Maria Inês Vasconcelos
Advogada trabalhista, palestrante, pesquisadora e escritora
O tema da inclusão está na ordem do dia, dominando as agendas no mês das crianças. Talvez seja por isso que hoje me veio à lembrança uma tarde que passei com minha amiga no ano passado.
Ela chorava copiosamente. Tinha acabado de sair da escola da filha que, literalmente, “convidou” sua menina a deixar a instituição. O colégio, referência na cidade, abusou de eufemismos e dissimulação ao justificar que “não estava preparado para ajudar aquela criança”. Num discurso insincero e de forma dissimulada, disse:
– Sua filha tem dificuldades e não temos como gerenciar isso de outra forma. É melhor procurar uma escola onde ela tenha mais oportunidade de se adaptar, pois percebemos que aqui ela está sofrendo.
Pura mentira. A menina adorava o local, os coleguinhas e a professora. A escola é que não estava minimamente preparada para aquela criança, que foi descartada como um brinquedo quebrado, como se minha amiga tivesse uma filha ineducável ou anormal. Adjetivos impensáveis e monstruosos.
Contudo, o mundo deu voltas e “nossa menininha” estuda e tem muito sucesso num colégio vizinho. Está completamente adaptada, num ambiente agradabilíssimo, propício à sua educação e desenvolvimento. Ela é muito popular, além de ser uma líder nata em sua salinha. Todos a adoram e ela é queridíssima, tendo, inclusive, ganho o Prêmio Caderninho, pelo caderno mais caprichado e organizado da turma. Não posso também deixar de falar das festas de aniversário dela, não falta ninguém.
A escola anterior que a descartou, acredito eu, em virtude de pequenas diferenças no processo de aprendizagem, foi quem perdeu essa aluna maravilhosa. E isso é o que acontece com as organizações e entidades que mantêm, de forma velada, resquícios do preconceito e exclusão.
Um lugar desse, além de impiedoso, merece, no meu sentir, tratamento rigoroso do ponto de vista legal. A malfadada escola, um dia, tomará um processo com elevadas chances de condenação se repetir o que fez de forma premeditada e imoral, eis que essa escola desconhece que as crianças, independentemente de sua cor, idade, gênero e tipo de necessidade especial, são dotadas de dignidade, um dos valores mais elevados do ser humano, garantido pelo nosso sistema constitucional, ao lado da liberdade e da igualdade.
A partir desse parâmetro traçado pela Constituição Federal, fica claro que inclusão, educacional e social, deve reconhecer e receber as pessoas como são: humanas. Não há mais lugar neste país, neste momento histórico, para a cultura preconceituosa e práticas de exclusão. Também não há espaço para o narcisismo ou fetiches. A verdade é uma só. Somos todos iguais. Todas as crianças deste país são iguais e merecem o mesmo tratamento legal.
Carlos Drummond de Andrade, em tom de poesia, fez um alerta: “Brincar com crianças não é perder tempo, é ganhá-lo; se é triste ver meninos sem escola, mais triste ainda é vê-los sentados enfileirados em salas sem ar, com exercícios estéreis, sem valor para a formação do homem”. Sim, aquela escola não pretendia formar homens. Ao descartar uma menininha de 5 anos, não agiu como uma verdadeira instituição de ensino, cujos pilares são o cultivo à fraternidade, solidariedade, respeito ao aluno e às suas necessidades, seguindo as normas legais.
Além disso, aquela escola tinha gestores desrevestidos do espírito de humanidade e não era alinhada com a missão de formar homens. Pelo contrário, praticava, de forma disfarçada e leviana, a exclusão.
Anseio que ao lado de cada menino e menina, neste canteiro da vida, não haja mais espaço para a segregação, estigma e preconceito. Que a bandeira da inclusão seja hasteada no coração de cada homem e que juntos possamos proporcionar melhor qualidade de vida para as crianças deste país.
É outubro. É primavera. E as nossas crianças, juntas, são nossas flores.