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Estado de Minas

A guerra mundial contra um vírus

Durante a pandemia, a desigualdade serve, numa bandeja de ouro, as cabeças dos miseráveis do planeta


25/07/2020 04:00





José Lorenzato de Mendonça
Psiquiatra, psicanalista e professor aposentado da
 Faculdade de Medicina da UFMG
 
 
 
 
Em 31 de dezembro de 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) foi alertada sobre vários casos de pneumonia na cidade de Wuhan, na província de Hubei, na República Popular da China. Tratava-se de uma nova cepa (tipo) de coronavírus que ainda não havia sido identificada em seres humanos. Assim, ingressamos na segunda década do século 21 em guerra contra a violência desse organismo, que desde então vem impondo sofrimento e morte em todas as regiões do mundo.

Mas de onde vêm os vírus? Sua origem não é totalmente clara, e provavelmente seja tão antiga e complexa quanto o princípio da vida neste planeta. Eles são parasitas intracelulares obrigatórios e, como tal, necessitam de um organismo vivo para se hospedar e se reproduzir. Uma vez dentro de uma célula, sua capacidade de replicação é imediata e surpreendente: um único vírus é capaz de produzir milhares de outros em poucas horas.

Além de tantas outras lutas sangrentas em curso no planeta, que infelizmente produzimos, estamos, agora, obrigados a travar uma guerra mundial contra esse agente infeccioso, silencioso e mortal. Expostos a esse confronto, que vitima uns mais que outros, e entendendo-o como uma entre as várias formas de violência em andamento na Terra, é prudente nos perguntar: o que a ciência nos sugere sobre a ameaça das guerras?

Para o fundador da psicanálise, o médico austríaco Sigmund Freud, tudo o que estimula o crescimento da civilização trabalha contra a ameaça das guerras. Em O Futuro de Uma Ilusão (1927), Freud escreveu que a civilização era tudo aquilo que havia elevado a vida humana acima de sua condição animal, destacando dois aspectos: o conhecimento e a capacidade para controlar as forças da natureza e dela extrair riquezas para satisfação das necessidades humanas, os regulamentos necessários para ajustar as relações dos homens uns com os outros e, especialmente, a distribuição da riqueza disponível. Três anos depois, em O Mal-Estar na Civilização (1930), Freud insistiu nesse conceito, ressaltando que a vida em sociedade civilizada só se torna possível quando se reúne uma maioria que permaneça unida e seja mais forte do que qualquer indivíduo isolado. 

Em 1932, numa troca de cartas com Freud, o cientista Albert Einstein, por sua vez, lembrou que nós mesmos autorizamos as indústrias bélicas a produzirem e expandirem seus negócios, promovendo a guerra que, paradoxalmente, tentávamos diminuir. Ele alertou para o fato de que era uma minoria – a elite econômica – que, além da indústria bélica, possuía, também, o controle das comunicações e das igrejas no planeta. Explicitamente, reconheceu que as armas e a mídia são instrumentos indispensáveis para ampliar e garantir as grandes fortunas, possibilitando a uma pequena classe implantar ideias e manipular as emoções das massas.

Numa dessas missivas, Einstein pergunta a Freud se havia alguma forma de livrar a humanidade da ameaça de guerra. Em resposta, o médico austríaco reconhece a antítese entre direito e violência, afirmando que quando a classe dominante se recusa a admitir a mudança, a rebelião e a guerra civil costumam vir a seguir. Freud acrescenta que de nada adiantaria tentar eliminar por completo as inclinações agressivas dos homens, mas reconhece que seria possível diminuir significativamente essa agressividade, uma vez que tudo o que estimula o crescimento da civilização trabalha simultaneamente contra a guerra. 

O que essas teorias têm a ver com o combate contra o coronavírus? Se Einstein e Freud tiverem razão, o problema da violência no mundo, qualquer que seja a forma como se apresente –  um cometa, um míssil, um assaltante ou um vírus –, será mais bem enfrentado através da distribuição da riqueza. 

De acordo com a Oxford Committee for Famine Relief (Oxfam), confederação internacional contra a fome, 1% da população mundial já possui mais riqueza do que todo o resto da humanidade. A distribuição mais justa de bens, além de provar a todos que a difusão da ética é possível, possibilitaria à maioria das pessoas maior acesso às condições materiais de sobrevivência, reais condições de adquirir poder e justiça. Tornaria viável não somente acumular informações, mas habilitar no cérebro e na personalidade da maioria das pessoas um agente hábil e eficaz para controlar as feras latentes dentro de si e aquelas que espreitam ao redor. 

A concentração das riquezas está aumentando a violência no mundo, tornando cada vez mais difícil, inclusive para os ricos, fugir do perigo nuclear, da violência, dos assaltos, dos sequestros, dos atentados terroristas, da poluição, do aquecimento global, dos fanáticos, da fome dos pobres e da culpa. Durante a pandemia, a desigualdade serve, numa bandeja de ouro, as cabeças dos miseráveis do planeta, vítimas fáceis do coronavírus.

No Brasil, um dos países mais desiguais do mundo, as diferenças de acesso à proteção social, aos serviços públicos de saúde e à renda ficam ainda mais evidentes no contexto da pandemia. Nesse sentido, as ideias de Albert Einstein e de Sigmund Freud são valiosas porque oferecem soluções mais adequadas para os problemas pós-surto, como desconstruir vícios e injustiças sociais e inventar e consolidar novas bases éticas, nacionais e internacionais, para assegurar a sobrevivência da espécie humana.

Nesse movimento, parece claro que está implícita a renúncia de todas as nações à sua soberania sobre as demais (diferente do que ainda temos visto). Será necessário um novo contrato social: a distribuição mais justa da riqueza, no país e no planeta. Continuaríamos obrigados a morrer, mas não mais a conviver com níveis tão elevados de dor, violência e medo. 


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