É fato que a pandemia de COVID-19 ainda vai ter muitos desdobramentos sobre a saúde mental e emocional de todos, especialmente crianças e adolescentes. Durante dois anos praticamente isolados em casa, longe de amigos e da convivência tão necessária na escola, eles se mostram agora mais ansiosos, irritados e com dificuldades de se relacionar com colegas e professores, já que tiveram como principal companhia nesse período de confinamento as telas do celular e computador.
Estudo recente da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) aponta que 36% dos jovens no Brasil apresentaram sintomas de depressão e ansiedade durante a pandemia. O levantamento on-line com 6 mil crianças e adolescentes na faixa etária de 5 a 17 anos mostra que uma em cada três tem níveis de estresse emocional em uma intensidade que é considerada necessária para uma avaliação.
No fim do ano passado, relatório do Unicef já alertava que crianças, adolescentes e jovens poderão sentir o impacto da COVID-19 em sua saúde mental e bem-estar por muitos anos. As estimativas mais recentes apontam que, globalmente, mais de um em cada sete meninos e meninas com idades entre 10 e 19 anos vivam com algum transtorno mental diagnosticado. Cerca de 46 mil adolescentes morrem por suicídio a cada ano.
Em dois anos de isolamento provocado pela pandemia, a ruptura com a rotina de aulas, atividades extracurriculares, recreação, problemas de saúde em casa e a preocupação com a renda familiar, com pais sobrecarregados ou desempregados, estão deixando muitos jovens com medo, irritados e inseguros em relação ao futuro.
No início do mês, um evento chamou a atenção no Brasil pelo fato inusitado: 26 jovens sofreram uma crise de ansiedade “coletiva” em um colégio estadual no Recife (PE) e tiveram que ser atendidos pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Os estudantes relataram instabilidades como choro excessivo, falta de ar e tremor. O episódio assustou pais e educadores e acendeu o sinal de alerta sobre o que está acontecendo com a saúde mental das crianças e jovens no pós-pandemia.
A crise de ansiedade é provocada por algum gatilho. Esse tipo de transtorno, que atinge, em sua maioria, crianças e adolescentes, é caracterizado pela persistência e é considerado o mal do século por psicólogos e psiquiatras
Especialistas já alertavam para a “segunda pandemia”, de doenças mentais e emocionais: ansiedade, depressão, compulsão alimentar, TOC, irritabilidade, agressividade, síndrome do pânico, rebeldia, dificuldades de relacionamento, dificuldade de conviver e compartilhar espaços com outras crianças.
Não dá para fechar os olhos e achar que com o controle da pandemia está tudo voltando ao normal. As escolas e as famílias vão ter que encontrar formas de ajudar as crianças e adolescentes a processarem as vivências que tiveram no período de isolamento, os medos, perdas e o excesso de telas. É papel das escolas abrir espaço para essa discussão tão fundamental na vida das crianças e jovens, em que pese o cronograma escolar.
O momento exige atenção à saúde emocional, ao acolhimento, momentos de brincadeiras e menos cobrança curricular. Trazer os estudantes para dentro dessa discussão para, juntos, pais, escolas, professores e alunos, priorizarem a saúde mental e emocional.
Ansiedade, depressão, transtorno bipolar, transtorno de conduta, transtornos alimentares, entre outros, podem prejudicar significativamente a saúde, a educação e o futuro de crianças e jovens, com consequências pessoais, nas famílias e na sociedade como um todo.
Em função disso, não é possível pensar na pandemia controlada só pelo lado da redução do número de mortes e contaminados pela doença. É preciso ir além e investir urgentemente no cuidado da saúde mental e emocional desses jovens, buscando uma abordagem intersetorial, incluindo toda a sociedade na discussão de ações para a prevenção de doenças e promoção da saúde.
Não há uma atenção prioritária no Brasil em relação à saúde mental e o impacto na vida futura de crianças e adolescentes. Por isso, é fundamental que as autoridades governamentais criem programas e espaços para ajudar pais e escolas no atendimento desses jovens para que as emoções e perdas que tiveram durante a pandemia sejam devidamente acolhidas e resolvidas.