as questões nacionais e as que transcendem fronteiras.
Outro possível efeito será o aumento da taxa de reeleição dos parlamentares - os R$ 50 milhões para bancar obras ao longo de quatro anos funcionarão como financiamento público de campanha permanente.
As relações entre Executivo e Congresso também serão afetadas. É comum a liberação de recursos de emendas como moeda de troca por apoio político.
O governo costuma abrir os cofres quando precisa arregimentar votos para projetos que considera importantes. É comum que os parlamentares mais fiéis aos interesses do Palácio do Planalto tenham mais dinheiro de emendas liberado para a execução de obras.
Redistribuição
Em termos econômicos, o orçamento impositivo terá efeito redistributivo em nível nacional, ao mandar mais recursos para Estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Isso acontecerá porque estas regiões são superrepresentadas no Congresso - têm mais deputados e senadores por habitante que as mais ricas regiões Sudeste e Sul.
Em nível local, porém, o efeito será concentrador. As cidades maiores, que em geral são também as mais ricas, elegem mais representantes e são beneficiárias de mais emendas. As menores e mais pobres tendem a ficar em segundo plano.
Se o orçamento impositivo estivesse em vigor nos últimos três anos, o ranking de repasses, em valores absolutos, seria encabeçado por capitais e outros municípios com grande peso populacional e econômico.
Nas 100 primeiras posições, as cidades teriam população média de 680 mil habitantes. Na posição número 63, a sergipana Frei Paulo seria um dos raros “grotões” na lista dos 100 maiores beneficiários, com R$ 16 milhões em três anos.
Levando-se em conta os repasses per capita, cada habitante da cidade teria recebido o equivalente a R$ 1.150, o que a colocaria no topo do ranking. Não porque sua população seja mais necessitada de recursos federais, mas porque ela conta com bons padrinhos políticos.