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Sobriedade do Natal

Sem sobriedade não há simplicidade, precipitando as pessoas no hábito do desperdício e da ostentação


24/12/2021 04:00 - atualizado 23/12/2021 19:16

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte e presidente
da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)


Natal é tempo de aprender e reaprender lições, oportunidade para recuperar sentimentos perdidos e desgastados. Os embates do dia a dia, com o peso de seus descompassos, ferem a interioridade humana, contaminada, sobretudo, por uma indiferença em relação àqueles que padecem com a fome ou com a solidão. Sejam, pois, aproveitadas as celebrações litúrgicas e as confraternizações que reavivam a grandeza e a especialidade do Natal para modular o coração humano, especialmente qualificando-o para conquistar a sobriedade. Trata-se de uma exigência, principalmente neste contexto em que milhões de brasileiros sofrem por não ter o que comer. O cultivo da sobriedade é gesto solidário, com propriedade para configurar um urgente estilo de vida, essencial a assegurar mais igualdade, para que todos sejam respeitados nos parâmetros das garantias constitucionais de uma democracia balizada por valores humanísticos, que busca o desenvolvimento integral.

A lição da sobriedade remete à revelação maior do amor: a encarnação do Verbo, Jesus Cristo, o Menino Deus, com um jeito de ser simples, que nasce igual aos seres humanos, em tudo, exceto no pecado. Deus é simples e a simplicidade é instrumento para fecundar a sobriedade, na margem oposta de todo tipo de soberba e ostentação. Por isso mesmo, tem força pedagógica a tradição cristã vivida há mais de oito séculos, iniciada por São Francisco de Assis: preparar nas casas, igrejas, praças públicas, em tamanhos diferentes, com peculiaridades artísticas variadas, em singulares belezas, os presépios. Uma arte que remete à simplicidade de Deus, corrigindo todo tipo de soberba e ostentação. A grandeza do amor se revela na simplicidade de uma manjedoura, apontando a possibilidade de se curar o orgulho que alimenta o apego mesquinho, mal que leva à defesa cega de interesses egoístas, gerando cenários em que muitos não têm o mínimo, enquanto outros, mesmo impondo sacrifícios aos seus semelhantes, estão apegados ao supérfluo.

Sem sobriedade não há simplicidade, precipitando as pessoas no hábito do desperdício e da ostentação. Buscar uma vida mais sóbria é exercício humanitário, espiritual e cidadão que leva mais rapidamente a uma alegria duradoura. Essa alegria confere mais clarividência ao ser humano, preparando-o para escolhas mais acertadas, para enxergar os rumos que conduzem a uma vida mais feliz. Na direção oposta, a falta de sobriedade, por não se buscar uma vida mais simples, aponta para vazios interiores. Uma carência que aprisiona pessoas em fantasias, levando-as a cometer verdadeiros desvarios, provocar descompassos e destruições de todo tipo, não raramente contando com amparo de leis. Assim, a falta de sobriedade pode levar à defesa de situações injustificáveis, até com argumentos aparentemente racionais, em nome da preservação de zonas de conforto, mesmo que isso signifique ferir o bem comum. Nesse sentido, não se compreende, nem pela racionalidade legislativa, a decisão de se reservarem bilhões do erário para um fundo eleitoral, quando milhões de brasileiros convivem com a miséria e a fome.

Somente a sobriedade pode recuperar a imprescindível sensatez, perdida pela ganância, modulando mentes e corações para não se apegar a privilégios. Uma sociedade mais sóbria é capaz de corrigir cenários vergonhosos nos contextos político, econômico e cultural. Há, pois, expectativas de reconfigurações sistêmicas na política e na economia, mas essas intervenções devem ser acompanhadas de dinâmicas que garantam mais sobriedade na vida de todo cidadão. Mudanças que contemplem novos hábitos relacionados ao comer e ao beber, ao vestir-se e à moradia. Importante também cultivar mais sobriedade ao se expressar, evitando, entre outros aspectos, os precipícios das polarizações, dos acirramentos ideológicos e dos preconceitos, por motivações político-partidárias ou descompassos nas estruturas afetivo-emocionais.

O grande horizonte deste tempo de celebração do nascimento de Jesus é a fraternidade universal, que, para ser alcançada, exige da humanidade um longo caminho. Nesse trajeto, imprescindível é cultivar a sobriedade – disciplina humana e espiritual – para ir ao encontro do outro, especialmente do pobre. Uma vida mais sóbria precisa também contemplar o hábito de se lembrar dos famintos e com eles repartir o alimento da própria mesa, de não espalhar preconceitos ou futilidades, de viver a solidariedade, para ser capaz de novas escolhas, contribuindo para que o novo ano seja oportunidade para novos rumos. Natal, um convite à sobriedade, sem aglomerações ou gritarias, para não se correrem mais riscos com a pandemia e nem ofuscar a chegada de Deus, que se faz notar pelo silêncio contemplativo, pela simplicidade. Deus ensina a lição da sobriedade no Natal, o verdadeiro Natal feliz, com força para configurar um tempo novo, esperança para toda a humanidade.


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