A liberdade idealizada pelos inconfidentes mineiros no século 18 tem na frase grafada em latim Libertas quae sera tamen a maior expressão do sentimento da época em defesa da independência brasileira. Imortalizada na bandeira de Minas Gerais, tornou-se referência para o país, um lema a ser seguido, sobretudo como sustentáculo da plena garantia dos direitos individuais e da soberania nacional.
O Brasil, no entanto, revive de tempos em tempos a dicotomia do passado, embrenhando-se por caminhos tortuosos que certamente não condizem com a vontade da população. A prática de políticas perniciosas e exacerbadas conduz à intolerância, resultando em intensos conflitos sociais.
Um exemplo marcante da nossa história culminou com a instauração do regime militar de 1964, período de supressão da liberdade e violação dos direitos humanos. Extrapolando todos os limites do Estado de direito e abolindo a ordem constitucional democrática vigente.
Ainda viva em nossa memória, a suspensão dos direitos e garantias constitucionais, num primeiro momento com o objetivo de resgate da ordem pública, evoluiu sem controle para o autoritarismo, encoberto pelo ultraje da tortura física e psicológica. Hoje, pode-se avaliar se valeu a pena ou não.
Vivemos em outros tempos. Mas, infelizmente, os 50 anos que separam a época da ditadura do período democrático atual não excluíram certas atitudes ainda utilizadas contra a liberdade do cidadão brasileiro, com o intuito de obter informações a qualquer preço. Dois momentos distintos envoltos em comportamentos que aparentemente são vistos como mera coincidência.
Deixo para o leitor avaliar o paralelo que faço dos períodos ao longo da nossa história. Na ditadura, além dos métodos utilizados para a limitação da liberdade do cidadão, era muito comum a busca e a apreensão em domicílio, a suspensão de direitos, a invasão de privacidade, uso de escutas telefônicas e violação de correspondências e os trágicos depoimentos obtidos sob tortura.
Nos dias atuais, podemos observar a prática da condução coercitiva, prisão temporária transformada em permanente, busca e apreensão domiciliar, delações premiadas obtidas em depoimentos forjados à base de tortura psicológica e constrangimento público midiático dos acusados.
Mas as coincidências não param por aí. Os opositores ao regime militar eram acusados de realizar assaltos a bancos, sequestros e morte e organização de guerrilhas armadas. Os culpados de hoje são acusados de dilapidar, roubar e desviar recursos dos cofres públicos e empresas estatais.
Gostaria aqui de refletir a respeito das prisões que estão ocorrendo no país e os métodos utilizados na obtenção das confissões. É questão tácita posta. Sem querer fazer qualquer juízo de valor, vejo a tortura dos tempos da ditadura tal qual a executada hoje. Aquela que prende o sujeito sobre determinada alegação mantendo-o preso por semanas ou meses até ser solto por meio de acordo de delação premiada ou até mesmo por não haver provas suficientes que levem à condenação. Diversas prisões foram revogadas e o que se vê é a banalização teatral que desqualifica o trabalho honrado da Justiça.
A verdade que liberta não deve vir à tona por meio da tortura, seja ela física ou psicológica. O prejulgamento de outrora ressurge com mais vigor, passando por cima de tudo e de todos. Não entrarei no mérito se o sujeito é culpado ou inocente. Muito menos estou aqui para defender bandido ou eximir e isentar de culpas devidas. É preciso cautela na escolha do caminho trilhado.
"Quem luta contra monstros deve ter o cuidado para não se transformar em um deles", já alertava o pensador Friedrich Nietzsche. É, no mínimo, questionável que alguém venha a público denunciar um ato falho ou criminoso de outra pessoa e logo em seguida volte atrás desmentindo o fato, ficando o dito pelo não dito. Não pode ser assim. Depois da imagem maculada a reputação estará comprometida.
Defendo que as garantias individuais sejam preservadas dentro dos princípios fundamentais do Estado de direito.
Liberdade ainda que tardia!