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Estado de Minas

Reflexões sobre os 17 anos da Lei Maria da Penha


07/08/2023 04:00
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Samantha Vilarinho Mello Alves
Defensora pública, coordenadora Estadual de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (CEDEM), da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (DPMG)
 
A Lei 11.340/2006, promulgada em 07/08/2006, foi um marco histórico na luta pelos direitos humanos das mulheres no Brasil. Ela trouxe uma esperança renovada e uma luz de proteção para aquelas que vivenciavam o terror da violência doméstica e familiar, como foi o caso de Maria da Penha. Essa lei, reconhecida pela ONU como a terceira melhor lei do mundo no enfrentamento à violência contra as mulheres, trouxe consigo um sentimento de justiça e a promessa de um futuro mais seguro e igualitário para todas.

A Lei Maria da Penha definiu e descreveu as situações de violência doméstica e familiar, além de estabelecer as medidas protetivas de urgência. Trouxe também a competência híbrida, de forma que o mesmo juízo seja responsável pelo julgamento de casos cíveis, de família e criminais. Pretendeu, assim, revolucionar a atuação do sistema de justiça, agilizando os processos, evitando a revitimização das mulheres e garantindo o seuatendimento integral, com a perspectiva de gênero, raça/etnia e classe social.

Com o objetivo de evitar a violação de direitos fundamentais das mulheres, tais como a vida e as integridades física, psicológica, sexual, patrimonial e moral, a lei chamou para a responsabilidade não apenas o Poder Judiciário, mas também diversas instituições e órgãos governamentais, reforçando que a promoção e defesa dos direitos das mulheres não era tarefa de uma única esfera, mas sim uma missão conjunta com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação.

Sabe-se que a responsabilização criminal das pessoas agressoras é uma consequência primordial após a violação dos direitos das mulheres, mas ela não é a única e não impedirá novos atos de violência se for adotada isoladamente. A Lei Maria da Penha nos indica a compreensão de que não se tratam de atos isolados, mas de um conjunto estrutural de opressões que se sobrepõem, sendo mais rigorosas com algumas mulheres do que com outras.

Muito embora a Lei Maria da Penha abranja todas as mulheres, independente de sua raça, idade ou classe social, precisamos reconhecer que a violência afeta de maneira desproporcional as mulheres mais vulnerabilizadas, como as mulheres negras, trans, idosas e com deficiência, que enfrentam não apenas o machismo e a misoginia, mas também a discriminação pelo racismo, transfobia, etarismo e capacitismo. É urgente uma sociedade mais empática, solidária e consciente.

No entanto, mesmo após 17 anos de existência da lei, ainda enfrentamos desafios institucionais e culturais profundos. A mudança de paradigmas é sempre um caminho árduo, padrões culturais levam décadas para serem construídos ou modificados. Nesse cenário, é comum a utilização de argumentos supostamente técnicos que afastem a implementação completa das diretrizes legais.

Ademais, nos dias de hoje, muito embora as mulheres tenham ingressado no mercado de trabalho, elas ainda ocupam um número maior de postos na informalidade, recebem um salário menor que os homens em mesma posição e grau de escolaridade, precisam acumular a rotina de trabalhos domésticos e com dependentes e são as primeiras a serem demitidas em casos de crises, como bem demonstrou a pandemia da COVID-19.

A desigualdade de poder entre os gêneros favorece a violência doméstica e familiar, haja vista que homens que transmitem uma masculinidade tóxica ou mulheres que reproduzem o machismo diante de outras mulheres em situação de maior vulnerabilidade social ou menor privilégio se sentem “autorizados” ao controle de seus corpos e mentes. Para alcançarmos um futuro onde a violência de gênero seja apenas uma triste lembrança do passado, devemos investir em educação em direitos humanos das mulheres, promovendo uma cultura de respeito e igualdade. Precisamos enxergar que a prevenção à violência é o caminho mais eficaz para transformar vidas e construir um mundo melhor para as mulheres e para todas as pessoas. Quando mais mulheres deixarem de ocupar a posição de vítimas e se emanciparem do ciclo de violência, mais humana e empática será a nossa sociedade.

Para tanto, é essencial participarmos ativamente das redes locais/regionais de enfrentamento à violência contra as mulheres. A união entre a sociedade civil, governos e instituições é um poderoso instrumento para erradicar a violência de gênero. O diálogo aberto, o respeito às diferenças e o trabalho conjunto são as chaves para construir políticas públicas e estratégias de atuação verdadeiramente inclusivas e eficazes. É também impossível não se emocionar diante da força dos movimentos feministas, que mesmo em meio a adversidades, se unem para apoiar e fortalecer umas às outras.

Assim, em homenagem aos 17 anos da Lei Maria da Penha, renovamos nosso compromisso de seguir lutando para que um dia todas as mulheres possam viver livres de violência. Que a esperança e a determinação sejam nossas maiores aliadas nessa jornada e que jamais percamos de vista o valor incalculável de cada vida que é protegida e transformada por essa lei tão importante. Vamos nos unir na construção de um futuro onde todas as mulheres possam ser protagonistas de suas próprias histórias.
 


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