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Estado de Minas CRIMES E CONTRADIÇÕES

Novo podcast da Rádio Novelo debate contradições da Justiça brasileira

Criadores do bem-sucedido 'Praia dos ossos' abordam consequências de atos violentos e depoimentos de especialistas e de familiares das vítimas


29/04/2022 04:00 - atualizado 29/04/2022 07:08

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. (foto: reprodução)
De Doca Street a Dostoiévski. “Crime e castigo”, mais um podcast da produtora Rádio Novelo, parte de uma questão levantada no podcast “Praia dos ossos” e pega emprestado o título do romance russo para discutir as contradições do sistema judiciário brasileiro a partir de histórias reais de crimes hediondos, contadas por familiares das vítimas e por integrantes do sistema.  

“Nesta série, queríamos entender o que as pessoas pensam quando falam em justiça. Para algumas, e não só no Brasil, justiça é vingança. Para outras, justiça significa punição, ou perdão, ou reparação”, conta a apresentadora Branca Vianna, presidente da Rádio Novelo, também idealizadora e apresentadora do bem-sucedido “Praia dos ossos”, que teve grande repercussão ao discutir o machismo estrutural no país a partir da reconstituição do comportamento da sociedade durante os julgamentos de Doca Street, assassino de Ângela Diniz, nos anos 1970.

“Em ‘Crime e castigo’ tentamos entender, do ponto de vista de pessoas que se viram de alguma forma envolvidas com crimes, quais as consequências da ruptura provocada por um ato de violência”, explica a presidente da Rádio Novelo, ressaltando que a dissipação dos limites entre justiça e vingança não é exclusividade da sociedade brasileira: “O conflito é inerente ao ser humano e é tratado pela filosofia e pela religião há milênios”. 

Nos seis episódios de “Crime e castigo”, é incorporado à narrativa um material que poderia ficar restrito ao making of, como a irritação de Branca com o comportamento de um entrevistado de “Praia dos ossos”, além de conversas entre ela e as outras idealizadoras e apresentadoras, Flora Thomson-DeVeaux e Paula Scarpin, bem como dúvidas das três sobre posicionamentos e atitudes de entrevistados. “Foi uma ideia dos roteiristas (Ludmila Naves e Lucas Calmon), que achavam interessantes os debates que tínhamos nas nossas reuniões de roteiro”, revela Branca. “Eles propuseram que trouxéssemos esse bastidor para os ouvintes, para compartilhar com eles um pouco da nossa perplexidade diante de tudo que estávamos apurando”, complementa. 

Na entrevista a seguir, Branca Vianna revela a origem do novo trabalho, analisa a ascensão da produção de podcast no país e a sua expectativa para “Crime e castigo”: “Esperamos que o ouvinte, ao concluir o podcast, saia com mais dúvidas do que certezas. Assim, temos menos chance de errar.” 

Como “Praia dos Ossos”  levou a “Crime e castigo”?
O tema de “Praia dos Ossos” era a vida e o assassinato de Ângela Diniz e suas consequências no movimento feminista da época e também na imprensa e no Judiciário. O assassino, Doca Street, morreu pouco depois da publicação do podcast, aos 86 anos. A partir daí, começamos a receber mensagens de ouvintes, nas redes e por e-mail, dizendo que no Brasil deveria ter pena de morte, que o Doca deveria ter ficado preso até sua morte, que o Brasil era o país da impunidade. Ficamos surpresas e intrigadas com essa reação, e decidimos investigar um pouco mais de onde vinham essas noções. Era para ser um episódio bônus do “Praia”, mas acabou virando uma série independente de seis episódios.

Como foram definidos os episódios e as histórias que seriam contadas em cada um deles? 
Para as histórias, procuramos vítimas, famílias de vítimas e especialistas que tivessem reflexões interessantes e surpreendentes a fazer. Para dar coesão ao que levantamos, tivemos a ajuda de dois roteiristas, Ludmila Naves e Lucas Calmon. Quando eles entraram no projeto, tínhamos muitas horas de entrevistas, muitas reflexões, mas não sabíamos como tornar isso uma série coerente. Foram eles que pegaram este amontoado de coisas e transformaram no “Crime e Castigo”.

Um dos episódios chama-se “Não é tão simples assim”. De certa forma, esse título também resume o trabalho de vocês neste podcast? 
Acho que sim, o título é um bom resumo do que pensamos e sentimos ao fazer este podcast. A verdade é que não é mesmo tão simples assim. Por outro lado, foi bom ver que há muita gente pensando em soluções de resolução de conflito que não são simples, mas que podem ajudar a resolver o impasse de um país com a terceira maior população carcerária do mundo e que continua muito violento. Se a prisão é a solução para a violência, então há algo errado porque não está resolvendo. 

Um dos pontos marcantes de “Crime e castigo” é não se limitar ao aspecto jurídico ou a depoimentos de familiares de vítimas e mostrar a exploração do crime por parte de políticos e religiosos. Esse era um dos objetivos do novo podcast? Mostrar que as consequências de um ato violento vão muito além da esfera criminal?
Vimos nas entrevistas que as consequências de um ato violento são muito vastas. Afetam todos os que estão perto, em alguns casos para sempre. Mesmo quando os criminosos são condenados e presos, as vítimas e suas famílias continuam insatisfeitas com o resultado. Elas raramente têm a sensação de que a justiça foi feita. Queríamos ouvi-las, e também criminosos, ex-detentos, além de pessoas que tentaram soluções extrajudiciais. Um ato de violência é uma ruptura muito profunda no tecido social, exige reflexão da parte de todos os envolvidos, mas também da sociedade e do Estado.
 
Depois de “Crime e castigo”, você chegou a alguma conclusão a respeito da forma mais eficiente de punição a um crime e, assim, tentar “restabelecer a paz social”, para citar uma expressão que aparece em um dos episódios? Ou surgiram mais dúvidas do que certezas? 
Certamente, surgiram mais dúvidas do que certezas. Esperamos que o ouvinte, ao concluir o podcast, também saia com mais dúvidas do que certezas. Temos menos chance de errar quando temos menos certezas.

O que foi mais marcante na repercussão de “Praia dos ossos”? 
Dois tipos de mensagens me impressionaram depois do lançamento do Praia. As que citei acima, pedindo pena de morte e prisão perpétua, e as de famílias de vítimas de feminicídio. Recebemos muitas histórias tristes e traumáticas, muitas vezes de crimes cometidos décadas antes. Um ato de violência assim rompe a vida das pessoas em um antes e um depois. Cabe ao Estado garantir a ordem e a paz social, mas cabe à sociedade debater como isso deve ser feito.

Por que tantos brasileiros estão escutando podcasts? Há risco de saturação?  
O número de podcasts brasileiros aumentou muito nos últimos anos, mas estamos ainda longe da saturação. Acho que não existe concorrência entre podcasts, mas sim formação de público. Muita gente no Brasil ainda não ouve podcasts e quanto mais produções diferentes houver, para todos os públicos, mais ouvintes formaremos.

Quais as próximas histórias que a Rádio Novelo pretende contar? 
As histórias que contamos têm a ver com questões que julgamos importantes para o Brasil: política com o “Retrato narrado”, corrupção com o “O sequestro da Amarelinha”, machismo com o “Praia dos Ossos”, violência com o “A república das milícias”, raça com o “Vidas negras”, o sistema judiciário com “Crime e castigo” e por aí vai. Ainda não falamos de clima, outro tema importante para o país, e queremos falar mais de racismo e violência, duas questões fundamentais e interligadas. Teremos lançamentos importantes nos próximos meses.


“Crime e castigo”
  • Podcast em seis episódios
  • Produção da Rádio Novelo
  • Idealização, pesquisa e apresentação de Branca Vianna, Flora Thomson-DeVeaux e Paula Scarpin.
  • Disponível nos aplicativos de streaming e no site radionovelo.com.br/crimeecastigo


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