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Estado de Minas artigo

2022: o ano da reabilitação social

O que estamos vivendo não é o "novo normal", mas sim uma chance de olhar para nós e para tudo com mais generosidade, humildade e menos apego


05/11/2022 04:00




Cláudia Siqueira
Historiadora e pedagoga, fez magistério com especialização em gestão escolar. É pós-graduada 
em aperfeiçoamento de docentes de ensino fundamental pela PUC e em pedagogia de 
projetos e tecnologias educacionais pela USP. Fez especialização em primeira infância em Harvard
 
 
 
As escolas, assim como os hospitais, foram os lugares que vive- ram e ainda convivem com os impactos da COVID-19. Lógico que, de uma forma mais visível, os hospitais cuidaram dos “pacientes diretos”, viram a doença de perto, mas, nós, que estamos nos ambientes escolares, como   evidenciamos diariamente esses impactos?

Muitas são as evidências e algumas escandalosamente visíveis, como o     despreparo da educação como um todo, pública e privada, para o ensino remoto. Foi uma loucura! Encontrar o tempo de tela adequado para atrair as crianças pequenas e criar estratégias de engajamento, tanto para crianças quanto para adolescentes, foi um desafio.

O que se viu foram câmeras fecha- das, famílias sem estrutura tecnológica, crianças sem equipamentos, dificuldade de acesso à internet, famílias com mais de dois filhos com aulas ao mesmo tempo e um único aparelho para todos e pais usando o mesmo computador para trabalhar. Além disso, muitas famílias não tinham estrutura física e nem psicológica para apoiar seus filhos nos momentos de “aula virtual”.

Eu poderia continuar enumerando a enorme complexidade que foi montar uma estrutura para uma forma de aprendizagem totalmente não consi- derada até mesmo pelos melhores futurólogos de plantão. E lógico que o resultado não poderia ser diferente. Pesquisas apontam um déficit de 11 anos para recuperarmos a aprendizagem cognitiva, considerando apenas o conteúdo programático.

Mas a pandemia trouxe a pauta da saúde mental, do burnout, do bem-estar, e desvelou e acentuou a discrepância entre o poder de ação entre educação pública e privada. Ficou explícito que muitas crianças e jovens da rede pública vão para escola para se alimentar e que o aprender é um complemento, e não a causa prioritária.

A volta para as escolas foi uma luta, e aconteceu entre trancos e barrancos, umas com estruturas até carnavalescas e outras com água, sabão e olha lá...
 
 
 
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Mas foi nessa volta que as evidências começaram a aparecer porque tanto as escolas públicas quanto as privadas pensaram equivocadamente. Voltamos e vamos continuar de onde paramos, só que não consideraram que tivemos um “gap” de 2 anos!!!

Muitas crianças foram “alfabetizadas”, jovens se formaram no ensino médio, outros adolesceram em plena pandemia fora da escola, que é o segundo núcleo social da criança e do jovem, e, sendo assim, um ambiente de modelagem de comportamento pró-social!  E agora?

Neste momento, é importante ava- liar o que realmente colhemos. Crianças abaixo do peso, que cresceram menos, com menor mobilidade corporal, com menor tolerância, com sexua- lidade mais aflorada por acesso a conteúdos adultos (pornografia) via tecnologia sem supervisão, maior obesidade, crises de ansiedade e depressão em diferentes faixas etárias e dependência de eletrônicos (vício em jogos e aplicativos). Elas também desaprenderam a pegar corretamente no lápis e na caneta para escrever e a usar o espaço do caderno. Também houve maior irritabilidade frente a limites e regras e menor controle das emoções diante de desafios e provocações; enfim, uma lista que só cresce se efetivamente colocarmos uma lupa no cotidiano de muitas escolas públicas e privadas.

Mas o que vimos foi o mesmo          despreparo para o retorno que tivemos para a “parada”. Achamos que seriam semanas e foram anos, e agora ingenuamente consideramos que a volta seria simplesmente um “retornar” e foi mais um, ou melhor, está sendo um tsunami e precisamos nos posicionar publicamente.

Dizer que o “rei está nu!”. E como falar para uma sociedade que seus fi- lhos precisam ser cuidados emocionalmente antes de retomar a tabuada? Como dizer que precisamos colocá-los para correr e reaprender a cair e não aprisionar seus corpos nas carteiras para tirar o gap da aprendizagem cognitiva? Afinal, a compreensão de sucesso de um filho é o seu desempenho acadêmico e não seu bem-estar?

E, assim, começamos a presenciar as tentativas silenciosas de suicídios de jovens, os destemperos emocionais de uma criança quando pedíamos para guardar o celular ou o computador, as inúmeras quedas que acabavam nos pronto-socorros, com braços, pernas e corpos quebrados pela não dimensão e pouca habilidade e reconhecimento do potencial de seus corpos, principalmente crianças pequenas.

Então, a pauta saúde mental virou manchete, principalmente quando se constatou que os professores estavam adoecendo e se afastando, e que as escolas estavam fazendo malabarismos para permanecer abertas, mesmo sem estrutura de atendimento.

Agora, imaginem os gestores escolares administrando este caos, assim como os hospitais administraram – em um comparativo considerando as dimensões distintas da mesma pauta – a COVID-19!

E, ainda olhando para 2022 que está acabando, ele foi e será lembrado pelo ano que, mesmo sem querer – porque não foi uma decisão intencional – foi oficializado o currículo oculto, ou seja, as soft skills, conhecidas como competências socioemocionais, ganharam mais espaço, viraram pesquisa e muitas editoras, surfando nessa onda, criaram materiais didáticos para não perder a oportunidade. A BNCC previa, mas foi a pandemia que efetivou.

Triste, mas fato! O “novo normal” é o nome que deram – penso que foi criado para parecer mais familiar e menos assustador –, mas o fato é que o que estamos vivendo não é o “novo normal”, mas sim uma chance de olhar para nós e para tudo com mais generosidade, humildade e menos apego. 2022 foi um ano para reaprender a viver em sociedade.

Esta reflexão não tem uma intenção alarmista, pessimista, muito pelo contrário, ela propõe uma breve retomada, porém consciente e analítica, deste ano difícil e muito desafiador, mas que finaliza com uma provocação porque temos a oportunidade de rever as esco- lhas educativas, torná-las mais conectadas para uma educação para a vida, mais prática e menos teórica.

Precisamos dar o senso de urgência em questões como ética, integridade, princípios e buscar nestas novas ge- rações experiências de uma vida com propósito, e o propósito não pode ser viver uma vida olhando e desejando o verde do quintal do vizinho, mas buscar cultivar muitos quintais coletivamente para que todos possamos, enquanto sociedade, trazer a equidade como pauta para 2023. Que tal?

Se cultivarmos ambientes mais      equitativos para essas gerações, quem sabe as colheitas serão melhores?


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