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Brumas e catástrofes

É indispensável aos governantes, na condição de aprendizes-servidores, se deixarem iluminar por uma nova lógica


postado em 31/01/2020 04:00

(foto: Paulinho Miranda)
(foto: Paulinho Miranda)

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

A chuva, dom da criação, derramada para fecundar a terra e garantir bens essenciais, tem se tornado um pesadelo: mais uma vez, avoluma-se o número de pessoas que perdem sua vida e contabilizam-se os graves prejuízos. Realidade que se hospeda no mesmo horizonte da tragédia-crime de Brumadinho. 

Causa perplexidade constatar as lições não aprendidas, o que aponta para a necessidade, urgente, de mudanças de hábitos e providências que não podem surgir de soluções apressadas, do improviso, mas da inteligência na intuição de novos processos capazes de promover intervenções assertivas e a necessária correção de rumos que garantam condições adequadas para os cidadãos.

Assiste-se, no entanto, a um "bate-cabeça" comprometedor. Um contexto de nefastas consequências explicitadas nas falas e linguagens que revelam a estreiteza de compreensão por parte daqueles que, por necessidade e obrigação, deveriam projetar luzes novas, apontar rumos. Muitos, curiosamente, movidos por interesses questionáveis, se tornam reféns de grupos e pessoas mal-intencionados. Assim, os planos e prioridades são definidos por critérios medíocres, próprios de quem se encastela em um discurso desmoralizante, capaz de intimidar apenas aqueles que se equiparam pela mediocridade. Espera-se, com urgência, dada a incidência dos clamores, especialmente dos pobres, reação eficaz e novas respostas. É preocupante a falta de preparo na forma de conduzir os processos, gerando confusão, acentuando oportunismos, validando critérios inócuos, a exemplo do que se esconde na impiedade da busca irracional do lucro, louvado como alavanca do aquecimento e da melhora da economia.

As brumas e as catástrofes nas evidências das reações agressivas da natureza são o retrato desolador da falta de ações com força de mudanças, da vagareza das soluções que pedem urgências, enquanto a mediocridade da conservação estreita inovações para assegurar o apequenado que se conquistou. As consequências são evidentes na religiosidade que não consegue emitir sua profecia, órfã dependente de discursos ideológicos e partidários; nos governos que não conseguem, minimamente, eleger suas prioridades; nas instituições que servem mais aos que as compõem, ao invés de fazer de seus servidores protagonistas em ações transformadoras – incluindo os cidadãos que não conseguem mudar nem mesmo hábitos simples e corriqueiros. 

Pense-se na evidência do lixo produzido e inadequadamente tratado. Além de agravar enchentes e degradações, denuncia o descuido da sociedade. São estreitezas pessoais e sociais que pesam e prejudicam a sociedade brasileira na dinâmica mundial e no próprio horizonte nacional. Tudo isso reflete, também, oportunismos, com o intuito de conquistar votos, impulsionar projeção pessoal ou político-partidária, contracenando com rigorismos doutrinários e disputas ideológicas assépticas, que não efetivam avanços e atolam ainda mais a sociedade em brumas e catástrofes.

Constata-se, de modo preocupante, a falta de estrutura moral, espiritual e emocional, desfigurando e aprisionando a cidadania numa condição depressiva. Muitas vezes, prefere-se não reagir e apenas viver do cultivo de uma dor, sem buscar a cura ou tratamento adequado – a se fortalecer para realizar grandes mudanças. Lamenta-se o cenário do protagonismo dos profetas que se põem em defesa da verdade, enquanto os agoureiros, até causando medo e submissão, tiram proveito para ganhar o sustento e promoção, neutralizando reações urgentes na construção de respostas novas. São muitas as lições, e poucas as aprendidas. Lições que exigem a produção de nova compreensão, de novas práticas e hábitos. Neste exigido investimento para a vida nova clamada pela sociedade contemporânea, o horizonte da ecologia integral é o mais produtivo e com força transformadora. Sem novas dinâmicas, sem a substituição de lógicas, sem a humilde assunção de hábitos não ocorrerão as mudanças adequadas para substituir as brumas e catástrofes que desnorteiam o cotidiano deste tempo.

Não cabe dar as costas, produzir reações agressivas ou antagônicas às interpelações vigentes, desenhadas na perspectiva da ecologia integral – embora incomodem alguns e aparentem ser menos importantes do que realmente são. O capítulo quarto da carta encíclica Laudato sí, do papa Francisco, num horizonte rico e amplo, ao abordar o entendimento sobre a ecologia integral, é a impostação completa e a indicação inteligente da urgente saída que se busca. A sociedade brasileira precisa ser tocada nos seus brios, os cidadãos sensibilizados, pela solidariedade, no seu patriotismo. É indispensável aos governantes, na condição de aprendizes-servidores, se deixarem iluminar por uma nova lógica. Ao invés da rigidez que ajuda a matar, a fé precisa ser praticada e fortalecida como conquista da liberdade para a qual Deus criou a vida, a ser preservada em todas as suas etapas. É preciso ter vergonha, se incomodar, trabalhando e contribuindo na construção de mudanças fortes, urgentes, para que sejam superadas as catástrofes e pairem as brumas do amor e das solidariedades.



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