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Estado de Minas artigo

Apoio às vítimas de tortura

Um considerável número de pessoas não reconhece como direito ou vê como algo distante essa garantia de reclamar do Estado a morte de um ente


25/06/2022 04:00 - atualizado 28/06/2022 15:50


Elian Araújo
Professor de direitos humanos da 
Faculdade Presbiteriana Mackenzie Rio 


Amanhã será comemorado o Dia Internacional de Apoio às Vítimas de Tortura, data instituída pela ONU, em 1997, para homenagear a convenção contra os diversos tipos de tratamentos, penas cruéis, desumanos ou degradantes. Esse acordo entrou em vigor em 1987. Aqui no Brasil, esse marco foi incorporado à legislação pelo Decreto 40/1991. Hoje, o tratado conta com a ratificação de 162 países.

Os termos tortura, tratamento desumano ou degradante têm conceitos distintos, mas que se relacionam, pois se referem a situações em que o direito de ter uma vida digna é vedado. A dignidade da pessoa humana é compreendida como o direito de todos os seres humanos serem respeitados pelo Estado e pela sociedade, ter os deveres fundamentais assegurados, e privados de tratamento desumano que não dispuserem de condições mínimas para uma vida saudável.
 
O termo tortura foi definido na convenção como o ato pelo qual se impõe intencionalmente a uma pessoa dores ou sofrimentos graves, físicos e mentais, a fim de obter informações ou confissões; como forma de intimidar, castigar, coagir ou visando ainda a quaisquer outros fins. A proibição dessa prática está prevista em diversos tratados internacionais, e não poderá ser justificada em nenhuma circunstância, como ameaça à segurança nacional, instabilidade política interna, estado de emergência ou guerra.

Além de ser uma grave violação de direitos humanos, a tortura caracteriza crime contra a humanidade quando praticada no âmbito de um ataque generalizado ou sistemático contra uma população civil. Compreende-se como tratamento desumano aquele que provoca grande sofrimento, físico ou mental, em que não há razões para que aconteça e geralmente as pessoas são submetidas a esforços que passam dos limites humanos. Já o tratamento degradante acontece em casos nos quais os indivíduos são conduzidos a agir contra a própria vontade, quando são humilhados perante si mesmos ou diante de outras pessoas. A Comissão Europeia de Direitos Humanos (CEDH) foi a primeira organização que se atentou em conceituar esses termos, após análise de um caso de violações sistemáticas aos direitos humanos ocorrido na Grécia.
 
 
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Sobre as normas e instrumentos jurídicos, existe uma série de textos normativos, de alcance internacional, nos quais vem se promovendo um conjunto de medidas que deveriam vir a se estabelecer um modelo procedimental para erradicar e fazer frente a esta prática punitiva. Alguns dos mais destacados seriam a Declaração Universal de Direitos Humanos (1948), o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1976) e a Declaração sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra a Tortura e Outros Tratos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes (1975). Os atos de tortura e maus-tratos são considerados crimes de direito internacional. Mesmo assim, em determinadas circunstâncias, podem constituir crimes de guerra, de lesa-humanidade ou atos de genocídio. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 determina a proibição à prática da tortura, conforme dispõe o artigo 5º, sendo uma das normas mais importantes da nossa Carta Magna. Nela estão previstos os direitos que têm o objetivo de assegurar uma vida digna, livre e igualitária a todos os cidadãos do país.

A tortura é uma prática absolutamente proibida pela legislação brasileira em consonância a diversos tratados e convenções internacionais. Pois o ato é contrário à proteção à vida e à integridade da pessoa humana; é considerado uma violação gravíssima aos direitos humanos e é um princípio geral do direito internacional. Além de constituir um direito fundamental, a proibição à tortura é uma cláusula pétrea da Constituição. Significa dizer que, mesmo que seja realizada uma reforma constitucional, a proibição deve fundamentalmente permanecer. O crime é tipificado na Lei 9.455, de 1997, que define a violação a partir da conduta de “constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental com a finalidade de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceiros; para provocar ação ou omissão de natureza criminosa; em razão de discriminação racial ou religiosa, entre outros”.

A prática é punida com pena de reclusão de dois a oito anos, e pode ser aumentada caso seja cometida por agente público contra criança, gestante, portador de deficiência, adolescente ou maior de 60 anos, e mediante sequestro. A coibição à tortura no Brasil se encontra em aspectos socioculturais como a percepção de parte da sociedade de que o ato possa ser aplicado em determinadas situações e sobre grupos específicos.

A banalização do crime de tortura disseminou-se na sociedade de tal maneira a tornar-se um desafio convencer familiares e vítimas a procurarem a Justiça. Um considerável número de pessoas não reconhece como direito ou vê como algo distante essa garantia de reclamar do Estado a morte de um ente. Há uma dificuldade das próprias vítimas de compreenderem que são vítimas. Na maioria, não reconhecem como atos de tortura as violações sofridas, mormente quando as violências sofridas não deixam sinais.

As referências históricas sempre têm muito o que nos ensinar sobre as atrocidades praticadas, seja nos tempos da colonização contra a população indígena, seja contra a população negra ou sobre as abomináveis práticas ocorridas durante as ditaduras no país no século 20. As desigualdades sociais em sua extremidade fazem com que a tortura seja mais amiudada. Na sociedade desigual, existe uma percepção de que esta é herdeira de regimes coloniais. Para o aprimoramento do combate à tortura, faz-se necessária a conscientização do sistema de justiça, principalmente do Poder Judiciário, de que a violência estatal deve ser apurada, investigada e julgada devidamente. Além da implementação de políticas de reparação e atenção às vítimas, criando uma memória com direito à verdade e à justiça, e o reforço dos mecanismos de prevenção e combate. As medidas de médio e longo prazos devem se pautadas por mudanças nas estruturas sociais e econômicas para garantia de condições dignas de vida a todos, sem distinção.


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