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O verso por linhas ébrias

Jovino Machado lança Trilogia do álcool, com poemas em que dialoga com James Joyce e faz poesias autobiográficas sobre o amor, frustrações e bebedeiras


postado em 23/11/2018 05:05

Jovino Machado fará o lançamento amanhã, no Edifício Maletta, tradicional reduto da boemia belo-horizontina(foto: Fábio Cançado/Divulgação)
Jovino Machado fará o lançamento amanhã, no Edifício Maletta, tradicional reduto da boemia belo-horizontina (foto: Fábio Cançado/Divulgação)

 

Garçom, por favor, mais uma dose!” Assim poderia começar a Trilogia do álcool, do poeta Jovino Machado. Fiel à sua trajetória poética, o escritor continua alcoolizando com palavras e poesia singular a cena/bar da poesia contemporânea brasileira. Depois de reunir suas obras com o genial título de Sobras completas (2015), o poeta agora vem com três plaquetes, com cuidadoso projeto gráfico das Edições Galileu, de Jardel Dias Cavalcanti.

A primeira, O retrato do artista quando bêbado, já de cara lavada faz referência ao romance Retrato do artista quando jovem, de James Joyce, a quem Jovino, além de leitor, faz diversas referências na sessão “Dublinescas” ao escritor de origem irlandesa. No poema homônimo do título da plaquete, narra em versos a peregrinação de Joyce, sendo que a partir da estrofe se pode imaginar a vida que o autor de Ulisses teve. O diagnóstico da estrofe é fatal: “em janeiro de 1941/ aos 58 anos/ morreu de úlcera duodena perfurada/ e peritonite generalizada”. Ainda nessa série o poeta nos conta outros episódios delirantes e picantes.

As biografias são importantes, mas quando poetas do quilate de Jovino resolvem colocar em poesia certa biografia de um romancista, o resultado, mesmo que breve (sete poemas), é um convite a um banquete. Não à toa que todos os três títulos remetem à bebida: cerveja, vinho e, por extensão, o bêbado que pode ficar tonto ao consumi-las.

Se quiser, o leitor estacione sua leitura nessa primeira plaquete, pois, a meu ver, é a que mais se realiza em melhor poesia. Não que as outras fiquem aquém, mas é que esse “retrato” do artista Jovino, seguramente, mostra um poeta dono de sua voz, de uma linguagem para além de paronomásias, um artista que se liberta de poemas-pílulas e investe em textos mais longos, com acertos e qualidades na maioria dos textos.

Aliás, isso já se percebia quando nos deu aquelas ótimas Cantigas de amor & maldizer (2015). Talvez exijo demais do poeta, pois sei que em alguns livros anteriores a mão já era firme e pessoal.

A poesia de Jovino Machado percorre entre uma linguagem despojada, cercada de lirismo amoroso e, às vezes, debochada. Por outras, eleva a linguagem e assume outra postura e o que lemos são “fraturas expostas”, porém, sem perder a elegância de quem assume amores perdidos, paixões enfeitiçadas, dores de quem diz nesse belo e certeiro poema, e que pode muito assim ser a síntese poética desse autor: “ontem chorei / hoje chorinho / amanhã chope”.

O passado se esvai e hoje se ouve duplamente: O chorinho miúdo do poeta? ou o estilo musical, tão comum nos melhores bares, se mesclando entre música e o soluço baixo do nosso poeta tomando alguns chopes?. (Se eu fosse dono de um bar mandaria fazer uma placa com esse poema cheio de graça e humor.)

Tanto pode ser síntese o poema acima que, na segunda plaquete, o título por si se revela: Minhas mágoas se alimentam de cerveja. Alimentar de cerveja e boemia pode dar alta poesia. Penso, por exemplo, quantas canções do nosso melhor repertório da música popular brasileira não estão filtradas por essas experiências.

Jovino é um ouvinte implacável de Cartola, Vinicius de Moraes, Chico Buarque, Nana Caymmi, Angela Ro Ro e Elza Soares. No seu melhor estilo, mescla amor e futebol, e o título não poderia ser melhor: Domingo, dia de futebol e, quem sabe, dia de o poeta se valer da noite anterior?: “na pequena área / chutei / o seu tédio // no meio campo / driblei / a sua tristeza // matei no peito / o seu vazio / e chutei pra fora”. Domingo de tédio, mas também de chutá-lo pra fora. Caso o leitor queira conhecer as vicissitudes do poeta poderá se valer de sua Autobiografia. Numa sequência de 27 estrofes em tercetos com a repetição anafórica na abertura de cada um se lê: “sou aquele”. Entre uma e outra, o poeta é aquele que se machuca ao abrir um guarda-chuva, que volta para o bar depois que vomita ou aquele que aproveita do resto das sobras e se levanta para o juízo final. Mas há aquele que conhece a felicidade íntima em dois poemas. Não citarei para deixar os leitores saberem – ou não – o que é a felicidade e o que é amar para o poeta Jovino Machado.

E, por fim, a terceira plaquete, altamente afirmativa no seu título: A verdade está no vinho. Mais que confirmar essa verdade, ela se junta a esta outra máxima sentença: “grana de poesia se gasta na orgia”. Entre libertinos e cortesãs, o poeta nos lembra das festas orgiásticas da Cidade Luz. Os poemas A capital do prazer e Moulin Rouge trazem uma síntese do que foram os bordéis e de alguns artistas que, além de assíduos frequentadores, esbaldaram-se entre vida e arte.

Para fechar a trilogia, Jovino retoma os restos das sobras, cujo conjunto se destaca por pelo menos uma razão e que me parece ser a combinação de um lirismo amoroso com outro de extremo realismo. Entre os dois, um se revela no cinquentenário: “engov / epocler //backer / bohemia // algum carinho // Brahma / budweiser // engov / epocler”. Há uma tristeza nesse jogo entre cura e doença, entre remédio e “veneno” e, quem sabe, “algum carinho”. Este verso que está no meio do poema de triste indeterminação numa noite aos 50. De outro, o amor vem e fecha a trilogia com uma dose perfeita. Um poema ou uma carta-poema que, provavelmente, jamais esqueceremos com esse carinhoso diminutivo: Meu amorzinho. Como você escreveu: “a poesia é foda / ElaSim”, no plural.

Caro amigo poeta, a resistência continua e sua poesia nos ajuda a resistir.

*Mário Alex Rosa é professor de literatura
do Cefet-MG, escritor e autor de Via férrea (Cosac Naify, 2013) e Formigas (Cosac Naify, 2013), entre outros.



TRAMPULINHO

delicadamente
ela pisa
no meu peito

seus lírios líricos
beijam
meus mamilos

seu calcanhar
cor-de-rosa
desliza na língua

antes do salto

 

A TRILOGIA DO ÁLCOOL
De Jovino Machado
Galileu Edições
62 páginas
R$ 20


LANÇAMENTO
Amanhã, a partir das 18h. Bar do Chinês (Edifício Maletta, Av. Augusto de Lima, 233, Centro).


ENTREVISTA  
Jovino Machado, poeta


Pablo Pires Fernandes

Nascido em Formiga (MG), Jovino Machado circulou por várias cidades antes de se fixar em Belo Horizonte. Desde então, circula pela vida, pelas palavras das quais extrai singular poética, mas também frequenta bares e botecos nas regiões mais distintas da capital. Esta Trilogia do Álcool, formada por O retrato do artista quando bêbado, Minhas mágoas se alimentam de cerveja e A verdade está no vinho, é agora lançada pela Galileu Edições, de Londrina (PR), sob o cuidado de Jardel Dias Cavalcanti. Para 2019,  Jovino prepara Réquiem para Nina, com poemas dedicados à sua mãe e a reedição da Trilogia em um só volume. Para amanhã, prepara-se para autografar, antes do merecido porre – com direito a brinde ao saudoso Antônio Leão – no Bar do Chinês, no bom e velho Edifício Arcangelo Maletta.

Como foi o processo deste livro e a escolha do tema?
A escolha do tema se deu de uma forma muito natural. Minha poesia se alimenta da vida e da própria arte. Foi a partir dos anos 1990, quando comprei Dublinenses (de James Joyce), que começou a minha paixão pelo autor irlandês. Logo depois, li Retrato do artista quando jovem, Panorama do Finnegans Wake, traduzido por Augusto e Haroldo de Campos, e logo depois, a sensacional biografia do romancista, escrita por Richard Ellmann. Atualmente, estou lendo Ulysses, na premiada tradução de Caetano Galindo. O processo de feitura começou quando li Retrato do artista quando cão, de Dylan Thomas, e as cartas eróticas que Joyce escreveu para Nora Barnacle. A partir da trajetória de Stephen Dedalus, comecei a compor em versos a minha própria história, com meus amores, minhas dores, meus porres homéricos, meus dramas, alegrias, idílios, fraquezas e descobertas.

Você é um leitor contumaz. Como o que lê se manifesta na sua escrita e nesta trilogia?
Uma musa amada me apelidou de “louco metódico”. Anoto num caderno todos os livros que leio, desde 1980. Já li 1.044 até hoje. Leio vários livros ao mesmo tempo e “como o futuro de escrever é escrever sobre escrever”, vejo uma relação muito estreita entre os autores e personagens com a minha própria vida. Essas leituras são a matéria-prima que se mistura com os acontecimentos da minha travessia poética. Nessa trilogia, a mulher tem o seu “lugar de fala” em poemas que foram escritos a partir do ponto de vista feminino. Comecei a ler Ulysses de trás pra frente, e acho incrível o monólogo final da Molly Bloom. Na biografia do Joyce, descobri que ele usou o modo de falar de sua mulher, Nora, para escrever sua obra-prima. Fiquei tão apaixonado por essas personagens, que resolvi criar a minha Nora e a minha Molly Bloom inspiradas nas mulheres que amei.

Como você se mistura com o seu eu-lírico e as construções ficcionais que cria em seus poemas?
O Rafael Fava Belúzio descobriu que eu não tenho eu-lírico e sim eu-etílico. Criei o personagem boêmio, mas não sou um poeta de bar. Não sou um intelectual. Sou sambista. Como minha obra é totalmente autobiográfica, essa mistura acontece naturalmente na hora da criação. Preciso de muita concentração na hora de criar. Gosto de ouvir jazz quando estou escrevendo e o melhor lugar para isso é a minha biblioteca, onde posso dialogar com os fantasmas de Roberto Bolaño, Clarice Lispector, Balzac, Proust e muitos outros. Gosto muito de uma frase do João Cabral de Melo Neto que diz: “Tanta lucidez dá vertigem”. Mas, “a verdade está no vinho”.


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