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A filósofa

Vinte anos após a morte de Orides Fontela, duas obras prestam tributo à artista de origem humilde que encontrou na poesia espaço fértil para reflexões filosóficas e teve recepção qualificada entre intelectuais


postado em 22/02/2019 05:11


Orides Fontela (1940-1998) figura no panteão da poesia brasileira ocupando lugar de destaque ao lado de poetisas como Hilda Hilst (1930-2004) e Adélia Prado. “Na poesia você pode fazer o que quiser”, dizia, afastando o rótulo de poesia feminina. Fez o que quis, com esmero de caprichosa arquiteta da palavra. É o que demonstram duas publicações, que serão lançadas amanhã, às 11h, na Livraria Quixote, em Belo Horizonte: O nervo do poema – Antologia para Orides Fontela (Relicário), organizada por Patrícia Lavelle e Paulo Henriques Britto, e Orides Fontela – Toda palavra é crueldade (Moinhos), organizado por Nathan Matos.

As publicações, que retomam a obra da poetisa nascida em 21 de abril de 1940, em São João da Boa Vista (SP), dimensionam as contribuições de Orides para a literatura brasileira. O emprego sóbrio e econômico da palavra marca a poética da escritora, que, em sua obra, estabelece pontos de interseção entre a arte e a filosofia. Orides distancia-se do tom confessional, empregando estilo ao que Mário Alex Rosa denomina de “lirismo seco”.

A autora encontra na poesia espaço fértil para reflexões filosóficas, estendendo em versos diálogos estabelecidos com pensadores de diferentes tempos, como Heráclito (500 a.C.) ou o filósofo Immanuel Kant (1724-1804). “Ela costumava dizer que o elemento teórico e conceitual é o que dava nervo ao poema. Algo que desaparece nos versos, mas é o que dá vida, mantém o poema nervoso. É o que pulsa”, afirma a professora do Departamento de Letras da PUC Rio Patrícia Lavelle, que se interessou pela obra de Orides, exatamente, pela relação entre o campo do sensível e a racionalidade argumentativa.

“A relação entre poesia e filosofia me interessou muito. Orides formou-se na Universidade de São Paulo (USP). Foi aluna de Marilena Chauí e manteve com ela relação de amizade até o fim da vida. Foi colega da filósofa Olgária Matos”, conta Patrícia para mostrar o trânsito que tinha entre a intelectualidade uspiana.


MÚLTIPLAS
REFERÊNCIAS



Patrícia e Paulo Henrique convidaram 23 escritores e escritoras para compor a antologia com poemas que fazem referência direta ou não a Orides: Ana Martins Marques, Paula Glenadel, Josely Vianna Baptista, Lu Menezes, Patrícia Lavelle, Leila Danziger, Marcos Siscar, Masé Lemos, Marília Garcia, Laura Erber, Edimilson de Almeida Pereira, Prisca Agustoni, Alice Sant’ana, Heitor Ferraz Mello, Tarso de Melo, Katia Maciel, Simone Brantes, Ricardo Domeneck, Mônica de Aquino, Claudia Roquette-Pinto, Paulo Henriques Britto, Ricardo Aleixo e Age de Carvalho.

A maior parte dos poetas enviou trabalhos já publicados em livros, que passaram pela curadoria dos organizadores tendo como referência a poética de Orides. Já Marília Garcia fez o poema Cartilha dos bichos, com teias ao fundo, exclusivamente para a antologia. Ricardo Domeneck também apresentou poemas inéditos.

Os organizadores explicam que a antologia “reúne releituras da poesia de Orides Fontela e poemas que, como os dela, exploram as inervações reflexivas das imagens poéticas, criando o que Ezra Pound chamou de ‘logopeia’”. Orides não tinha uma poesia voltada aos temas femininos ou do feminismo, mas ao propor uma poética do pensamento inaugura lugar na literatura brasileira que, naquele momento, era pouco ocupado pelas mulheres.

Desta forma, a curadoria optou por textos tanto de poetisas quanto de poetas. No entanto, embora não tenha sido sua intenção, fez algo de relevância para que as mulheres ganhassem mais espaço na literatura. Por isso, para abrir a antologia foi escolhida Ana Martins Marques, que em todos os cinco poemas presta homenagem a uma poetisa, entre as quais a própria Orides no poema Um jardim para Orides. “A filosofia costuma ser vista como lugar masculino. Quando Orides inaugura uma poética do pensamento faz algo que tem dimensão política. Inaugura lugar para que muitas mulheres possam ocupar hoje”, diz Patrícia.

Como leitora de Héráclito, Orides traz para sua poética elementos que refletem a impermanência das coisas, o devir. Os títulos dos poemas se repetem nos livros: Transposição (1969), Helianto (1973), Alba (1983), Rosácea (1986), Trevo (1969-1988),Teia (1996), Poesia reunida (2006) e Poesia completa (2015). “Tem poema do primeiro livro que retorna. Gostava de confundir. Ela tem três ou quatro poemas com o título Estrelas. Brincava muito com os poemas. Há quem diga que os cinco livros publicados são um só. Eles conversam muito entre si”, afirma Nathan.

A poetisa teve infância muito pobre, o que fez com que os livros tenham sido artigo de luxo em sua casa. Mas ainda assim Orides encontrou nas publicações a razão para a própria existência. “Orides é poeta da leitura e releitura. A experiência da leitura era muito forte para ela. Mas como era muito pobre e não tinha muitos livros, ela lia em bibliotecas ou passavas as tardes em livrarias em São Paulo”, diz Patrícia.


DIÁLOGO COM
DRUMMOND


A capa da antologia foi criada por Leila Danziger com documentos encontrados no acervo da poetisa em que fazem referências à centralidade do livro em sua vida. Ela não apenas reapresenta leituras, como propõe diálogos e respostas a tudo que leu. Estabelece o diálogo tanto com o poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) ou com Kant. “Orides inverte, recria citação da Crítica da razão prática (1788). O poema dela diz outra coisa. Ela invoca uma resposta com força rítmica, estética e força provocadora”, afirma.

Orides morreu pobre, aos 58 anos. Em 2018, completaram-se 20 anos que a poetisa nos deixou. “Não sou aquele tipo de pessoa que quer juntar coisas (…) Meu talento não é para ganhar dinheiro”, revelou em entrevista. A poesia de Orides fascinou Nathan Matos, que realiza pesquisa de doutorado focado na obra da escritora. Ele se deparou com depoimentos, entrevistas concedidas e resenhas que ainda eram de pouco conhecimento do público, o que o motivou a organizar Orides Fontela – Toda palavra é crueldade.

A obra de Orides teve recepção qualificada, tendo sido lida pela intelectualidade paulistana, o que em um primeiro momento foi o objetivo dela. No entanto, sua poesia não se tornou tão popular como deveria, na avaliação do pesquisador. “Ela ocupou espaços nos jornais. Teve a leitura de boa parte dos críticos, como Antonio Cândido (1918-2017). Ganhou o Jabuti em 1983, mas acabou sendo muito lembrada como uma pessoa problemática. A pessoa Orides acabou encobrindo a poeta”, ressalva. Nathan reforça a gênese drummondiana na poética dela e diz que ela está sendo redescoberta pela academia e jovens poetas.




Lançamento
O nervo do poema – Antologia para Orides Fontela e Orides Fontela – Toda palavra é crueldade
Dia 23, sábado, às 11h, na Livraria Quixote, Rua Fernandes Tourinho, 274, Savassi, BH.
Informações: (31) 3227-3077



UM JARDIM PARA ORIDES

Por Ana Martins Marques

Quem tem um jardim
tem um relógio

hora da cigarra
hora da rosa

e acima
as estrelas
pedras
atrasadas
acesas
à noite
à distância

*
Brilha no jardim
o silêncio das plantas

brilham as pedras
redondas

brilham as sementes
arquivos do sol

brilham as flores
que não sabem que são flores

brilha a distância
do mar

brilham a infância
das formas

brilha a rosa
emaranhada em seu nome

e brilha a página
anterior à inscrição
limpa ainda de palavras
- como um jardim
em branco


O NERVO DO POEMA – ANTOLOGIA PARA
ORIDES FONTELA

•  Patrícia Lavelle e Paulo       Henriques Britto (orgs.)
•  Editora Moinhos
•  152 páginas
•  R$ 32








ORIDES FONTELA – TODA PALAVRA É CRUELDADE
•  Nathan Matos (org.)
•  Edição Sam Venter
•  152 páginas
•  Editora Moinhos
•  R$ 32


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