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Números não mentem


23/03/2021 04:00

Celio Roberto Melillo
Doutor em educação e professor de matemática no Cefet-MG

Choramos por quase 300 mil brasileiros. Por pais, mães, filhos, amigos, colegas queridos, estranhos, famosos, anônimos


Novos óbitos nas últimas 24 horas. Média móvel de casos. Ocupação de leitos de UTI. Taxa de transmissão. Letalidade. Eficácia da vacina. Percentual de curados. Achatamento da curva. Pico de contágio.

O bombardeio de informações também é matemático. Entre grandezas usualmente utilizadas no cotidiano e outras completamente novas no imaginário e no vocabulário dos simples mortais, ficamos atônitos também com tantos dados, números, termos e conceitos nos alvejando diuturnamente. E o mais grave: por vezes, esses números são usados como parâmetros para definir medidas que literalmente são questão de vida ou morte.

Uma conversa com um amigo há alguns meses se revelou frutífera no que diz respeito aos números da pandemia. Em uma família, o pai e as duas filhas se encontravam isolados em casa por semanas. A mãe trabalhava em um serviço essencial e, exposta, contaminou-se no trabalho. Antes de sentir os sintomas, contaminou as três pessoas que moravam com ela – o marido e as duas filhas. Nesse grupo, 1 pessoa (25%) se contaminou na rua e 3 pessoas (75%) se contaminaram em casa.  “Os números não mentem” e, portanto, deixam claro que a rua é mais segura que a própria casa (?).

Esse raciocínio seria equivalente em matéria de tolice a acreditar que dirigir embriagado é a forma mais segura de se locomover, já que a maioria absoluta dos acidentes de trânsito envolve motoristas sóbrios.   

Por trás desses enganos está o desconhecimento de conceitos matemáticos (nesses dois casos, o de probabilidade condicional), aliado ao interesse deliberado de quem usa dessas informações como forma de se provar qualquer ponto de vista.

A sociedade, de alguma forma, alçou a matemática como uma ciência supostamente neutra e objetiva, imune às interferências e aos interesses dos indivíduos. O sacrossanto argumento matemático virou o fim de qualquer discussão. “Não sou que eu estou dizendo, os números falam por si”.

Ora, se é verdade que “os números não mentem”, como é possível desinformar a partir de dados reais? Confundir didática e sistematicamente?

Se a única lente necessária suficiente para enxergar o mundo fosse a matemática, os 300 espartanos liderados por Leônidas nem sequer teriam o direito de sonhar em vencer o exército persa de 5 dígitos. A bravura, a inspiração e a estratégia suplantaram os números para escrever a história.

Hoje, seja sob qualquer ótica, matemática ou não, o número 300 tem outra dimensão. Choramos por quase 300 mil brasileiros. Por pais, mães, filhos, amigos, colegas queridos, estranhos, famosos, anônimos. Um número desse não mente. Trezentas mil tragédias que a matemática não é capaz de dimensionar.

Na matemática, a noção de infinito deixa estudantes de cabelo em pé. Na pandemia, o que apavora é finitude. A finitude de uma vida, de planos, de sonhos e de projetos. Mas a própria pandemia terá seu fim. Enquanto esse dia não chega, a contagem continua; os números não mentem.


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