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Estado de Minas editorial

Infância violentada

É inconcebível que crianças e adolescentes sejam empurrados à indigência por quem tem o poder de lhes garantir direitos


23/06/2022 04:00




O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Código Penal (art. 128) não estabelecem limite para a interrupção de gravidez, resultatante de estupro, em crianças e adolescentes. Não exigem, também, autorização judicial. Basta o consentimento do representante legal (mãe, pai ou responsável). Mas para uma menina de 11 anos, em Santa Catarina, a Justiça protelou, negou autorização para o procedimento. Para evitar o aborto, a juíza Joana Ribeiro Zimmer, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, determinou que a vítima fosse para um abrigo, onde ficou por mais de 40 dias. O intuito da magistrada foi impedir o aborto, defendido pela mãe. 

Uma criança, violentada aos 10 anos, grávida aos 11, teria que se submeter a um parto, com todos os riscos de morte da gestação até o nascimento. A insensibilidade da magistrada no caso veio à tona por meio de uma gravação, que vazou para a mídia, da vítima sendo interrogada por ela. A menina não foi ouvida como determina a lei: acompanhada por psicólogos ou profissionais capacitados. Em alguns trechos, a juíza tenta induzir a criança, que estava na 22ª semana de gestação, a suportar um pouco mais a gravidez para que o bebê fosse retirado com vida. E a vida da garotinha estuprada não teria importância? 

O episódio chocou a sociedade, atraiu os olhares do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que vai acompanhar o caso. Ante a repercussão, a Justiça catarinense revogou as decisões da magistrada e autorizou a interrupção da gravidez. A juíza deixou o caso, após ser promovida para atuar em outra comarca. Especialistas asseguram que a menina precisará de cuidados especiais, tamanho o trauma causado pela violência e por todo o imbróglio que lhe negou um direito legítimo, previsto na legislação vigente. 

A cada 10 minutos, uma criança ou uma mulher é vítima de abuso sexual no país, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), com base nos dados coletados em 2021, quando foram registradas 56.098 ocorrências desse tipo. O número pode estar muito distante da realidade, pois a crise sanitária da COVID-19 inibiu as denúncias nas delegacias, reconhecem especialistas. A taxa média de violência sexual contra vulneráveis, em 2021, foi de 51,8 casos para cada 100 mil habitantes. Entre os estados que superaram essa média está Santa Catarina, com 90 casos. 

Quantas crianças não passam por experiência semelhante à da menina catarinense? Quantas não vão a óbito devido à violência institucional, ao descaso de autoridades e à indiferença do poder público e à negação de atendimento por uma unidade de saúde, porque médicos temem ser acusados de aborto ilegal, ainda que o procedimento esteja previsto em lei? Essas e muitas outras questões levantadas precisam de resposta das autoridades. 

É inconcebível que crianças e adolescentes sejam empurrados à indigência por quem tem o poder de lhes garantir direitos. As políticas públicas destinadas à infância e à adolescência têm sido falhas e, na maioria das vezes, por supressão de direitos previstos por elas na legislação. Repensar o futuro do país e retirá-lo do caos em que está mergulhado não passa só pela recuperação da economia, mas por atenção, educação, segurança, saúde e cuidado com quem todos chamam de "o futuro do Brasil": crianças e jovens. 


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