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Estado de Minas JORNALISTA E INDIGENISTA

Como estão as buscas por Dom Phillips e Bruno Pereira, desaparecidos no Amazonas

Pertences de Bruno Pereira e Dom Phillips foram encontrados no domingo (12/6). Polícia ainda faz perícia de lancha e material genético encontrado


13/06/2022 11:51 - atualizado 13/06/2022 12:18


Montagem mostra fotografia colorida com Bruno Araujo e Dom Phillips
Bruno Arújo (à esq.) e Dom Phillips estão desaparecidos desde 5 de junho (foto: BBC)

Autoridades brasileiras disseram no domingo (12/6) que encontraram objetos pessoais do indigenista brasileiro Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, que desapareceram no final de semana anterior no interior do Amazonas.

A polícia disse que foram encontrados botas, calça, chinelo e um cartão de saúde de Bruno, e uma mochila e botas de Dom. Bombeiros disseram que também foi encontrado um notebook e sandálias. Os pertences estavam amarrados em uma árvore em uma área de igapó (região alagada da Amazônia) que fica no trajeto onde Bruno e Dom desapareceram.

O jornalista André Trigueiro, da GloboNews, afirmou nesta segunda-feira (13/06) que a esposa de Dom Phillips, Alessandra Sampaio, havia compartilhado com ele a informação de que os corpos de Bruno e Dom teriam sido encontrados. Posteriormente, a GloboNews disse que corpos haviam sido localizados e estavam sendo periciados.

Em nota, a Polícia Federal descartou a informação. "Não procedem as informações que estão sendo divulgadas a respeito de terem sido encontrados os corpos de Bruno Pereira e Dom Phillips. Conforme já divulgado, foram encontrados materiais biológicos que estão sendo periciados e os pertences pessoais dos desaparecidos. Tão logo haja o encontro, a família e os veículos de comunicação serão imediatamente informados", aponta o texto.

Ambos sumiram no dia 5 de junho quando se deslocavam no Rio Itaquaí, entre a comunidade de São Rafael e a cidade de Atalaia do Norte, no extremo oeste do Amazonas, perto da fronteira com o Peru. A região fica no limite do Vale do Javari, que é conhecido por abrigar o maior número de indígenas não-contatados do mundo. A área também é conhecida por intensos conflitos envolvendo indígenas, garimpeiros, madeireiros, narcotraficantes e pescadores ilegais.

Confira abaixo o que se sabe sobre o caso do desaparecimento de Bruno Pereira e Dom Phillips.

Quem são Bruno Pereira e Dom Phillips e o que eles estavam fazendo na Amazônia?

Bruno da Cunha de Araújo Pereira é indigenista e servidor da Funai (Fundação Nacional do Índio). Ele estava licenciado do cargo e trabalhando em um projeto das ONGs WWF-Brasil e União dos Povos Indígenas do Parque do Javari (Univaja) para ensinar indígenas a monitorar suas terras com o uso de tecnologias como drones. A terra demarcada no Vale do Javari é constantemente invadida por criminosos.

Bruno é tido como um dos maiores especialistas sobre a região e um dos principais indigenistas do país. Em 2019, ele foi exonerado de um cargo de chefia na Funai, mas seguiu como servidor licenciado.


Bruno Araújo Pereira junto com indígenas
O indigenista Bruno Araújo Pereira (ao centro), servidor da Funai que sumiu enquanto se deslocava de barco (foto: Divulgação/Funai)

Dom Phillips é jornalista e colaborador de diversos jornais no exterior, entre eles o britânico The Guardian. Phillips mora no Brasil há 15 anos e é casado com uma brasileira. Ele realizou diversas viagens para a Amazônia, onde fez reportagens sobre desmatamento e crimes.

Ele viajou para o extremo oeste da Amazônia acompanhado de Bruno para coletar dados para um livro que estava escrevendo sobre como salvar a floresta. Os dois eram amigos e já haviam viajado juntos à Amazônia em outras ocasiões profissionais.

Dias antes de se encontrar com Dom Phillips fora do Vale do Javari, Bruno manteve reuniões com líderes indígenas dentro da reserva indígena.

O que aconteceu?

No domingo, dia 5 de junho, Bruno e Dom desapareceram a poucos quilômetros do Vale do Javari, que é a segunda maior reserva indígena do Brasil. Eles viajavam de barco pelos mais de 70 km que ligam o lago do Jaburu ao município de Atalaia do Norte. Na última vez que foram vistos, eles pararam na comunidade de São Rafael, às 6h, onde tinham uma reunião marcada com o líder pescador Manoel Vitor Sabino da Costa, conhecido como Churrasco.

Dali, eles seguiram seu caminho pelo rio. A dupla deveria ter chegado a Atalaia do Norte duas horas depois, mas desapareceu. Quem soou o alerta foram os indígenas da Univaja. Segundo a associação, Bruno e Dom viajavam em uma lancha em bom estado e com combustível suficiente para a viagem.


O jornalista britânico Dom Phillips
Jornalista britânico Dom Phillips mora em Salvador e faz reportagens sobre o Brasil há mais de 15 anos (foto: Reprodução/Twitter)

A Univaja disse que às 14h enviou uma equipe "formada por indígenas extremamente conhecedores da região". A equipe teria percorrido inclusive os "furos" do rio Itaquaí, mas nenhum vestígio foi encontrado. Às 16h, dizem os órgãos, "outra equipe de busca saiu de Tabatinga, em uma embarcação maior, retornando ao mesmo local, mas novamente nenhum vestígio foi localizado".

Há relatos de que Bruno Pereira era alvo constante de ameaças feitas por pescadores ilegais, garimpeiros e madeireiros. Além disso, a Univaja também relatou ameaças a seus integrantes — tendo registrado boletim de ocorrência na polícia poucas semanas antes do desaparecimento de Bruno.


Mapa da região do Vale do Javari
Mapa da região do Vale do Javari (foto: Unijava)

O que se descobriu até agora?

Buscas estão sendo feitas pelas polícias Federal, Militar e Civil, além da Força Nacional, Exército, Marinha e grupos de indígenas. Duas aeronaves, três drones, 16 embarcações e 20 viaturas estão sendo usados nas buscas.

Dois dias depois do desaparecimento, em 7 de junho, a polícia prendeu o pescador Amarildo da Costa de Oliveira, conhecido como "Pelado", e o nomeou como suspeito no caso — mas não forneceu detalhes sobre qualquer relação entre ele e os desaparecidos. "Pelado" foi preso com drogas e munições de uso restrito de autoridades. Há relatos de que ele estaria ameaçando indígenas que trabalham nas buscas.


Primeiras buscas foram feitas por pequenos grupos de indígenas, em 5 de junho de 2022
Primeiras buscas foram feitas por pequenos grupos de indígenas (foto: Reuters)

A sua lancha tinha rastros de sangue — e o material foi enviado para perícia em Manaus para determinar se o sangue é humano ou de animais. O resultado do exame deve sair em cerca de 30 dias. Em uma audiência de custódia, Amarildo acusou policiais de espanca-lo.

Na sexta-feira (10/6), a Superintendência Regional da Polícia Federal no Amazonas disse ter encontrado "material orgânico aparentemente humano" na região do Rio Itaquaí próximo ao porto de Atalaia do Norte. O material também foi enviado para perícia.

As famílias de Bruno e Dom cederam material genético dos dois para ajudar na perícia.

Indígenas também alertaram para um local no curso do rio onde há sinais de que um barco do tamanho da lancha usada por Bruno e Dom poderia ter parado — com um buraco formado na mata. O local está sendo periciado pela polícia, que busca qualquer vestígio de que a embarcação tenha passado por ali.

No domingo (12/6), foram encontrados objetos pessoais de Bruno e Dom em um trecho do rio.


Peritos forenses examinaram um barco com vestígios de sangue no Vale do Javari em 9 de junho
Peritos examinaram um barco com vestígios de sangue no Vale do Javari; resultado deve sair em 30 dias (foto: EPA)

O que se sabe sobre a região do Vale do Javari?

Bruno Pereira e Dom Phillips estavam perto da reserva indígena do Vale do Javari — mas fora dela — quando desapareceram.

Com área equivalente à de Portugal, o território abriga uma floresta bem preservada. Nele vivem cerca de 6 mil integrantes de sete etnias, além de membros de vários grupos em isolamento voluntário.

A região é conhecida por intensos conflitos entre diversos grupos criminosos (como quadrilhas de madeireiros e pescadores ilegais) contra indígenas. Alguns estudos sugerem que existe ligação entre essas atividades e o narcotráfico, que está presente na região desde os anos 1970.

Pesquisadores também apontam para o enfraquecimento da Funai nos últimos anos — o que aumentou ainda mais a atividade criminosa no Vale do Javari. Nos últimos anos, houve vários ataques na região atribuídos a pescadores e caçadores ilegais.

Os atos foram interpretados como represálias a tentativas de reprimir a ação dos grupos na terra indígena. Entre 2018 e 2019, uma base da Funai que controla o acesso à Terra Indígena Vale do Javari foi alvejada em oito ocasiões distintas.

Em 2019, o colaborador da Funai Maxciel Pereira dos Santos foi morto a tiros em Tabatinga, a maior cidade da região. Meses antes, ele havia participado de uma operação que apreendeu grande quantidade de pesca e caça ilegal. Não houve prisões nem condenações pelo crime.

Qual foi a resposta das autoridades brasileiras?

Dois dias depois do desaparecimento, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro disse que a viagem de Bruno e Dom era uma "aventura não-recomendável".

"Realmente, duas pessoas apenas em um barco, em uma região daquela, completamente selvagem, é uma aventura que não é recomendável que se faça. Tudo pode acontecer. Pode ser um acidente, pode ser que tenham sido executados. Tudo pode acontecer. A gente espera e pede a Deus que sejam encontrados brevemente", disse o presidente.

A fala foi criticada pelos familiares de Bruno e Dom, que acusaram o Estado brasileiro de fracassar na segurança da região.


Bolsonaro
Bolsonaro falou sobre desaparecimento de Bruno e Dom na Cúpula das Américas em Los Angeles (foto: EPA)

O governo brasileiro também foi criticado por não agir rapidamente nas buscas. No dia seguinte ao desaparecimento, o Comando Militar da Amazônia, do Exército brasileiro, emitiu nota afirmando que estava "em condições de cumprir missão humanitária de busca", mas que a ação só seria tomada "mediante acionamento por parte do Escalão Superior".

Em discurso na Cúpula das Américas, nos EUA, Bolsonaro disse que "desde o primeiro dia, quando foi dado o sinal de alerta, a Marinha entrou em campo, e no dia seguinte as Forças Armadas e a Polícia Federal". Bolsonaro afirmou que o Estado brasileiro já gastou mais de meio milhão de reais nas buscas.

Familiares também criticaram a falta de suporte da Funai e declarações feitas pelo seu presidente, Marcelo Xavier. O presidente da Funai disse que Bruno Pereira e Dom Phillips precisavam ter pedido autorização para viajar para a reserva indígena na Amazônia.

"A Funai, de forma nenhuma, emitiu nenhum tipo de autorização para ingresso nessa área indígena", disse Xavier à Voz do Brasil.

No entanto, Bruno e Dom não estavam na área indígena quando sumiram. Documentos revelados pela TV Globo mostram que semanas antes de desaparecer, Bruno solicitou autorização da Funai para ingressar na reserva do Vale do Javari, e teve seu pedido aceito — o que contradiz as declarações do presidente da Funai.

Bruno ingressou na área, onde se reuniu com indígenas, e posteriormente encontrou Dom Phillips fora da reserva. Dom não esteve na reserva e o desaparecimento de ambos ocorreu fora da área de proteção.

Qual foi a repercussão internacional do caso?

A repercussão do caso é global, tendo sido noticiada nos principais veículos de comunicação do mundo. Ao longo da última semana, atos no Brasil e no mundo cobraram uma resolução do caso. Parentes e ativistas se reuniram em frente à embaixada brasileira em Londres. Também houve atos em cidades como Rio de Janeiro e Salvador.


Protesto em Londres em 9 de junho de 2022
Ato na frente da embaixada brasileira em Londres cobrou agilidade nas buscas (foto: Reuters)

Na Cúpula das Américas, evento do qual Bolsonaro participou em Los Angeles na semana passada, circulou um veículo com um cartaz que perguntava "Onde estão Dom e Bruno?"

A ONG Human Rights Watch pediu maior empenho do governo brasileiro.

"Dom Phillips e Bruno Pereira desapareceram em 5 de junho. Jair Bolsonaro disse que eles estavam em 'uma aventura que não é recomendada'. A aventura deles foi cuidar dos indígenas e da Amazônia durante um governo que não se preocupou com nada disso", disse a entidade no Twitter.

A Anistia Internacional também pediu empenho das autoridades brasileiras, além de apoio internacional do Peru e da Colômbia.

"A cooperação internacional é mais vital do que nunca em situações de crise como esta", disse a Anistia, em nota.

O Escritório de Direitos Humanos da ONU expressou "preocupação com a questão mais ampla dos constantes ataques e assédios contra ativistas, ambientalistas e jornalistas no Brasil, enfatizando que as autoridades são responsáveis por protegê-las e garantir que possam exercer seus direitos".

Alguns parentes dos desaparecidos disseram que têm poucas esperanças de encontrar os dois com vida.

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