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De Pushkin a Putin

Ao acessar a biblioteca de um dos mais temidos asseclas de Stálin, o ministro Viacheslav Mólotov, em um dos luxuosos apartamentos do alto-comando soviético em Moscou, jornalista britânica faz uma viagem pela história política e cultural da Rússia, dos Romanov ao cosmopolitismo pós-regime


postado em 09/11/2018 05:05

Vladimir Putin discursa na Praça Vermelha após parada militar em comemoração ao Dia da Vitória, em 2016 (foto: KIRILL KUDRYAVTSEV/ AFP)
Vladimir Putin discursa na Praça Vermelha após parada militar em comemoração ao Dia da Vitória, em 2016 (foto: KIRILL KUDRYAVTSEV/ AFP)


Romanov é a dinastia que governou o Império Russo de 1613 a 1917, quando Nicolau II abdicou do cargo ao fim da Revolução de Fevereiro – a primeira fase da Revolução Russa. Em Moscou, Romanov é o nome de uma pequena travessa, que se estende da Avenida Vozdvizhenka à Nikitskaya, a poucos passos da Biblioteca do Estado (antiga Biblioteca Lênin) e dos muros do Kremlin. Estreita, curva e arborizada, a pequena rua passa quase despercebida pelos turistas que transitam por ali, indo e vindo do imponente complexo ao redor da Praça Vermelha para a região da Arbat, uma rua fechada, com lojas de suvenires e restaurantes do mundo todo – onde Moscou se revela cosmopolita e internacional, deixando cada vez mais distantes as sete décadas de regime comunista.

Basta um olhar atento para as fachadas dos prédios da Rua Romanov, com bustos dos moradores famosos, para perceber a importância daqueles quarteirões para a história russa. Eles foram construídos ainda no período imperial, servindo a uma reduzida elite. Depois da Revolução Russa, sob o slogan marxista de “expropriar os expropriadores”, os apartamentos passaram a ser ocupados por heróis da Guerra Civil, guerreiros que derrotaram o Exército Branco da Sibéria e lutaram na Rússia Meridional, por líderes bolcheviques como Mikhail Frunze, sucessor de Trotski como comissário de guerra; e generais como Semion Budionny, Kliment Vorochilov e Semion Timochenko – todos do alto escalão do regime, que se estendeu até o início dos anos 1990. Homens que hoje dão nomes a estações de metrô, ruas, bibliotecas, instituições e até cidades.

O endereço mais famoso do alto comissariado era o prédio nº 3, que ficou conhecido como a “Casa dos Generais”. Ali, no apartamento 62, morou Viacheslav Mólotov, braço direito de Stálin, ministro de Negócios Estrangeiros durante a Segunda Guerra Mundial – ou a Grande Guerra Patriótica, termo utilizado pelos russos para o período de participação das repúblicas soviéticas no combate contra a Alemanha nazista, de 1941 a 1945.

Durante décadas, Mólotov fora o homem mais poderoso do império de Stálin, chefe da máquina de governo e o camarada mais próximo e confiável, colaborando com os crimes do tirano, condenando milhões à morte. Stálin dizia que “se Mólotov não existisse, seria necessário inventá-lo”. (Em 1939, na invasão soviética à Finlândia, que se recusara a entregar parte de suas terras, o diplomata disse à imprensa que os bombardeios aos finlandeses eram, na verdade, “alimentos” atirados pelo Exército Vermelho. Os rebeldes da Finlândia se defendiam com bombas artesanais, que passaram a chamar, por ironia, de “coquetel mólotov”.) Mólotov foi membro do partido bolchevique a partir de 1906 e passou a integrar o Politburo em 1926. No papel de ministro de Negócios Estrangeiros o seu trabalho mais destacado foi o pacto de não agressão germano-soviético, o Pacto Mólotov-Ribbentrop, às vésperas da Segunda Guerra. Continuou exercendo influência no Partido Comunista mesmo depois da morte de Stálin, em 1953, e das denúncias de Nikita Khrushchov no 20º Congresso do Partido Comunista, em 1956, que descortinou as atrocidades do período stalinista. Permaneceu em cargos estatais até a década de 1960. Em 1986, quando morreu, foi feita vigília em frente ao apartamento e a polícia secreta, a KGB, removeu todos os papéis particulares e fotografias considerados importantes para o Estado.

A BIBLIOTECA DE MÓLOTOV

Com o fim do regime, no início dos anos 1990, os apartamentos luxuosos da Rua Romanov foram adquiridos por investidores e empresários. O apartamento de nº 62, onde morou Mólotov, foi adquirido por um banqueiro. Nesta mesma época, a jornalista britânica Rachel Polonsky, especialista em literatura russa e professora na Universidade de Cambridge, mudou-se para o andar de cima do suntuoso apartamento que havia pertencido ao assecla de Stálin, que em vida havia reunido uma vasta biblioteca – que, para a surpresa de Polonsky, permanecia intacta. Um tesouro a ser explorado. O encontro do banqueiro com Polonsky deu origem ao livro A lanterna mágica de Mólotov – Uma viagem pela história da Rússia, lançado no Brasil pela Editora Todavia, com tradução de Sérgio Mauro Santos Filho.

Na biblioteca, obras e coleções completas da literatura russa, com anotações a mão feitas pelo seu proprietário, que se revela um leitor voraz no livro de Polonsky. Na coleção, muitos autores perseguidos de maneira brutal pelo Estado soviético, muitos com a colaboração de Mólotov. Autores como Anna Akhmátova, Marina Tsvetaeva e Ossip Mandelstam – que na década de 1920 foi enviado pelo braço direto de Stálin à Armênia e, anos mais tarde, morto a caminho do Gulag. Como Polonsky observa, muitos “poetas rouxinóis, cujos os cantos o partido não conseguiu silenciar, devem sua trágica grandeza a assassinos como Mólotov.”

Entre os perseguidos por Mólotov está Leon Trótski, que também morou no prédio nº 3, figura central para a revolução bolchevique. A rixa entre eles começou nos primeiros anos da revolução, quando Vladimir Lênin disse, rindo, que Trotski achava o novo membro pleno do Comitê Central um pau mandado.

Em outubro de 1926, pouco depois de ser promovido ao Politburo, Mólotov propôs uma resolução que retirava a participação plena de Trótski do Comitê Central. No ano seguinte, o intelectual fez um discurso inflamado denunciando a violência por trás do grande poder de Stálin e foi considerado como traidor do legado de Lênin. Trotski continuou sua denúncia e em uma reunião na Estação Paveletskaya foi interrompido pelo próprio Mólotov, que ordenara a reunião parasse imediatamente por ser ilegal. Trotski denunciou Stálin e seus asseclas como “coveiros da Revolução”. No dia seguinte, o Pravda acusou Trotski de fundar um partido ilegal. Em seguida, partiu para o primeiro de vários exílios, no Cazaquistão.

É curioso como algumas das denúncias de Trótski nos levam novamente aos luxuosos apartamentos do alto-comando do partido comunista. “Estes apartamentos foram estojos de veludo preparados para famílias da burguesia, para o amor, a paz, o acúmulo de pessoas”, escreve a Polonsky, em um trecho do livro em que descreve suas reações diante da imensidão do prédio nº 3 da Rua Romanov, onde mora. “Trótski concluiu que a causa profunda da perda de seu poder tinha sido o rápido desenvolvimento do gosto burguês entre os revolucionários. Mesmo antes da morte de Lênin, observou Trotski, as lideranças bolcheviques começaram a se comportar como uma elite social”, diz.

VIAGENS


A biblioteca de Mólotov é o ponto de partida para uma investigação que combina crítica literária, história e uma viagem pelo território russo, de São Petersburgo a Vladivostok, no extremo leste; das margens do Rio Don, no Oeste, às margens do Volga, até a região do Lago Baikal, na fronteira com a Mongólia. Uma viagem permeada por citações e trechos de obras que ajudam a desvendar um pouco da cultura russa.

São citações de Pavel Muratov, que, em 1909, definiu que “a beleza de Moscou não reside na beleza extrovertida e premeditada de grandes espaços públicos ou em grandes conjuntos arquitetônicos, mas na sua beleza um tanto aleatória, intimista e confusa, uma beleza feita por pessoas e por seu dinheiro, não pelo Estado”. Ou de Walter Benjamin, que ao visitar a capital política da União Soviética, em 1926, disse que “em nenhuma outra metrópole tem-se acima tanto céu. Nesta cidade sempre se pode sentir a vastidão das estepes russas.”

No vaivém não linear das páginas surgem citações de Alexandre Pushkin, o rebelde poeta e novelista, Anton Tchekhov, Leon Tolstói e Fiódor Dostoiévski, a poucos passos da Rua Romanov, em uma gigantesca estátua no pátio de entrada da Biblioteca do Estado, uma das maiores do mundo, com acervo de mais de 17,5 milhões de obras – que durante os anos 1920 e 1930 foi denunciada como refúgio da intelectualidade contrarrevolucionária, com a prisão e repressão a inúmeros bibliotecários.

Polonsky empreende uma longa jornada pelo território russo em busca dos cenários e realidades que povoam alguns dos maiores clássicos da literatura, que também ajudam a compreender um pouco da Rússia atual, de Vladimir Putin – um país movido a magnatas e banqueiros internacionais, com estátuas de Lênin e símbolos do comunismo dividindo espaço com marcas de alto luxo.



A lanterna mágica de Mólotov – Uma viagem pela história da Rússia
 De Rachel Polonsky
 Tradução: Sérgio Mauro Santos Filho
 Editora: Todavia (368 págs.)
 R$ 79,90 e 49,90 (e-book)


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